domingo, 26 de abril de 2015

4º DOMINGO DA PÁSCOA - O BOM PASTOR.

 
O 4º domingo da Páscoa é considerado o “domingo do Bom Pastor”, pois todos os anos a liturgia propõe, neste domingo, um trecho do capítulo 10 do Evangelho segundo João, no qual Jesus é apresentado como “Bom Pastor”. É, portanto, este o tema central que a Palavra de Deus põe, hoje, à nossa reflexão.
O Evangelho apresenta Cristo como “o Pastor modelo”, que ama de forma gratuita e desinteressada as suas ovelhas, até ser capaz de dar a vida por elas. As ovelhas sabem que podem confiar n’Ele de forma incondicional, pois Ele não busca o próprio bem, mas o bem do seu rebanho. O que é decisivo para pertencer ao rebanho de Jesus é a disponibilidade para “escutar” as propostas que Ele faz e segui-l’O no caminho do amor e da entrega.
A primeira leitura afirma que Jesus é o único Salvador, já que “não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos” (neste “domingo do Bom Pastor” dizer que Jesus é o “único salvador” equivale a dizer que Ele é o único pastor que nos conduz em direção à vida verdadeira). Lucas avisa-nos para não nos deixarmos iludir por outras figuras, por outros caminhos, por outras sugestões que nos apresentam propostas falsas de salvação.
Na segunda leitura, o autor da primeira Carta de João convida-nos a contemplar o amor de Deus pelo homem. É porque nos ama com um “amor admirável” que Deus está apostado em levar-nos a superar a nossa condição de debilidade e de fragilidade. O objetivo de Deus é integrar-nos na sua família e tornar-nos “semelhantes” a Ele.
 
1ª leitura – At. 4,8-12 - AMBIENTE
O testemunho sobre Jesus e sobre a libertação que Ele veio oferecer aos homens, manifestado nos gestos (cura do paralítico, à entrada do Templo de Jerusalém – cf. At. 3,1-11) e nas palavras de Pedro (discurso à multidão, à entrada do Templo – cf. At. 3,12-26), provoca a imediata reação das autoridades judaicas e a consequente prisão de Pedro e de João. É a reação lógica dos que pretendem perpetuar os sistemas de escravidão e de opressão.
Assim, Pedro e João são presos e conduzidos diante do Sinédrio – a autoridade que superintendia à organização da vida religiosa, jurídica e econômica dos judeus. Presidido pelo sumo-sacerdote em funções, o Sinédrio era constituído por 70 membros, oriundos das principais famílias do país. Na época de Jesus, o Sinédrio era, ao que parece, dominado pelo grupo dos saduceus, os quais negavam a ressurreição. No Sinédrio havia, também, um grupo significativo de fariseus, os quais aceitavam a ressurreição… No entanto, os dois grupos vão pôr de lado as suas divergências particulares para fazerem causa comum contra os discípulos de Jesus. A pergunta posta aos apóstolos pelos membros do Sinédrio é: “com que poder ou em nome de quem fizestes isto?” (At. 4,7). O texto que a nossa primeira leitura nos apresenta é a resposta de Pedro à questão que lhe foi posta.
É mais do que provável que o episódio assente, em geral, em bases históricas… O testemunho sobre esse Messias crucificado pouco antes pelas autoridades constituídas devia aparecer como uma provocação e provocar uma natural reação dos líderes judaicos. No entanto, o episódio, tal como nos é apresentado, sofreu retoques de Lucas, empenhado em demonstrar que a reação negativa do “mundo” não pode nem deve calar o testemunho dos discípulos de Jesus.
 
MENSAGEM
O texto que nos é proposto é, sobretudo, uma catequese destinada aos crentes, mostrando-lhes como se deve concretizar o testemunho dos discípulos, encarregados por Jesus de levar a sua proposta libertadora a todos os homens.
Antes de mais, Lucas observa que Pedro está “cheio do Espírito Santo” (v. 8). Os cristãos não estão sozinhos e abandonados quando enfrentam o mundo para lhes anunciar a salvação. É o Espírito que conduz os discípulos na sua missão e que orienta o seu testemunho. Cumpre-se, assim, a promessa que Jesus havia feito aos discípulos: “quando vos levarem às sinagogas, aos magistrados e às autoridades, não vos preocupeis com o que haveis de dizer em vossa defesa, pois o Espírito Santo vos ensinará, no momento próprio, o que haveis de dizer” (Lc. 12,11-12).
“Cheio do Espírito Santo”, Pedro – aqui no papel de paradigma do discípulo que testemunha Jesus e o seu projeto diante do mundo – transforma-se de réu em acusador… Os dirigentes judaicos, barricados atrás dos seus preconceitos e interesses pessoais, catalogaram a proposta de Jesus como uma proposta contrária aos desígnios de Deus e assassinaram Jesus; mas a ressurreição demonstrou que Jesus veio de Deus e que o projeto que Ele apresentou tem o selo de garantia de Deus. Citando um salmo (cf. Sl. 118,2), Pedro compara a insensatez dos dirigentes judaicos à cegueira de um construtor que rejeita como imprestável uma pedra que vem depois a ser aproveitada por outro construtor como pedra principal num outro edifício (v. 11). Jesus é a pedra base desse projeto de vida nova e plena que Deus quer apresentar aos homens. A prova é esse paralítico, que adquiriu a mobilidade pela ação de Jesus (“é por Ele que este homem se encontra perfeitamente curado na vossa presença” – v. 10).
Na realidade, Jesus é a fonte única de onde brota a salvação – não só a libertação dos males físicos, mas a salvação entendida como totalidade, como vida definitiva, como realização plena do homem. Jesus (o nome hebraico “Jesus” significa “Jahwéh salva”) é o único canal através do qual a salvação de Deus atinge os homens (v. 12). Com esta afirmação solene e radical, Lucas convida os cristãos a serem testemunhas da salvação, propondo aos homens Jesus Cristo e levando os homens a aderirem, de forma total e incondicional, ao projeto de vida que Cristo veio oferecer.
Uma nota, ainda, para registrar a forma corajosa e desassombrada como Pedro dá testemunho de Jesus, mesmo num ambiente hostil e adverso. Lucas sugere que é desta forma que os discípulos hão-de anunciar Jesus e o seu projeto de salvação. Nada nem ninguém deverá parar e calar os discípulos, chamados a colaborar com Jesus no anúncio da salvação.
Em resumo: os discípulos receberam a missão de apresentar, ao mundo e aos homens, Jesus Cristo, o único Salvador. É o Espírito que os anima nessa missão e que lhes dá a coragem para enfrentar a oposição dessas forças da opressão que recusam a proposta libertadora de Jesus.
 
ATUALIZAÇÃO
• A catequese que Lucas nos propõe neste trecho do livro dos Atos dos Apóstolos, apresenta Jesus como o único Salvador, já que “não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos”. Lucas avisa-nos, desta forma, para não nos deixarmos iludir por outras figuras, por outros caminhos, por outras sugestões que nos apresentam propostas falsas de salvação. Por vezes, o caminho de salvação que Jesus nos propõe, está em flagrante contradição com os caminhos de “salvação” que nos são propostos pelos líderes políticos, pelos líderes ideológicos, pelos líderes da moda e da opinião pública; e nós temos que fazer escolhas coerentes com a nossa fé e com o nosso compromisso cristão. Na hora de optarmos, não esqueçamos que a proposta de Jesus tem o selo de garantia de Deus; não esqueçamos que o caminho proposto por Jesus (e que, tantas vezes, à luz da lógica humana, parece um caminho de fracasso e de derrota) é o caminho que nos conduz ao encontro da vida plena e definitiva, ao encontro do Homem Novo.
• Depois de dois mil anos de cristianismo, parece que nem sempre se nota a presença efetiva de Cristo nesses caminhos em que se constrói a história do mundo e dos homens. O verniz cristão de que revestimos a nossa civilização ocidental não tem impedido a corrida aos armamentos, os genocídios, os atos bárbaros de terrorismo, as guerras religiosas, o capitalismo selvagem… Os critérios que presidem à construção do mundo estão, demasiadas vezes, longe dos valores do Evangelho. Porque é que isto acontece? Podemos dizer que Cristo é, para os cristãos, a referência fundamental? Nós cristãos fizemos d’Ele, efetivamente, a “pedra angular” sobre a qual construímos a nossa vida e a história do nosso tempo?
• Através do exemplo de Pedro, Lucas sugere que o testemunho dos discípulos deve ser desassombrado, mesmo em condições hostis e adversas. A preocupação dos discípulos não deve ser apresentar um testemunho politicamente correto, que não incomode os poderes instituídos e não traga perseguições à comunidade do Reino; mas deve ser um discurso corajoso e coerente, que tem como preocupação fundamental apresentar com fidelidade a proposta de salvação que Jesus veio fazer.
• Os discípulos de Jesus não estão sozinhos, entregues a si próprios, nessa luta contra as forças que oprimem e escravizam os homens. O Espírito de Jesus ressuscitado está com eles, ajudando-os, animando-os, protegendo-os em cada instante desse caminho que Deus lhes mandou percorrer. Nos momentos de crise, de desânimo, de frustração, os discípulos devem tomar consciência da presença amorosa de Deus a seu lado e retomar a esperança.
• Os líderes judaicos são, mais uma vez, apresentados como modelos de cegueira e de fechamento face aos desafios de Deus. São “maus pastores”, preocupados com os seus interesses pessoais e corporativos, que impedem que o seu Povo adira às propostas de salvação que Deus faz. O seu exemplo mostra-nos como a auto-suficiência, os preconceitos, o comodismo, levam o homem a fechar-se aos desafios de Deus e a recusar os dons de Deus. Eles são, portanto, modelos a não seguir.
 
2ª leitura – 1 Jo 3,1-2 - AMBIENTE
A primeira Carta de João é, como já dissemos nos domingos anteriores, um escrito polêmico, dirigido a comunidades cristãs nascidas no mundo joânico (trata-se, certamente, de comunidades cristãs de várias cidades situadas à volta de Éfeso, na parte ocidental da Ásia Menor). Estamos numa época em que as heresias começavam a perturbar a vida dessas comunidades, lançando a confusão entre os crentes e ameaçando subverter a identidade cristã. As principais questões postas pelos hereges eram de ordem cristológica e ética. Em termos de doutrina cristológica, negavam que o Filho de Deus tivesse encarnado através de Maria e que tivesse morrido na cruz; na sua perspectiva, o Cristo celeste apenas veio sobre o homem Jesus na altura do batismo, abandonando-o outra vez antes da paixão… Portanto, a humanidade de Jesus é um fato irrelevante; o que interessa é a mensagem do Cristo celeste, que Se serviu do homem Jesus para aparecer na terra. Do ponto de vista ético e moral, estes hereges não cumprem os mandamentos e desprezam especialmente o mandamento do amor ao irmão. Neste contexto, o autor da carta vai apresentar aos crentes as grandes coordenadas da vida cristã autêntica.
O texto que nos é proposto integra a segunda parte da carta (cf. 1 Jo 2,28-4,6). Aí, o autor lembra aos crentes que são filhos de Deus e exorta-os a viver no dia a dia de forma coerente com essa filiação. O contexto é sempre o da polêmica contra os “filhos do mal” que não fazem as obras de Deus, porque não vivem de acordo com os mandamentos.
MENSAGEM
Em jeito de introdução à segunda parte da carta, o autor recorda aos cristãos que Deus os constituiu seus “filhos”. O fundamento para essa filiação reside no grande amor de Deus pelos homens (v. 1a). O título de “filhos de Deus” que os crentes ostentam não é um título pomposo, mas externo e sem conteúdo; é um título apropriado, que define a situação daqueles que são amados por Deus com um amor “admirável” e que receberam de Deus a vida nova. Evidentemente, a condição de “filhos” implica estar em comunhão com Deus e viver de forma coerente com as suas propostas. Os “filhos de Deus” realizam as obras de Deus (um pouco mais à frente, num desenvolvimento que não aparece na leitura que a liturgia de hoje propõe, o autor da carta contrapõe aos “filhos de Deus” os “filhos do diabo” – que são aqueles que rejeitam a vida nova de Deus, não praticam “a justiça, nem amam o seu irmão” – cf. 1Jo 3,7-10).
A condição de “filhos de Deus”, que fazem as obras de Deus, coloca os crentes numa posição singular diante do “mundo”. Por isso, o “mundo” irá ignorar ou mesmo perseguir os “filhos de Deus”, recusando a proposta de vida que eles testemunham. Não é nada de novo nem de surpreendente: o “mundo” também recusou Cristo e a sua proposta de salvação (v. 1b).
Apesar de serem já, desde o dia do batismo (o dia em que aceitaram essa vida nova que Deus oferece aos homens), “filhos de Deus”, os crentes continuam a caminho da sua realização definitiva, do dia em que a fragilidade e a finitude humanas serão definitivamente superadas. Então, manifestar-se-á nos crentes a vida plena e definitiva, o Homem Novo plenamente realizado. Nesse dia, os crentes estarão em total comunhão com Deus e serão, então, “semelhantes a Ele” (v. 2). A filiação divina é uma realidade que atinge o crente ao longo da sua peregrinação por esta terra e que implica uma vida de coerência com as obras e as propostas de Deus; mas só no céu, após a libertação da condição de debilidade que faz parte da fragilidade humana, o crente conhecerá a sua realização plena.
 
ATUALIZAÇÃO
• Antes de mais, o nosso texto recorda-nos que Deus nos ama com um amor “admirável” – amor que se traduz no dom dessa vida nova que faz de nós “filhos de Deus”. Neste domingo do Bom Pastor, o autor da primeira carta de João convida-nos a contemplar a bondade, a ternura, a misericórdia, o amor de um Deus apostado em levar o homem a superar a sua condição de debilidade, a fim de chegar à vida nova e eterna, à plenitudização das suas capacidades, até se tornar “semelhante” ao próprio Deus. Todos os homens e mulheres caminham pela vida à procura da felicidade e da vida verdadeira… O autor desta carta garante-nos: para alcançar a meta da vida definitiva, é preciso escutar o chamamento de Deus, acolher o seu dom, viver de acordo com essa vida nova que Deus nos oferece. É aí – e não noutras propostas efémeras, parciais, superficiais – que está o segredo da realização plena do homem.
• Como é que os “filhos de Deus” devem responder a este desafio que Deus lhes faz? No texto que nos é hoje proposto, este problema não é desenvolvido; contudo, a questão é abordada e refletida noutras passagens da Primeira Carta de João. Para o autor da carta, o “filho de Deus” é aquele que responde ao amor de Deus vivendo de forma coerente com as propostas de Deus (cf. 1Jo 5,1-3) – isto é, no respeito pelos mandamentos de Deus. De forma especial, recomenda-se aos crentes que vivam no amor aos irmãos, a exemplo de Jesus Cristo.
• O autor da carta avisa também os cristãos para o inevitável choque com a incompreensão do “mundo”… Viver como “filho de Deus” implica fazer opções que, muitas vezes, estão em contradição com os valores que o mundo considera prioritários; por isso, os discípulos são objeto do desprezo, da irrisão, dos ataques daqueles que não estão dispostos a conduzir a sua vida de acordo com os valores de Deus. Jesus Cristo conheceu e enfrentou a mesma realidade; mas a sua história mostra que viver como “filho de Deus” não é um caminho de fracasso, mas um caminho de vida plena e eterna. Os cristãos não devem, por isso, ter medo de percorrer o mesmo caminho.
 
Evangelho – Jo 10,11-18 – AMBIENTE
 
Naquele tempo, disse Jesus: 11“Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas. 12O mercenário, que não é pastor e não é dono das ovelhas, vê o lobo chegar, abandona as ovelhas e foge, e o lobo as ataca e dispersa. 13Pois ele é apenas um mercenário que não se importa com as ovelhas.
14Eu sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem, 15assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou minha vida pelas ovelhas.
16Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil: também a elas devo conduzir; elas escutarão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor.
17É por isso que meu Pai me ama, porque dou a minha vida, para depois recebê-la novamente. 18Ninguém tira a minha vida, eu a dou por mim mesmo; tenho poder de entregá-la e tenho poder de recebê-la novamente; essa é a ordem que recebi de meu Pai”. 

O capítulo 10 do 4º Evangelho é dedicado à catequese do “Bom Pastor”. O autor utiliza esta imagem para propor uma catequese sobre a missão de Jesus: a obra do “Messias” consiste em conduzir o homem às pastagens verdejantes e às fontes cristalinas de onde brota a vida em plenitude.
A imagem do “Bom Pastor” não foi inventada pelo autor do 4º Evangelho. Literariamente falando, este discurso simbólico está construído com materiais provenientes do Antigo Testamento. Em especial, este discurso tem presente Ez. 34 (onde se encontra a chave para compreender a metáfora do “pastor” e do “rebanho”). Falando aos exilados da Babilônia, Ezequiel constata que os líderes de Israel foram, ao longo da história, maus “pastores”, que conduziram o Povo por caminhos de morte e de desgraça; mas – diz Ezequiel – o próprio Deus vai agora assumir a condução do seu Povo; Ele porá à frente do seu Povo um “Bom Pastor” (o “Messias”), que o livrará da escravidão e o conduzirá à vida. A catequese que o 4º Evangelho nos oferece sobre o “Bom Pastor” sugere que a promessa de Deus – veiculada por Ezequiel – se cumpre em Jesus.
O contexto em que João coloca o “discurso do Bom Pastor” (cf. Jo 10) é um contexto de polêmica entre Jesus e alguns líderes judaicos, principalmente fariseus (cf. Jo 9,40; 10,19-21.24.31-39). Depois de ver a pressão que os líderes judaicos colocaram sobre o cego de nascença para que ele não abraçasse a luz (cf. Jo 9,1-41), Jesus denuncia a forma como esses líderes tratam o Povo: eles estão apenas interessados em proteger os seus interesses pessoais e usam o Povo em benefício próprios; são, pois, “ladrões e salteadores” (Jo 10,1.8.10), que se apossam de algo que não lhes pertence e roubam ao seu Povo qualquer possibilidade de vida e de libertação.
 
MENSAGEM
O nosso texto começa com uma afirmação lapidar, posta na boca de Jesus: “Eu sou o Bom Pastor”. O adjetivo “bom” deve, neste contexto, entender-se no sentido de “modelo”, de “ideal”: “Eu sou o modelo de pastor, o pastor ideal”. E Jesus explica, logo de seguida, que o “pastor modelo” é aquele que é capaz de se entregar a si mesmo para dar a vida às suas ovelhas (v. 11).
Depois da afirmação geral, Jesus põe em paralelo duas figuras de pastor: o “pastor mercenário” e o “verdadeiro pastor” (vs. 12-13).
Aquilo que distingue o “verdadeiro pastor” do “pastor mercenário” é a diferente atitude diante do “lobo”. O “lobo” representa, nesta “parábola”, tudo aquilo que põe em perigo a vida das ovelhas: os interesses dos poderosos, a opressão, a injustiça, a violência, o ódio do mundo.
O “pastor mercenário” é o pastor contratado por dinheiro. O rebanho não é dele e ele não ama as ovelhas que lhe foram confiadas. Limita-se a cumprir o seu contrato, fugindo de tudo aquilo que o pode pôr em perigo a ele próprio e aos seus interesses pessoais. Limita-se a cumprir determinadas obrigações, sem que o seu coração esteja com o rebanho. Ele tem uma função de enquadrar o rebanho e de o dirigir, mas a sua acção é sempre ditada por uma lógica de egoísmo e de interesse. Por isso, quando sente que há perigo, abandona o rebanho à sua sorte, a fim de salvaguardar os seus interesses egoístas e a sua posição.
O verdadeiro pastor é aquele que presta o seu serviço por amor e não por dinheiro. Ele não está apenas interessado em cumprir o contrato, mas em fazer com que as ovelhas tenham vida e se sintam felizes. A sua prioridade é o bem das ovelhas que lhe foram confiadas. Por isso, ele arrisca tudo em benefício do rebanho e está, até, disposto a dar a própria vida por essas ovelhas que ama. Nele as ovelhas podem confiar, pois sabem que ele não defende interesses pessoais mas os interesses do seu rebanho.
Ora, Jesus é o modelo do verdadeiro pastor (vs. 14-15). Ele conhece cada uma das suas ovelhas, tem com cada uma relação pessoal e única, ama cada uma, conhece os seus sofrimentos, dramas, sonhos e esperanças. Esta relação que Jesus, o verdadeiro pastor, tem com as suas ovelhas é tão especial, que Ele até a compara à relação de amor e de intimidade que tem com o próprio Deus, seu Pai. É este amor, pessoal e íntimo, que leva Jesus a pôr a própria vida ao serviço das suas ovelhas, e até a oferecer a própria vida para que todas elas tenham vida e vida em abundância. Quando as ovelhas estão em perigo, Ele não as abandona, mas é capaz de dar a vida por elas. Nenhum risco, dificuldade ou sofrimento O faz desanimar. A sua atitude de defesa intransigente do rebanho é ditada por um amor sem limites, que vai até ao dom da vida.
Depois de definir desta forma a sua missão e a sua atitude para com o rebanho, Jesus explica quem são as suas ovelhas e quem pode fazer parte do seu rebanho. Ao dizer “tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil e preciso de as reunir” (v. 16a), Jesus deixa claro que a sua missão não se encerra nas fronteiras limitadas do Povo judeu, mas é uma missão universal, que se destina a dar vida a todos os povos da terra. A comunidade de Jesus não está encerrada numa determinada instituição nacional ou cultural. O que é decisivo, para integrar a comunidade de Jesus, é acolher a sua proposta, aderir ao projeto que Ele apresenta, segui-l’O. Nascerá, então, uma comunidade única, cuja referência é Jesus e que caminhará com Jesus ao encontro da vida eterna e verdadeira (“elas ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor” – v. 16b).
Finalmente, Jesus explica que a sua missão se insere no projeto do Pai para dar vida aos homens (vs. 17-18). Jesus assume esse projeto do Pai e dedica toda a sua vida terrena a cumprir essa missão que o Pai lhe confiou. O que O move não é o seu interesse pessoal, mas o cumprimento da vontade do Pai. Ao cumprir o projeto de amor do Pai em favor dos homens, Ele está a realizar a sua condição de Filho.
Ao dar a sua vida, Jesus está consciente de que não perde nada. Quem gasta a vida ao serviço do projeto de Deus, não perde a vida, mas está a construir para si e para o mundo a vida eterna e verdadeira. O seu dom não termina em fracasso, mas em glorificação. Para quem ama, não há morte, pois o amor gera vida verdadeira e definitiva.
A entrega de Jesus não é um acidente ou uma inevitável fatalidade, mas um gesto livre de alguém que ama o Pai e ama os homens e escolhe o amor até às últimas conseqüências. O dom de Jesus é um dom livre, gratuito e generoso. Na decisão de Jesus em oferecer livremente a vida por amor, manifesta-se o seu amor pelo Pai e pelos homens.
ATUALIZAÇÃO
• Todos nós temos as nossas figuras de referência, os nossos heróis, os nossos mestres, os nossos modelos. É a uma figura desse tipo que, utilizando a imagem do Evangelho do 4º Domingo da Páscoa, poderíamos chamar o nosso “pastor”… É Ele que nos aponta caminhos, que nos dá segurança, que está ao nosso lado nos momentos de fragilidade, que condiciona as nossas opções, que é para nós uma espécie de modelo de vida. O Evangelho deste domingo diz-nos que, para o cristão, o “Pastor” por excelência é Cristo. É n’Ele que devemos confiar, é à volta d’Ele que nos devemos juntar, são as suas indicações e propostas que devemos seguir. O nosso “Pastor” é, de fato, Cristo, ou temos outros “pastores” que nos arrastam e que são as referências fundamentais à volta das quais construímos a nossa existência? O que é que nos conduz e condiciona as nossas opções: Jesus Cristo? As diretrizes do chefe do departamento? A conta bancária? A voz da opinião pública? A perspectiva do presidente do partido? O comodismo e a instalação? O êxito e o triunfo profissional a qualquer custo? O herói mais giro da telenovela? O programa de maior audiência da estação televisiva de maior audiência?
• Reparemos na forma como Cristo desempenha a sua missão de “Pastor”: Ele não atua por interesse (como acontece com outros pastores, que apenas procuram explorar o rebanho e usá-lo em benefício próprio), mas por amor; Ele não foge quando as ovelhas estão em perigo, mas defende-as, preocupa-Se com elas e até é capaz de dar a vida por elas; Ele mantém com cada uma das ovelhas uma relação única, especial, pessoal, conhece os seus sofrimentos, dramas, sonhos e esperanças. As “qualidades” de Cristo, o Bom Pastor, aqui enumeradas, devem fazer-nos perceber que podemos confiar integral e incondicionalmente n’Ele e entregar, sem receio, a nossa vida nas suas mãos. Por outro lado, este “jeito” de atuar de Cristo deve ser uma referência para aqueles que têm responsabilidades na condução e animação do Povo de Deus: aqueles que receberam de Deus a missão de presidir a um grupo, de animar uma comunidade, exercem a sua missão no dom total, no amor incondicional, no serviço desinteressado, a exemplo de Cristo?
• No “rebanho” de Jesus, não se entra por convite especial, nem há um número restrito de vagas a partir do qual mais ninguém pode entrar… A proposta de salvação que Jesus faz destina-se a todos os homens e mulheres, sem exceção. O que é decisivo para entrar a fazer parte do rebanho de Deus é “escutar a voz” de Cristo, aceitar as suas indicações, tornar-se seu discípulo… Isso significa, concretamente, seguir Jesus, aderir ao projeto de salvação que Ele veio apresentar, percorrer o mesmo caminho que Ele percorreu, na entrega total aos projetos de Deus e na doação total aos irmãos. Atrevemo-nos a seguir o nosso “Pastor” (Cristo) no caminho exigente do dom da vida, ou estamos convencidos que esse caminho é apenas um caminho de derrota e de fracasso, que não leva aonde nós pretendemos ir?
• O nosso texto acentua a identificação total de Jesus com a vontade do Pai e a sua disponibilidade para colocar toda a sua vida ao serviço do projecto de Deus. Garante-nos também que é dessa entrega livre, consciente, assumida, que resulta vida eterna, verdadeira e definitiva. O exemplo de Cristo convida-nos a aderir, com a mesma liberdade mas também com a mesma disponibilidade, às propostas de Deus e ao cumprimento do projeto de Deus para nós e para o mundo. Esse caminho é, garantidamente, um caminho de vida eterna e de realização plena do homem.
• Nas nossas comunidades cristãs, temos pessoas que presidem e que animam. Podemos aceitar, sem problemas, que elas receberam essa missão de Cristo e da Igreja, apesar dos seus limites e imperfeições; mas convém igualmente ter presente que o nosso único “Pastor”, aquele que somos convidados a escutar e a seguir sem condições, é Cristo. Os outros “pastores” têm uma missão válida, se a receberam de Cristo; e a sua atuação nunca pode ser diferente do jeito de atuar de Cristo.
• Para que distingamos a “voz” de Jesus de outros apelos, de propostas enganadoras, de “cantos de sereia” que não conduzem à vida plena, é preciso um permanente diálogo íntimo com “o Pastor”, um confronto permanente com a sua Palavra e a participação ativa nos sacramentos onde se nos comunica essa vida que “o Pastor” nos oferece.
 
 
 
 
 
 
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho

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