Pedi ao amigo Alexandre Zabot, Mestre e
doutorando em Física pela Universidade Federal de Santa Catarina, que
escrevesse um breve artigo sobre a Física Quântica, tendo em vista que
algumas pessoas a têm usado para tentar justificar doutrinas
espirituais, o que não tem cabimento. Segue o artigo do Alexandre, pelo
que lhe agradeço muito.
“A mecânica quântica, desde seu
surgimento, sempre foi objeto de debates acalorados de físicos e
filósofos. Arquitetada sobre conceitos nada comuns para explicar
fenômenos físicos tampouco usuais, tem sido aplicada hoje em dia a uma
diversidade enorme de assuntos, para espanto de muitos. Está na moda que
místicos elaborem suas doutrinas quânticas aplicando jargões de maneira
inescrupulosa. Sem o menor pudor, usam a reputação da teoria física
para “validar” suas mais vãs filosofias. O que poucas pessoas avaliam é:
até que ponto é válido transportar conceitos de uma área para outra?
A teoria quântica nasceu em 1900, de
maneira totalmente imprevista, para explicar um problema de importância
subestimada na física. A maneira como os corpos aquecidos irradiam luz.
Como a sua lâmpada de filamento em casa, ou o Sol, por exemplo. Seu
criador foi um físico alemão, Max Planck. Ele mesmo a considerou
“moderninha” demais para seu paladar de físico do século XIX. Quem deu o
primeiro reconhecimento à teoria foi outro físico alemão, mais
conhecido, Albert Einstein. Ele aplicou-a para explicar o efeito
fotoelétrico e o calor específico dos sólidos. Somente alguns anos
depois é que a teoria ganhou corpo e prestígio. Seus aspectos incomuns
foram sendo reconhecidos aos poucos.
Destes, o mais conhecido é o princípio da
incerteza, que foi elaborado por outro físico alemão, Werner
Heisenberg. Segundo este princípio, na natureza é impossível medir com
precisão infinita, simultaneamente, alguns pares de grandezas físicas.
Como a velocidade e a posição de uma partícula, por exemplo. Por isso o
nome, princípio da incerteza. Sempre há uma indeterminação intrínseca
nas medidas. Isso se deve, segundo Heisenberg, ao fato de que o ato de
medir inexoravelmente interfere no objeto medido. O interessante, é que
esta indeterminação não se resume à experiência. É preciso, acreditam os
físicos, levá-la em conta também na hora de construir a teoria, de
elaborar as equações. É curioso que Einstein, apesar de ter sido um dos
primeiros a usar a física quântica, tenha se oposto veementemente, sem
sucesso, a esta conclusão. A grande revolução da mecânica quântica foi,
portanto, acabar com o determinismo da mecânica clássica.
Mas o objetivo aqui não é discutir
física. A ideia é deixar claro algo que, apesar de óbvio, é sempre
esquecido. O domínio e a aplicabilidade da mecânica quântica é o mundo
da física! Não é lícito tirar um conceito de uma área e aplicar
diretamente a outra. É possível fazer uma analogia, usar comparações,
claro. Porém, não se pode usar as mesmas construções teóricas da física
para fazer “teologia”. Você não pode querer usar a mecânica quântica
para explicar Deus, nem nossas almas, ou o mundo espiritual, por
exemplo. Ela não foi criada pra isso. Não é neste campo que ela
funciona. Ela funciona na física e, por isso mesmo, é lá que ela ganhou
respeito.
Entretanto, o pior não é usar construções
teóricas da mecânica quântica como se fossem teológicas. O pior é usar a
autoridade que ela conquistou no seu domínio, a física, para justificar
teorias absurdas. Argumentos do tipo, “já foi provado pela mecânica
quântica”, ou “segundo a mecânica quântica” são completamente
desprovidos de sentido quando usadas fora da física. O que foi provado
pela quântica, foi provado somente para a física. Além do mais, este
tipo de afirmação usa uma velha tática maldosa de persuasão, conhecida
como “argumentos de autoridade”. Se usa este tipo de construção quando,
na verdade, não se consegue provar o que deseja!
Vários livros e filmes recentes, além de
aplicarem a mecânica quântica fora de seu contexto, a distorcem
totalmente, inventando coisas que não existem na teoria. Os mais
conhecidos são o livro “O Segredo” e o filme “Quem somos nós”. Enganam o
público dizendo que o observador interfere no objeto com o pensamento e
que isso é explicado pela mecânica quântica. Um pensamento não é uma
interação física com o objeto medido, não é uma medição. Está, portanto,
fora do escopo do princípio da incerteza.
Entendo que seja uma conclusão natural
que seja válido fazer especulações filosóficas baseadas na mecânica
quântica. Tomando o devido cuidado, entretanto, de não aplicar seus
conceitos físicos diretamente, mas como analogias, inspirações.
Evidentemente que isto não justifica o uso indevido que se tem feito
ultimamente por muitas pessoas que distorcem totalmente o que a teoria
diz. Aplicam estas distorções diretamente a áreas radialmente diferentes
e, maldosamente, iludem os menos precavidos com argumentos de
autoridade que não tem valor algum, especialmente fora da física”.
Alexandre Zabot – alexandrezabot@gmail.com
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