A liturgia deste domingo apresenta-nos
essa comunidade de Homens Novos que nasce da cruz e da ressurreição de Jesus: a
Igreja. A sua missão consiste em revelar aos homens a vida nova que brota da
ressurreição.
Na primeira leitura temos, numa das
“fotografia” que Lucas apresenta da comunidade cristã de Jerusalém, os traços
da comunidade ideal: é uma comunidade formada por pessoas diversas, mas que
vivem a mesma fé num só coração e numa só alma; é uma comunidade que manifesta
o seu amor fraterno em gestos concretos de partilha e de dom e que, dessa
forma, testemunha Jesus ressuscitado.
No Evangelho sobressai a ideia de que
Jesus vivo e ressuscitado é o centro da comunidade cristã; é à volta d’Ele que
a comunidade se estrutura e é d’Ele que ela recebe a vida que a anima e que lhe
permite enfrentar as dificuldades e as perseguições. Por outro lado, é na vida
da comunidade (na sua liturgia, no seu amor, no seu testemunho) que os homens
encontram as provas de que Jesus está vivo.
A segunda leitura recorda aos membros da comunidade cristã os critérios que definem a vida cristã autêntica: o verdadeiro crente é aquele que ama Deus, que adere a Jesus Cristo e à proposta de salvação que, através d’Ele, o Pai faz aos homens e que vive no amor aos irmãos. Quem vive desta forma, vence o mundo e passa a integrar a família de Deus.
A segunda leitura recorda aos membros da comunidade cristã os critérios que definem a vida cristã autêntica: o verdadeiro crente é aquele que ama Deus, que adere a Jesus Cristo e à proposta de salvação que, através d’Ele, o Pai faz aos homens e que vive no amor aos irmãos. Quem vive desta forma, vence o mundo e passa a integrar a família de Deus.
1 leitura –
At. 4,32-35 – AMBIENTE
Os “Atos dos Apóstolos” são uma
catequese sobre a “etapa da Igreja”, isto é, sobre a forma como os discípulos
assumiram e continuaram o projeto salvador do Pai e o levaram – após a partida
de Jesus deste mundo – a todos os homens.
O livro divide-se em duas partes. Na
primeira (cf. At. 1-12), a reflexão apresenta-nos a difusão do Evangelho dentro
das fronteiras palestinas, por ação de Pedro e dos Doze; a segunda (cf. At.
13-28) apresenta-nos a expansão do Evangelho fora da Palestina (até Roma),
sobretudo por ação de Paulo.
O texto que hoje nos é proposto
pertence à primeira parte do Livro dos Atos dos Apóstolos. Faz parte de um
conjunto de três sumários, através dos quais Lucas descreve aspectos
fundamentais da vida da comunidade cristã de Jerusalém. Um primeiro sumário é
dedicado ao tema da unidade e ao impacto que o estilo cristão de vida provocou
no povo da cidade (cf. At. 2,42-47); um segundo sumário (e que é exatamente o
texto que nos é hoje proposto) refere-se sobretudo à partilha dos bens (cf. At.
4,32-35); o terceiro trata do testemunho que a Igreja dá através da atividade
miraculosa dos apóstolos (cf. At. 5,12-16).
Naturalmente, estes sumários não são um
retrato histórico rigoroso da comunidade cristã de Jerusalém, no início da
década de 30 (embora possam ter algumas bases históricas). Quando Lucas escreve
estes relatos (década de 80), arrefeceu já o entusiasmo inicial dos cristãos: Jesus
nunca mais veio para instaurar definitivamente o “Reino de Deus”, e
posicionam-se no horizonte próximo as primeiras grandes perseguições… Há algum
desleixo, falta de entusiasmo, monotonia, divisão e confusão (até porque
começam a aparecer falsos mestres, com doutrinas estranhas e pouco cristãs).
Neste contexto, Lucas recorda o essencial da experiência cristã e traça o
quadro daquilo que a comunidade deve ser.
MENSAGEM
Como será, então, essa comunidade
ideal, que nasce do Espírito e do testemunho dos apóstolos?
Em primeiro lugar, é uma comunidade
formada por pessoas muito diversas, mas que abraçaram a mesma fé (“a multidão
dos que tinham abraçado a fé” – v. 32a). A “fé” é, no Novo Testamento, a adesão
a Jesus e ao seu projeto. Para todos os membros da comunidade, o Senhor Jesus
Cristo é a referência fundamental, o cimento que a todos une num projeto comum.
Em segundo lugar, é uma comunidade
unida, onde os crentes têm “um só coração e uma só alma” (v. 32a). Da adesão a
Jesus resulta, obrigatoriamente, a comunhão e a união de todos os “irmãos” da
comunidade. A comunidade de Jesus não pode ser uma comunidade onde cada um puxa
para o seu lado, preocupado em defender apenas os seus interesses pessoais; mas
tem de ser uma comunidade onde todos caminham na mesma direção, ajudando-se
mutuamente, partilhando os mesmos valores e os mesmos ideais, formando uma
verdadeira família de irmãos que vivem no amor.
Em terceiro lugar, é uma comunidade que
partilha os bens. Da comunhão com Cristo resulta a comunhão dos cristãos entre
si; e isso tem implicações práticas. Em concreto, implica a renúncia a qualquer
tipo de egoísmo, de autossuficiência, de fechamento em si próprio e uma
abertura de coração para a partilha, para o dom, para o amor. Expressão
concreta dessa partilha e desse dom é a comunhão dos bens: “ninguém chamava seu
ao que lhe pertencia, mas tudo entre eles era comum” – v. 32b). Num
desenvolvimento que explicita este “pôr em comum”, Lucas conta que “não havia
entre eles qualquer necessitado, porque todos os que possuíam terras ou casas
vendiam-nas e traziam o produto das vendas, que depunham aos pés dos apóstolos.
Distribuía-se então a cada um conforme a sua necessidade” (vs. 34-35). É uma
forma concreta de mostrar que a vida nova de Jesus, assumida pelos crentes, não
é “conversa fiada”; mas é uma efetiva libertação da escravidão do egoísmo e um
compromisso verdadeiro com o amor, com a partilha, com o dom da vida. Num mundo
onde a realização e o êxito se medem pelos bens acumulados e que não entende a
partilha e o dom, a comunidade de Jesus é chamada a dar exemplo de uma lógica
diferente e a propor uma mundo que se baseie nos valores de Deus.
Finalmente, é uma comunidade que dá
testemunho: “os apóstolos davam testemunho da ressurreição de Jesus com grande
poder” (v. 33). Os gestos realizados pelos apóstolos infundiam em todos aqueles
que os testemunhavam a inegável certeza da presença de Deus e dos seus
dinamismos de salvação.
A primitiva comunidade cristã, nascida
do dom de Jesus e do Espírito, é verdadeiramente uma comunidade de homens e
mulheres novos, que dá testemunho da salvação e que anuncia a vida plena e
definitiva. A fé dos discípulos, a sua união e, mais do que tudo, essa
“ilógica” e “absurda” partilha dos bens eram a “prova provada” de que Cristo
estava vivo e a atuar no mundo, oferecendo aos homens um mundo novo. A Cristo
ressuscitado, os habitantes de Jerusalém não podiam ver; mas o que eles podiam
ver era a espantosa transformação operada no coração dos discípulos, capazes de
superar o egoísmo, o orgulho e a autossuficiência e de viver no amor, na
partilha, no dom. Viver de acordo com os valores de Jesus é a melhor forma de
anunciar e de testemunhar que Jesus está vivo.
A comunidade cristã de Jerusalém era,
de fato, esta comunidade ideal? Possivelmente, não (outros textos dos Atos
falam-nos de tensões e problemas – como acontece com qualquer comunidade
humana); mas a descrição que Lucas aqui faz aponta para a meta a que toda a
comunidade cristã deve aspirar, confiada na força do Espírito. Trata-se,
portanto, de uma descrição da comunidade ideal, que pretende servir de modelo à
Igreja e às Igrejas de todas as épocas.
ATUALIZAÇÃO
• A comunidade cristã é uma “multidão”
que abraçou a mesma fé – quer dizer, que aderiu a Jesus, aos seus valores, à
sua proposta de vida. A Igreja não é um grupo unido por uma ideologia, ou por
uma mesma visão do mundo, ou pela simpatia pessoal dos seus membros; mas é uma
comunidade que agrupa pessoas de diferentes raças e culturas, unidas à volta de
Jesus e do seu projeto de vida e que de forma diversa procuram encarnar a
proposta de Jesus na realidade da sua vida quotidiana. Que lugar e que papel
Jesus e as suas propostas ocupam na minha vida pessoal e na vida da minha
comunidade cristã? Jesus é uma referência distante e pouco real, ou é uma
presença constante, que me interroga, que me questiona e que me aponta
caminhos?
• A comunidade cristã é uma família
unida, onde os irmãos têm “um só coração e uma só alma”. Tal fato resulta da
adesão a Jesus: seria um absurdo aderir a Jesus e ao seu projeto e, depois,
conduzir a vida de acordo com mecanismos de divisão, de afastamento, de
egoísmo, de orgulho, de autossuficiência… A minha comunidade cristã é uma
comunidade de irmãos que vivem no amor, ou é um grupo de pessoas isoladas, em
que cada um procura defender os seus interesses, mesmo que para isso tenha de
magoar e de espezinhar os outros? No que me diz respeito, esforço-me por amar
todos, por respeitar a liberdade e a dignidade de todos, por potenciar os
contributos e as qualidades de todos?
• A comunidade cristã é uma comunidade
de partilha. No centro dessa comunidade está o Cristo do amor, da partilha, do
serviço, do dom da vida… O cristão não pode, portanto, viver fechado no seu
egoísmo, indiferente à sorte dos outros irmãos. Em concreto, o nosso texto fala
na partilha dos bens… Uma comunidade onde alguns esbanjam os bens e onde outros
não têm o suficiente para viver dignamente, será uma comunidade que testemunha,
diante dos homens, esse mundo novo de amor que Jesus veio propor? Será cristão
aquele que, embora indo à igreja, só pensa em acumular bens materiais,
recusando-se a escutar os dramas e sofrimentos dos irmãos mais pobres? Será
cristão aquele que, embora contribuindo com dinheiro para as necessidades da
paróquia, explora os seus operários ou comete injustiças?
• A comunidade cristã é uma comunidade
que testemunha o Senhor ressuscitado. Como? Através do discurso apologético dos
discípulos? Através de palavras elegantes e de discursos bem elaborados,
capazes de seduzir e de manipular as massas? O testemunho mais impressionante e
mais convincente será sempre o testemunho de vida dos discípulos… Se
conseguirmos criar verdadeiras comunidades fraternas, que vivam no amor e na
partilha, que sejam sinais no mundo dessa vida nova que Jesus veio propor,
estaremos a anunciar que Jesus está vivo, que está a atuar em nós e que,
através de nós, Ele continua a apresentar ao mundo uma proposta de vida
verdadeira.
2ª leitura –
1Jo 5,1-6 – AMBIENTE
Não é fácil a identificação do autor da
Primeira Carta de João. Ele apresenta-se a si próprio como “o Ancião” (cf. 2 Jo
1; 3 Jo 1) e como testemunha da “Vida” manifestada em Jesus (cf. 1 Jo 1,1-3;
4,14); mas não refere o seu nome. A opinião tradicional atribui a Primeira
Carta de João (como também a segunda e a terceira Cartas de João) ao apóstolo
João; no entanto, essa atribuição é problemática. Em qualquer caso, o autor da
carta é alguém que se move no mundo joânico e que conhece bem a teologia
joânica. Pode ser esse “João, o Presbítero” conhecido da tradição primitiva e
que, aparentemente, era uma personagem distinta do “João, o apóstolo” de Jesus.
Também não há, na Carta, qualquer
referência a um destinatário, a pessoas ou a comunidades concretas. A missiva
parece dirigir-se a um grupo de igrejas ameaçadas pelo mesmo problema
(heresias). Trata-se, provavelmente, de igrejas da Ásia Menor (à volta de
Éfeso), como diz a antiga tradição.
O autor não se refere, de forma direta,
às circunstâncias que motivaram a composição da carta. Do tom polêmico que
atravessa várias passagens, pode concluir-se que as comunidades às quais a
carta se dirige vivem uma crise grave. A difusão de doutrinas incompatíveis com
a revelação cristã ameaça comprometer a pureza da fé.
Quem são os autores dessas doutrinas
heréticas? O autor da Carta chama-lhes “anti-cristos” (1Jo 2,18.22; 4,3),
“profetas da mentira” (1Jo 4,1), “mentirosos” (1Jo 2,22). Diz que eles “são do
mundo” (1Jo 4,5) e deixam-se levar pelo espírito do erro (1Jo 4,6). Até há
pouco tempo pertenciam à comunidade cristã (1Jo 2,19); mas agora saíram e
procuram desencaminhar os crentes que permaneceram fiéis (cf. 1Jo 2,26; 3,7).
Em que consistia este “erro”? Os
heréticos em causa pretendiam “conhecer Deus” (1Jo 2,4), “ver Deus” (1 Jo 3,6),
viver em comunhão com Deus (1Jo 2,3) e, não obstante, apresentavam uma doutrina
e uma conduta em flagrante contradição com a revelação cristã. Recusavam-se a
ver em Jesus o Messias (cf. 1Jo 2,22) e o Filho de Deus (cf. 1Jo 4,15),
recusavam a encarnação (cf. 1Jo 4,2). Para estes hereges, o Cristo celeste
tinha-Se apropriado do homem Jesus de Nazaré na altura do batismo (cf. Jo
1,32-33), tinha-o utilizado para levar a cabo a revelação e tinha-o abandonado
antes da paixão, porque o Cristo celeste não podia padecer. O comportamento
moral destes hereges não era menos repreensível: pretendiam não ter pecados
(cf. 1Jo 1,8.10) e não guardavam os mandamentos (cf. 1Jo 2,4), em particular o
mandamento do amor fraterno (cf. 1Jo 2,9). Tudo indica que estejamos diante de
um desses movimentos pré-gnósticos que irá desembocar, mais tarde, nos grandes
movimentos gnósticos do séc. II.
O objetivo do autor da Carta é,
portanto, advertir os cristãos contra as pretensões destes pregadores heréticos
e explicar-lhes os critérios da vida cristã autêntica. Na confusão causada pelas
doutrinas heréticas, o autor da Carta quer oferecer aos crentes uma certeza:
são eles e não esses profetas da mentira que vivem em comunhão com Deus e que
possuem a vida divina.
MENSAGEM
Quais são, então, os critérios da vida
cristã autêntica, que distinguem os verdadeiros crentes dos profetas da
mentira?
Antes de mais, os verdadeiros crentes
são aqueles que amam a Deus e que amam, também, Jesus Cristo, o Filho que
nasceu de Deus (v. 1). Jesus de Nazaré é, ao contrário do que diziam os
hereges, Filho de Deus desde a encarnação e durante toda a sua existência
terrena. A sua paixão e morte também fazem parte do projeto salvador de Deus
(Jesus veio apresentar aos homens um projeto de salvação, “não só pela água,
mas com a água e o sangue” – v. 6).
No entanto, amar a Deus significa
cumprir os seus mandamentos. Quando amamos alguém, procuramos realizar obras
que agradem àquele a quem amamos… Não se pode dizer que se ama a Deus se não se
cumprem os seus mandamentos… E o mandamento de Deus é que amemos os nossos
irmãos. Todo aquele que se considera filho de Deus e que pertence à família de
Deus deve amar os irmãos que são membros da mesma família. Quem não ama os
irmãos, não pode pretender amar a Deus e fazer parte da família de Deus (vs.
2-3).
Quando o crente ama a Deus, acredita
que Jesus é o Filho de Deus e vive de acordo com os mandamentos de Deus
(sobretudo com o mandamento do amor aos irmãos), vence o mundo. Amar Deus, amar
Jesus e amar os irmãos significa construir a própria vida numa dinâmica de
amor; e significa, portanto, derrotar o egoísmo, o ódio, a injustiça que
caracterizam a dinâmica do mundo (vs. 4-5).
Esta vida nova que permite aos crentes
vencer o mundo é oferecida aos homens através de Jesus Cristo. A vida nova que
Jesus veio oferecer chega aos homens pela “água” (batismo – isto é, pela adesão
a Cristo e à sua proposta) e pelo “sangue” (alusão à vida de Jesus, feita dom
na cruz por amor). O Espírito Santo atesta a validade e a verdade dessa
proposta trazida por Jesus Cristo, por mandato de Deus Pai (v. 6).
Quando o homem responde positivamente
ao desafio que Deus lhe faz (batismo), oferece a sua vida como um dom de amor
para os irmãos (a exemplo de Cristo) e cumpre os mandamentos de Deus, vence o
mundo, torna-se filho de Deus e membro da família de Deus.
ATUALIZAÇÃO
• Na perspectiva do autor da primeira
Carta de João, o projeto de salvação que Deus apresentou ao homem passa por
Jesus – o Jesus que encarnou na nossa história, que nos revelou os caminhos do
Pai, que com a sua morte mostrou aos homens o amor do Pai e que nos ensinou a
amar até ao extremo do dom total da vida. Também na paixão e morte de Jesus se
nos revela o caminho para nos tornarmos “filhos de Deus”: o processo passa por
seguir o caminho de Jesus e por fazer da nossa vida um dom total de amor a Deus
e aos nossos irmãos. Que é que Jesus significa para nós? Ele foi apenas um
“homem bom” que a morte derrubou? Ou Ele é o Filho de Deus que veio ao nosso
encontro para nos propor o caminho do amor total, a fim de chegarmos à vida
definitiva? O caminho do amor, do dom, do serviço, da entrega que Cristo nos
propôs é uma proposta que assumimos e procuramos viver?
• Amar a Deus e aderir a Jesus implica,
na perspectiva do autor da Primeira Carta de João, o amor aos irmãos. Quem não
ama os irmãos, não cumpre os mandamentos de Deus e não segue Jesus. É preciso
que a nossa existência – a exemplo de Jesus – seja cumprida no amor a todos os
que caminham pela vida ao nosso lado, especialmente aos mais pobres, aos mais
humildes, aos marginalizados, aos abandonados, aos sem voz. O amor total e sem
fronteiras, o amor que nos leva a oferecer integralmente a nossa vida aos
irmãos, o amor que se revela nos gestos simples de serviço, de perdão, de
solidariedade, de doação, está no nosso programa de vida?
• O autor da Primeira Carta de João
ensina, ainda, que o amor a Deus e a adesão a Cristo “vencem o mundo”. Os
cristãos não se conformam com a lógica de egoísmo, de ódio, de injustiça, de
violência que governa o mundo; a esta lógica, eles contrapõem a lógica do amor,
a lógica de Jesus. O amor é um dinamismo que vence tudo aquilo que oprime o
homem e que o impede de chegar à vida verdadeira e definitiva, à felicidade
total. Ainda que o amor pareça, por vezes, significar fragilidade, debilidade,
fracasso, frente à violência dos poderosos e dos senhores do mundo, a verdade é
que o amor terá sempre a última e definitiva palavra. Só ele assegura a vida
verdadeira e eterna, só ele é caminho para o mundo novo e melhor com que os
homens sonham.
Evangelho –
Jo 20,19-31 - AMBIENTE
19Ao anoitecer
daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos
judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus
entrou e, pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”.
20Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor.
21Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”.
22E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. 23A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos”.
24Tomé, chamado Dídimo, que era um dos doze, não estava com eles quando Jesus veio. 25Os
outros discípulos contaram-lhe depois: “Vimos o Senhor!” Mas Tomé
disse-lhes: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não
puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não
acreditarei”.
26Oito dias
depois, encontravam-se os discípulos novamente reunidos em casa, e Tomé
estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no
meio deles e disse: “A paz esteja convosco”.
27Depois disse a
Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e
coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel”. 28Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!” 29Jesus lhe disse: “Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!”
30Jesus realizou muitos outros sinais diante dos discípulos, que não estão escritos neste livro. 31Mas
estes foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho
de Deus, e, para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.
Continuamos na segunda parte do Quarto
Evangelho, onde nos é apresentada a comunidade da Nova Aliança. A indicação de
que estamos no “primeiro dia da semana” faz, outra vez, referência ao tempo
novo, a esse tempo que se segue à morte/ressurreição de Jesus, ao tempo da nova
criação.
A comunidade criada a partir da ação
criadora e vivificadora de Jesus está reunida no cenáculo, em Jerusalém. Está
desamparada e insegura, cercada por um ambiente hostil. O medo vem do fato de
não terem, ainda, feito a experiência de Cristo ressuscitado.
João apresenta, aqui, uma catequese
sobre a presença de Jesus, vivo e ressuscitado, no meio dos discípulos em
caminhada pela história. Não lhe interessa tanto fazer uma descrição
jornalística das aparições de Jesus ressuscitado aos discípulos; interessa-lhe,
sobretudo, afirmar aos cristãos de todas as épocas que Cristo continua vivo e
presente, acompanhando a sua Igreja. De resto, cada crente pode fazer a
experiência do encontro com o “Senhor” ressuscitado, sempre que celebra a fé
com a sua comunidade.
MENSAGEM
O texto que nos é proposto divide-se em
duas partes bem distintas. Na primeira parte (vs. 19-23), descreve-se uma
“aparição” de Jesus aos discípulos. Depois de sugerir a situação de insegurança
e de fragilidade em que a comunidade estava (o “anoitecer”, as “portas
fechadas”, o “medo”), o autor deste texto apresenta Jesus “no centro” da
comunidade (v. 19b). Ao aparecer “no meio deles”, Jesus assume-Se como ponto de
referência, fator de unidade, videira à volta da qual se enxertam os ramos. A
comunidade está reunida à volta dele, pois Ele é o centro onde todos vão beber
essa vida que lhes permite vencer o “medo” e a hostilidade do mundo.
A esta comunidade fechada, com medo,
mergulhada nas trevas de um mundo hostil, Jesus transmite duplamente a paz (vs.
19 e 21: é o “shalom” hebraico, no sentido de harmonia, serenidade,
tranqüilidade, confiança, vida plena). Assegura-se, assim, aos discípulos que
Jesus venceu aquilo que os assustava (a morte, a opressão, a hostilidade do mundo);
e que, doravante, os discípulos não têm qualquer razão para ter medo.
Depois (v. 20a), Jesus revela a sua
“identidade”: nas mãos e no lado trespassado, estão os sinais do seu amor e da
sua entrega. É nesses sinais de amor e de doação que a comunidade reconhece
Jesus vivo e presente no seu meio. A permanência desses “sinais” indica a
permanência do amor de Jesus: Ele será sempre o Messias que ama e do qual
brotarão a água e o sangue que constituem e alimentam a comunidade.
Em seguida (v. 22), Jesus “soprou”
sobre os discípulos reunidos à sua volta. O verbo aqui utilizado é o mesmo do
texto grego de Gn. 2,7 (quando se diz que Deus soprou sobre o homem de argila,
infundindo-lhe a vida de Deus). Com o “sopro” de Gn. 2,7, o homem tornou-se um
ser vivente; com este “sopro”, Jesus transmite aos discípulos a vida nova que
fará deles homens novos. Agora, os discípulos possuem o Espírito, a vida de
Deus, para poderem – como Jesus – dar-se generosamente aos outros. É este
Espírito que constitui e anima a comunidade de Jesus.
Na segunda parte (vs. 24-29),
apresenta-se uma catequese sobre a fé. Como é que se chega à fé em Cristo
ressuscitado?
João responde: podemos fazer a
experiência da fé em Cristo vivo e ressuscitado na comunidade dos crentes, que
é o lugar natural onde se manifesta e irradia o amor de Jesus. Tomé representa
aqueles que vivem fechados em si próprios (está fora) e que não faz caso do
testemunho da comunidade, nem percebe os sinais de vida nova que nela se
manifestam. Em lugar de integrar-se e participar da mesma experiência, pretende
obter (apenas para si próprio) uma demonstração particular de Deus.
Tomé acaba, no entanto, por fazer a
experiência de Cristo vivo no interior da comunidade. Porquê? Porque no “dia do
Senhor” volta a estar com a sua comunidade. É uma alusão clara ao domingo, ao
dia em que a comunidade é convocada para celebrar a Eucaristia: é no encontro
com o amor fraterno, com o perdão dos irmãos, com a Palavra proclamada, com o
pão de Jesus partilhado, que se descobre Jesus ressuscitado.
A experiência de Tomé não é exclusiva
das primeiras testemunhas; mas todos os cristãos de todos os tempos podem fazer
esta mesma experiência.
ATUALIZAÇÃO
• Antes de mais, a catequese que João
nos apresenta garante-nos a presença de Cristo no meio da sua comunidade em
marcha pela história. Os discípulos de Jesus vivem no mundo, numa situação de
fragilidade e de debilidade; experimentam, como os outros homens e mulheres, o
sofrimento, o desalento, a frustração, o desânimo; têm medo quando o mundo
escolhe caminhos de guerra e de violência; sofrem quando são atingidos pela
injustiça, pela opressão, pelo ódio do mundo; conhecem a perseguição, a
incompreensão e a morte… Mas são sempre animados pela esperança, pois sabem que
Jesus está presente, oferecendo-lhes a sua paz e apontando-lhes o horizonte da
vida definitiva. O cristão é sempre animado pela esperança que brota da
presença a seu lado de Cristo ressuscitado. Não devemos, nunca, esquecer esta
realidade.
• A presença de Cristo ao lado dos seus
discípulos é sempre uma presença renovadora e transformadora. É esse Espírito
que Jesus oferece continuamente aos seus, que faz deles homens e mulheres
novos, capazes de amar até ao fim, ao jeito de Jesus; é esse Espírito que Jesus
oferece aos seus, que faz deles testemunhas do amor de Deus e que lhes dá a
coragem e a generosidade para continuarem no mundo a obra de Jesus.
• A comunidade cristã gira em torno de
Jesus é construída à volta de Jesus e é de Jesus que recebe vida, amor e paz.
Sem Jesus, estaremos secos e estéreis, incapazes de encontrar a vida em
plenitude; sem Ele, seremos um rebanho de gente assustada, incapaz de enfrentar
o mundo e de ter uma atitude construtiva e transformadora; sem Ele, estaremos
divididos, em conflito, e não seremos uma comunidade de irmãos… Na nossa
comunidade, Cristo é verdadeiramente o centro? É para Ele que tudo tende e é
d’Ele que tudo parte?
• A comunidade tem de ser o lugar onde
fazemos, verdadeiramente, a experiência do encontro com Jesus ressuscitado. É
nos gestos de amor, de partilha, de serviço, de encontro, de fraternidade (no
“lado trespassado” e nas chagas de Jesus, expressões do seu amor), que
encontramos Jesus vivo, a transformar e a renovar o mundo. É isso que a nossa
comunidade testemunha? Quem procura Cristo ressuscitado, encontra-O em nós? O
amor de Jesus – amor total, universal e sem medida – transparece nos nossos
gestos?
• Não é em experiências pessoais,
íntimas, fechadas, egoístas, que encontramos Jesus ressuscitado; mas
encontramo-l’O no diálogo comunitário, na Palavra partilhada, no pão repartido,
no amor que une os irmãos em comunidade de vida. O que é que significa, para
mim, a Eucaristia?
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