Jesus ressuscitou verdadeiramente? Como é que podemos fazer uma
experiência de encontro com Jesus ressuscitado? Como é que podemos mostrar ao
mundo que Jesus está vivo e continua a oferecer aos homens a salvação? É, fundamentalmente,
a estas questões que a liturgia do 3° domingo da Páscoa procura responder.
O Evangelho assegura-nos que Jesus está vivo e continua a ser o centro à
volta do qual se constrói a comunidade dos discípulos. É precisamente nesse
contexto eclesial - no encontro comunitário, no diálogo com os irmãos que
partilham a mesma fé, na escuta comunitária da Palavra de Deus, no amor
partilhado em gestos de fraternidade e de serviço - que os discípulos podem
fazer a experiência do encontro com Jesus ressuscitado. Depois desse
"encontro", os discípulos são convidados a dar testemunho de Jesus
diante dos outros homens e mulheres.
A primeira leitura apresenta-nos, precisamente, o testemunho dos
discípulos sobre Jesus. Depois de terem mostrado, em gestos concretos, que
Jesus está vivo e continua a oferecer aos homens a salvação, Pedro e João
convidam os seus interlocutores a acolherem a proposta de vida que Jesus lhes
faz.
A segunda leitura lembra que o cristão, depois de encontrar Jesus e de
aceitar a vida que Ele oferece, tem de viver de forma coerente com o
compromisso que assumiu D Essa coerência deve manifestar-se no reconhecimento
da debilidade e da fragilidade que fazem parte da realidade humana e num
esforço de fidelidade aos mandamentos de Deus.
1ª leitura – At. 3,13-15.17-19 - AMBIENTE
A primeira leitura do 3° domingo da Páscoa situa-nos em Jerusalém, à
entrada do templo. Pedro e João (esta "dupla" aparece, frequentemente
associada na primeira parte do Livro dos Atos dos Apóstolos - cf. At.
4,7-8.13.19) tinham subido ao Templo para a oração da "hora nona"
(três da tarde). Um homem, coxo de nascença, que estava à entrada do Templo a
mendigar (junto da porta "chamada Formosa"), dirigiu-se aos dois
apóstolos e pediu-lhes esmola. Pedro avisou-o de que não tinha "ouro nem
prata" para lhe oferecer; mas, "em nome de Jesus Cristo
Nazareno", curou-o. "Cheia de assombro e estupefata", a multidão
reuniu-se "sob o chamado pórtico de Salomão" para ouvir da boca de
Pedro a explicação para o estranho fato (cf. At. 3,1-11). O
"assombro" e a "estupefação" traduzem o estado daqueles que
testemunham a ação de Deus manifestada através dos apóstolos; é a mesma reação
com que as multidões acolheram os gestos libertadores realizados por Jesus. A
ação dos apóstolos aparece, assim, na continuidade da ação de Jesus. O nosso
texto é parte do discurso que, segundo Lucas, Pedro teria feito à multidão (cf.
At. 3,12-26).
Nas figuras de Pedro e João, Lucas apresenta-nos o testemunho da
primitiva comunidade de Jerusalém, apostada em continuar a missão de Jesus e em
apresentar aos homens o projeto salvador de Deus. Lucas está convencido de que
esse testemunho se concretiza, não só através da pregação, mas também da ação
dos discípulos. As palavras e os gestos das "testemunhas" de Jesus
mostram como o mundo muda quando a salvação chega e como o homem escravo passa
a ser um homem livre. O "testemunho" dos discípulos irá provocar,
naturalmente, a oposição daqueles que, instalados nos velhos esquemas, recusam
os desafios de Deus. Por isso os discípulos de Jesus, arautos desse mundo novo,
irão conhecer a perseguição (cf. At. 4,1-22).
MENSAGEM
Pedro, dirigindo-se aos israelitas, dá-lhes a entender que o gesto
libertador que beneficiou o homem coxo foi realizado em nome de Jesus. Ele
mostra que o projeto de Jesus continua a realizar-se e demonstra que Jesus está
vivo. Enquanto percorreu os caminhos da Palestina, Jesus manifestou, em gestos
concretos, a presença da salvação de Deus entre os homens e essa salvação
continua a derramar-se sobre os homens doentes e privados de vida e de
liberdade, é porque Jesus continua presente, oferecendo aos homens a vida nova
e definitiva. Os discípulos são os agentes através dos quais Jesus continua a
sua obra libertadora e salvadora no mundo.
No seu "testemunho", Pedro começa por se referir aos
dramáticos acontecimentos que culminaram na morte de Jesus, explicando-os como
o resultado da rejeição da proposta salvadora de Deus por parte dos israelitas
e Deus ofereceu-lhes a vida e eles escolheram a morte; preferiram preservar a
vida de alguém que trouxe morte e condenar à morte alguém que oferecia a vida
("negastes o Santo e o Justo e pedistes a libertação de um assassino.
Destes a morte ao Príncipe da vida” – vs. 14-15a). Deus, no entanto,
ressuscitou Jesus, demonstrando como a proposta que Jesus veio apresentar é uma
proposta geradora de vida. A ressurreição de Jesus é a prova de que o projeto
de Deus - projeto apresentado por Jesus e que os israelitas rejeitaram - é uma
proposta geradora de vida e de vida que a morte não pode vencer (v. 15b).
Estará tudo terminado para Israel? O Povo não terá mais oportunidade de
corrigir a sua má escolha e de fazer uma nova opção, uma opção pela vida? A
oferta de Deus terá caducado, face à intransigência dos chefes de Israel em
acolher os dons de Deus?
Não. Pedro "sabe" (e se Pedro "sabe" é porque Deus
também o sabe) que o Povo agiu por ignorância. O comportamento do Povo, em
geral, e dos líderes judaicos, em particular, face a Jesus tem, pois,
atenuantes. Na legislação religiosa de Israel, as faltas
"involuntárias" tinham um tratamento especial e mereciam um
tratamento diferente das faltas "voluntárias" (cf. Lv. 4). Assim
Deus, na sua imensa bondade, continua a oferecer ao seu Povo a possibilidade de
corrigir as suas opções erradas e de escolher a vida, aderindo a Jesus e ao
projeto por Ele apresentado. A prova disso é que o homem coxo recebeu de Deus o
dom da vida.
O que é preciso fazer para que essa oferta de salvação que Deus continua
a fazer se torne efetiva? É necessário "arrepender-se" e
"converter-se". Estes dois verbos definem o movimento de reorientar a
vida para Deus, de forma a que Deus passe a estar no centro da vida do homem e
o homem passe a "dar ouvidos" às propostas de Deus e a viver de
acordo com os projetos de Deus. Ora, uma vez que Cristo é a manifestação de
Deus, "arrepender-se" e "converter-se" significa aderir à
pessoa de Cristo, crer n'Ele, acolher o projeto que Ele traz, entrar no Reino
que Ele anuncia e propõe. Os israelitas podem, portanto, "apanhar a
carruagem" da salvação, se deixarem a sua auto-suficiência, os seus
preconceitos, o seu comodismo (que os levaram a rejeitar as propostas de Deus)
e se aderirem a Jesus e à vida que Ele continua a propor (através do testemunho
dos discípulos).
ATUALIZAÇÃO
• Para os cristãos, Jesus não é uma figura do passado, que a morte
venceu e que ficou sepultado no museu da história; mas é alguém que continua
vivo, sempre presente nos caminhos do mundo, oferecendo aos homens uma proposta
de vida verdadeira, plena, eterna. Como é que os nossos irmãos que caminham ao
nosso lado podem descobrir que Jesus está vivo e fazer uma experiência de
encontro com Cristo ressuscitado? Através de documentos históricos que
demonstrem cientificamente a realidade da ressurreição? Para Lucas, o fator decisivo
para que os homens descubram que Cristo está vivo é o testemunho dos
discípulos. Jesus está vivo e apresenta-se aos homens do nosso tempo nos gestos
de amor, de partilha, de solidariedade, de perdão, de acolhimento que os
cristãos são capazes de fazer; Jesus está vivo e atua hoje no mundo, quando os
cristãos se comprometem na luta pela paz, pela justiça, pela liberdade, pelo
nascimento de um mundo mais humano, mais fraterno, mais solidário; Jesus está
vivo e continua a realizar aqui e agora o projeto de salvação de Deus, quando
os seus cristãos oferecem aos coxos a possibilidade de avançar em direção a um
futuro de esperança, oferecem aos que vivem nas trevas a capacidade de
encontrar a luz e a verdade, oferecem aos prisioneiros a possibilidade de ter
voz e de decidir livremente o seu futuro. Os meus gestos anunciam aos irmãos
com quem me cruzo nos caminhos deste mundo que Cristo está vivo?
• A existência humana é uma busca incessante de vida - de vida eterna,
plena, verdadeira. Essa busca, contudo, nem sempre se desenrola em caminhos
fáceis e lineares. Por vezes é cumprida num caminho onde o homem tropeça com
equívocos, com falhas, com opções erradas. Aquilo que parece ser garantia de
vida gera morte; e aquilo que parece ser fracasso e frustração é, afinal, o
verdadeiro caminho para a vida. Lucas garante-nos, neste texto, que a proposta
que Jesus veio apresentar é uma proposta geradora de vida, apesar de passar
pelo aparente fracasso da cruz. É de vida vivida na doação, na entrega, no amor
total a Deus e aos irmãos, a exemplo de Jesus, que brota a vida eterna e
verdadeira para nós e para aqueles que caminham ao nosso lado.
• O apelo ao arrependimento e à conversão que aparece no discurso de
Pedro lembra-nos essa necessidade contínua de reequacionarmos as nossas opções,
de deixarmos os caminhos de egoísmo, de orgulho, de comodismo, de
auto-suficiência em que, por vezes, se desenrola a nossa existência. É preciso
que, em cada instante da nossa vida, nos convertamos a Jesus e aos seus
valores, numa disponibilidade total para acolhermos os desafios de Deus e a sua
proposta de salvação.
2ª leitura - 1Jo 2,1-5ª - AMBIENTE
A liturgia do terceiro Domingo da Páscoa continua a propor à nossa
consideração a primeira Carta de João.
Já vimos no passado domingo que este escrito de tom polêmico - destinado
provavelmente às comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor - procura
combater doutrinas heréticas pré-gnósticas e apresentar aos cristãos o caminho
da autêntica vida cristã.
Os adeptos das heresias em causa pretendiam "conhecer Deus"
(1Jo 2,4), "ver Deus" (1Jo 3,6), viver em comunhão com Deus (1Jo 2,3)
e, não obstante, apresentavam uma doutrina e uma conduta em flagrante
contradição com a revelação cristã. Recusavam-se a ver em Jesus o Messias (cf.
1Jo 2,22), o Filho de Deus (cf. 1Jo 4,15) e recusavam a encarnação (cf. 1Jo
4,2). Para estes hereges, o Cristo celeste tinha-se apropriado do homem Jesus
de Nazaré na altura do batismo (cf. Jo 1,32-33), tinha-O utilizado para levar a
cabo a revelação e tinha-O abandonado antes da paixão, porque o Cristo celeste
não podia padecer. As doutrinas destes hereges punham em causa a teologia da
encarnação e a cristologia cristã.
O comportamento moral destes hereges não era menos repreensível:
pretendiam não ter pecados (cf. 1Jo 1,8.10) e não guardavam os mandamentos (cf.
1Jo 2,4), em particular o mandamento do amor fraterno (cf. 1Jo 2,9).
São estas pretensões que o texto que hoje nos é proposto denuncia. Quem
diz que não comete pecados, é mentiroso; e, ao mesmo tempo, faz Deus mentiroso.
Que necessidade teria Deus de enviar ao mundo o seu Filho com uma proposta de
salvação, se o pecado não fosse uma realidade universal (cf. 1Jo 1,8-10)?
MENSAGEM
Na primeira parte do nosso texto (vs. 1-2), o autor critica veladamente
esses hereges que consideravam não ter pecados e sugere aos cristãos a atitude
correta que Deus espera de cada crente, a propósito desta questão.
O cristão é chamado à santidade e a viver uma vida de renúncia ao
pecado. Deus chama-o a rejeitar o egoísmo, a auto-suficiência, a injustiça, a
opressão (trevas) e a escolher a luz. No entanto, o pecado é uma realidade
incontornável, que resulta da fragilidade e da debilidade do homem. O cristão
deve ter consciência desta realidade e reconhecer o seu pecado. Não fazer isto
é fechar-se na auto-suficiência, é recusar a salvação que Deus oferece (quem
sente que não tem pecado, também não sente a necessidade de ser salvo) e é,
portanto, "pecar".
O cristão é aquele que reconhece a sua fragilidade, mas não desespera.
Ele sabe que Deus lhe oferece a sua salvação e que Jesus Cristo é o
"advogado" (literalmente, "parakletos", que podemos
traduzir por "defensor") que o defende. Ele veio ao mundo para
eliminar o pecado - o pecado de todos os homens.
Na segunda parte do nosso texto (vs. 3-5a), o autor da carta refere-se à
pretensão dos hereges de conhecer a Deus, mas sem se preocuparem em guardar os
seus mandamentos. Na linguagem bíblica, "conhecer Deus" não é ter de
Deus um conhecimento teórico e abstrato, mas é viver em comunhão íntima com
Deus, numa relação pessoal de proximidade, de familiaridade, de amor sem
limites. Ora, quem disser que mantém uma relação de proximidade e de comunhão
pessoal com Deus, mas não quer saber das suas propostas e indicações para nada,
está a mentir. Não se pode amar e não considerar as propostas da pessoa que se
ama. O "conhecer Deus" exige atitudes concretas que passam pelo
escutar, acolher e viver as propostas de salvação que Deus faz, através de
Jesus.
ATUALIZAÇÃO
• A questão fundamental que o nosso texto põe é a da coerência de vida.
O cristão é uma pessoa que aceitou o convite de Deus para escolher a luz e que
tem de viver, dia a dia, de forma coerente com o compromisso que assumiu Não
pode comprometer-se com Deus e conduzir a sua vida por caminhos de orgulho, de
auto-suficiência, de indiferença face a Deus e às suas propostas. A vida do
crente não pode ser uma vida de "meias-tintas", de comodismo, de
opções volúveis, de oportunismos, mas tem de ser uma vida conseqüente,
comprometida, exigente. Na minha vida procuro viver, com coerência e
honestidade, os meus compromissos com Deus e com os meus irmãos, ou deixo-me
levar ao sabor da corrente, das situações, das oportunidades?
• Essa coerência de vida deve manifestar-se no reconhecimento da
debilidade e da fragilidade que fazem parte da realidade humana. O pecado não é
algo "normal", para o crente (o pecado é sempre um "não" a
Deus e às suas propostas e isso deve ser visto pelos crentes como uma
"anormalidade"); mas é uma realidade que o crente reconhece e que
sabe que está sempre presente ao longo da sua caminhada pelo mundo. Hoje,
fala-se muito da falta de consciência do pecado e falta de consciência do
pecado cria homens insensíveis, orgulhosos e auto-suficientes, que acreditam
não precisar de Deus e da sua oferta de salvação. O autor da Carta de João
convida-nos a tomar consciência da nossa realidade de pecadores, a acolher a
salvação que Deus nos oferece, a confiar em Jesus, o "advogado" que
nos entende (porque veio ao nosso encontro, partilhou a nossa natureza,
experimentou a nossa fragilidade) e que nos defende. Reconhecer a nossa
realidade pecadora não pode levar-nos ao desespero; tem de levar-nos a abrir o
coração aos dons de Deus, a acolher humildemente a sua salvação e a caminhar
com esperança ao encontro do Deus da bondade e da misericórdia que nos ama e
que nos oferece, sem condições, a vida eterna.
• A coerência que o autor da primeira Carta de João nos pede deve
manifestar-se, também, na identificação entre a fé e a vida. A nossa religião
não é uma bela teoria, separável da nossa vida concreta. É uma mentira dizer
que se ama Deus e, na vida concreta, desprezar as suas propostas e conduzir a
vida de acordo com valores que contradizem de forma absoluta a lógica de Deus.
Um crente que diz amar Deus e, no dia a dia, cria à sua volta injustiça,
conflito, opressão, sofrimento, vive na mentira; um crente que diz
"conhecer Deus" e fomenta uma lógica de guerra, de ódio, de
intransigência, de intolerância, está bem distante de Deus; um crente que diz
ter "a sua fé" e recusa o amor, a partilha, o serviço, a comunidade,
está muito longe dos caminhos onde se revela a vida e a salvação de Deus. A
minha vida concreta, as minhas atitudes para com os irmãos que me rodeiam, os
sentimentos que enchem o meu coração, os valores que condicionam as minhas
ações, são coerentes com a minha fé?
Evangelho – Lc. 24,35-48 - AMBIENTE
Naquele tempo, 35os dois discípulos contaram o que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão. 36Ainda estavam falando, quando o próprio Jesus apareceu no meio deles e lhes disse: “A paz esteja convosco!”
37Eles ficaram assustados e cheios de medo, pensando que estavam vendo um fantasma. 38Mas Jesus disse: “Por que estais preocupados, e por que tendes dúvidas no coração? 39Vede
minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede! Um fantasma
não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho”.
40E, dizendo isso, Jesus mostrou-lhes as mãos e os pés.
41Mas eles ainda
não podiam acreditar, porque estavam muito alegres e surpresos. Então
Jesus disse: “Tendes aqui alguma coisa para comer?” 42Deram-lhe um pedaço de peixe assado. 43Ele o tomou e comeu diante deles.
44Depois
disse-lhes: “São estas as coisas que vos falei quando ainda estava
convosco: era preciso que se cumprisse tudo o que está escrito sobre mim
na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”.
45Então Jesus abriu a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras, 46e lhes disse: “Assim está escrito: ‘O Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia, 47e no seu nome serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém’. 48Vós sereis testemunhas de tudo isso”.
O episódio que Lucas nos relata no Evangelho deste domingo situa-nos em
Jerusalém, pouco depois da ressurreição. Os onze discípulos estão reunidos e já
conhecem uma aparição de Jesus a Pedro (cf. Lc. 24,34), bem como o relato do
encontro de Jesus ressuscitado com os discípulos de Emaús (cf. Lc. 24,35).
Apesar de tudo, o ambiente é de medo, de perturbação e de dúvida. A
comunidade, cercada por um ambiente hostil, sente-se desamparada e insegura. O
medo e a insegurança vêm do fato de os discípulos não terem, ainda, feito a
experiência de encontro com Cristo ressuscitado.
Nesta última secção do seu Evangelho, Lucas procura mostrar como os
discípulos descobrem, progressivamente, Jesus vivo e ressuscitado. Ao
evangelista não interessa tanto fazer uma descrição jornalística e fotográfica
das aparições de Jesus aos discípulos; interessa-lhe, sobretudo, afirmar aos
cristãos de todas as épocas que Cristo continua vivo e presente, acompanhando a
sua Igreja, e que os discípulos, reunidos em comunidade, podem fazer uma
experiência de encontro verdadeiro com Jesus ressuscitado.
Para a sua catequese, Lucas vai utilizar diversas imagens que não devem
ser tomadas à letra nem absolutizadas. Elas são, apenas, o invólucro que
apresenta a mensagem. O que devemos procurar, neste texto, é algo que está para
além dos pormenores, por muito reais que eles pareçam: é a catequese da
comunidade cristã sobre a sua experiência de encontro com Jesus vivo e
ressuscitado.
MENSAGEM
A ressurreição de Jesus terá sido uma simples invenção da Igreja
primitiva, ou um piedoso desejo dos discípulos, esperançados em que a
maravilhosa aventura que viveram com Jesus não terminasse no fracasso da cruz e
num túmulo escavado numa rocha em Jerusalém?
É, fundamentalmente, a esta questão que Lucas procura responder. Na sua
catequese, Lucas procura deixar claro que a ressurreição de Jesus foi um fato
real, incontornável que, contudo, os discípulos descobriram e experimentaram só
após um caminho longo, difícil, penoso, carregado de dúvidas e de incertezas.
Todos os relatos das aparições de Jesus ressuscitado falam das
dificuldades que os discípulos sentiram em acreditar e em reconhecer Jesus
ressuscitado (cf. Mt. 28,17; Mc. 16,11.14; Lc. 24,11.13-32.37-38.41; Jo
20,11-18.24-29; 21,1-8). Essa dificuldade deve ser histórica e significa que a
ressurreição de Jesus não foi um acontecimento cientificamente comprovado,
material, captável pela objetiva dos fotógrafos ou pelas câmaras da televisão.
Nos relatos das aparições de Cristo ressuscitado, os discípulos nunca são
apresentados como um grupo crédulo, idealista e ingênuo, prontos a aceitar
qualquer ilusão; mas são apresentados como um grupo desconfiado, crítico,
exigente, que só acabou por reconhecer Jesus vivo e ressuscitado depois de um
caminho mais ou menos longo, mais ou menos difícil.
O caminho da fé não é o caminho das evidências materiais, das provas
palpáveis, das demonstrações científicas; mas é um caminho que se percorre com
o coração aberto à revelação de Deus, pronto para acolher a experiência de Deus
e da vida nova que Ele quer oferecer. Foi esse o caminho que os discípulos
percorreram. No final desse caminho (que, como caminho pessoal, para uns demorou
mais e para outros demorou menos), eles experimentaram, sem margem para
dúvidas, que Jesus estava vivo, que caminhava com eles pelos caminhos da
história e que continuava a oferecer-lhes a vida de Deus. Eles começaram a
percorrer esse caminho com dúvidas e incertezas; mas fizeram a experiência de
encontro com Cristo vivo e chegaram à certeza da ressurreição. É essa certeza
que os relatos da ressurreição, na sua linguagem muito própria, procuram
transmitir-nos.
Na catequese de Lucas há elementos que importa pôr em relevo:
1. ao longo da sua caminhada de fé, os discípulos descobriram a presença
de Jesus, vivo e ressuscitado, no meio da sua comunidade. Perceberam que Ele
continua a ser o centro à volta do qual a comunidade se constrói e se articula.
Entenderam que Jesus derrama sobre a sua comunidade em marcha pela história a
paz (o "shalom" hebraico, no sentido de harmonia, serenidade,
tranqüilidade, confiança, vida plena - verso 36).
2. Esse Jesus, vivo e ressuscitado, é o filho de Deus que, após caminhar
com os homens, reentrou no mundo de Deus. O "espanto" e o
"medo" com que os discípulos acolhem Jesus são, no contexto bíblico,
a reação normal e habitual do homem diante da divindade (v. 37). Jesus não é um
homem reanimado para a vida que levava antes, mas o Deus que reentrou
definitivamente na esfera divina.
3. As dúvidas dos discípulos dão conta dessa dificuldade que eles
sentiram em percorrer o caminho da fé, até ao encontro pessoal com o Senhor
ressuscitado. A ressurreição não foi, para os discípulos, um fato imediatamente
evidente, mas uma caminhada de amadurecimento da própria fé, até chegar à
experiência do Senhor ressuscitado (v. 38).
4. Na catequese/descrição de Lucas, certos elementos mais
"sensíveis" e materiais (a insistência no "tocar" em Jesus para
ver que Ele não era um fantasma – vs. 39-40; a indicação de que Jesus teria
comido "uma posta de peixe assado" – vs. 41-43) são, antes de mais,
uma forma de ensinar que a experiência de encontro dos discípulos com Jesus
ressuscitado não foi uma ilusão ou um produto da imaginação, mas uma
experiência muito forte e marcante, quase palpável. São, ainda, uma forma de
dizer que esse Jesus que os discípulos encontraram, embora diferente e
irreconhecível, é o mesmo que tinha andado com eles pelos caminhos da Palestina,
anunciando-lhes e propondo-lhes a salvação de Deus. Finalmente, Lucas ensina
também, com estes elementos, que Jesus ressuscitado não está ausente e
distante, definitivamente longe do mundo em que os discípulos têm de continuar
a caminhar; mas Ele continua, pelo tempo fora, a sentar-Se à mesa com os
discípulos, a estabelecer laços de familiaridade e de comunhão com eles, a
partilhar os seus sonhos, as suas lutas, as suas esperanças, as suas
dificuldades, os seus sofrimentos.
5. Jesus ressuscitado desvela aos discípulos o sentido profundo das
Escrituras. A Escritura não só encontra em Jesus o seu cumprimento, mas também
o seu intérprete. A comunidade de Jesus que caminha pela vida deve,
continuamente, reunir-se à volta de Jesus ressuscitado para escutar a Palavra
que alimenta e que dá sentido à sua caminhada histórica (vs. 44-46).
6. Os discípulos, alimentados por essa Palavra, recebem de Jesus a
missão de dar testemunho diante de "todas as nações, começando por
Jerusalém". O anúncio dos discípulos terá como tema central a morte e
ressurreição de Jesus, o libertador anunciado por Deus desde sempre. A
finalidade da missão da Igreja de Jesus (os discípulos) é pregar o
arrependimento e o perdão dos pecados a todos os homens e mulheres,
propondo-lhes a opção pela vida nova de Deus, pela salvação, pela vida eterna
(vs. 47-48).
Lucas apresenta aqui uma breve síntese da missão da Igreja, tema que ele
desenvolverá amplamente no livro dos Atos dos Apóstolos.
ATUALIZAÇÃO
• Jesus ressuscitou verdadeiramente, ou a ressurreição é fruto da
imaginação dos discípulos? Como é possível ter a certeza da ressurreição? Como
encontrar Jesus ressuscitado? É a estas e a outras questões semelhantes que o
Evangelho deste domingo procura responder. Com a sua catequese, Lucas diz-nos
que nós, como os primeiros discípulos, temos de percorrer o nem sempre claro
caminho da fé, até chegarmos à certeza da ressurreição. Não se chega lá através
de deduções lógicas ou através de construções de caráter intelectual; mas
chega-se ao encontro com o Senhor ressuscitado inserindo-nos nesse contexto em
que Jesus Se revela - no encontro comunitário, no diálogo com os irmãos que
partilham a mesma fé, na escuta comunitária da Palavra de Deus, no amor
partilhado em gestos de fraternidade e de serviço. É nesse "caminho"
que vamos encontrando Cristo vivo, atuante, presente na nossa vida e na vida do
mundo.
• É que Cristo continua presente no meio da sua comunidade em marcha
pela história. Quando a comunidade se reúne para escutar a Palavra, Ele está
presente e explica aos seus discípulos o sentido das Escrituras. Não sentimos,
tantas vezes, a presença de Cristo a indicar-nos caminhos de vida nova e a
encher o nosso coração de esperança quando lemos e meditamos a Palavra de Deus?
Não sentimos o coração cheio de paz - a paz que Jesus ressuscitado oferece aos
seus - quando escutamos e acolhemos as propostas de Deus, quando procuramos
conduzir a nossa vida de acordo com o plano de Deus?
• Jesus ressuscitado reentrou no mundo de Deus; mas não desapareceu da
nossa vida e não se alheou da vida da sua comunidade. Através da imagem do
"comer em conjunto" (que, para o Povo bíblico, significa estabelecer
laços estreitos, laços de comunhão, de familiaridade, de fraternidade), Lucas
garante-nos que o Ressuscitado continua a "sentar-se à mesa" com os
seus discípulos, a estabelecer laços com eles, a partilhar as suas
inquietações, anseios, dificuldades e esperanças, sempre solidário com a sua
comunidade. Podemos descobrir este Jesus ressuscitado que se senta à mesa com
os homens sempre que a comunidade se reúne à mesa da Eucaristia, para partilhar
esse pão que Jesus deixou e que nos faz tomar consciência da nossa comunhão com
Ele e com os irmãos.
• Jesus lembra aos discípulos: "vós sois as testemunhas de todas
estas coisas". Isto significa, apenas, que os cristãos devem ir contar a
todos os homens, com lindas palavras, com raciocínios lógicos e inatacáveis que
Jesus ressuscitou e está vivo? O testemunho que Cristo nos pede passa, mais do
que pelas palavras, pelos nossos gestos. Jesus vem, hoje, ao encontro dos
homens e oferece-lhes a salvação através dos nossos gestos de acolhimento, de
partilha, de serviço, de amor sem limites. São esses gestos que testemunham,
diante dos nossos irmãos, que Cristo está vivo e que Ele continua a sua obra de
libertação dos homens e do mundo.
• Na catequese que Lucas apresenta, Jesus ressuscitado confia aos
discípulos a missão de anunciar "em seu nome o arrependimento e o perdão
dos pecados a todos os povos, começando por Jerusalém". Continuando a obra
de Jesus, a missão dos discípulos é eliminar da vida dos homens tudo aquilo que
é "o pecado" (o egoísmo, o orgulho, o ódio, a violência e propor aos
homens uma dinâmica de vida nova.
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