quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

UM ANO APÓS RENUNCIAR AO PAPADO, BENTO XVI VIVE ISOLADO.

Longe das atenções, o papa alemão já não ocupa os lugares de destaque nem ao menos nas bancas e lojas em torno ao Vaticano, dominadas pelas imagens de um sorridente papa Francisco.


Por volta das 16h algumas ruas da Cidade do Vaticano começam a ser fechadas ao tráfego e à passagem de pedestres, sobretudo aquela que leva ao Mosteiro Mater Ecclesiae, residência do papa emérito. Se desde 28 de fevereiro de 2013 Bento XVI não é mais o chefe da Igreja Católica, ao menos um dos seus compromissos de quando era pontífice continua sendo cumprido à regra: recolher-se em oração na gruta de Nossa Senhora de Lourdes, que recria com fidelidade aquela francesa em pleno coração dos Jardins do Vaticano.

Assim, isolado do mundo e longe das preocupações do Palácio Apostólico, a contribuição de Joseph Ratzinger à Igreja Católica hoje é, principalmente, espiritual. O porta voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, que acompanhou Bento XVI ao longo de seus 8 anos de pontificado, afirmou à Rádio Vaticano que a decisão de renunciar não foi prematura, ao contrário:

“Fazia séculos que um papa não renunciava. Portanto, para a maioria das pessoas, tratava-se de um gesto inusitado e surpreendente. Contudo, quem estava mais próximo a Bento XVI sabia que existia essa possibilidade, e Ratzinger já havia dito isso, muito tempo antes e com todas as palavras, a Peter Seewald”, (que publicou o livro “Luce del Mondo”, resultado de uma série de encontros com o papa emérito).

Padre Lombardi talvez esteja entre os poucos a não terem sido pegos de surpresa naquele 11 de fevereiro de 2013 quando, durante um consistório para a criação de novos cardeais, Bento XVI, em latim, anunciava seu afastamento:

“Bem consciente da gravidade deste ato, com plena liberdade, declaro que renuncio ao ministério de Bispo de Roma, Sucessor de São Pedro, que me foi confiado pela mão dos Cardeais em 19 de abril de 2005, pelo que, a partir de 28 de fevereiro de 2013, às 20h, a sede de Roma, a sede de São Pedro, ficará vacante e deverá ser convocado, por aqueles a quem tal compete, o Conclave para a eleição do novo Sumo Pontífice”.

O papa emérito concluiu sua mensagem de renúncia afirmando que manteria uma vida consagrada à oração e assim tem sido nesse período histórico no qual a Igreja Católica tem dois papas. Era justamente nesse ponto que a imprensa internacional e os próprios vaticanistas acostumados com os corredores da Santa Sé se concentravam: o que acontecerá à Igreja com dois papas?

Padre Lombardi estava tranquilo também em relação a esta questão: “O papado é um serviço e não um poder. Se se vivem os problemas no contexto do poder, é claro que duas pessoas podem ter dificuldades de convívio porque pode ser difícil o fato de renunciar a um poder e conviver com o sucessor. Porém, se se vive tudo isso exclusivamente como serviço, esse problema não existe”.


O fato é que após a renúncia de Ratzinger e a eleição de Bergoglio, papa Francisco e o papa emérito encontraram-se, oficialmente, três vezes. “É como ter um avô em casa, mas um avô sábio”, declarou papa Francisco aos jornalistas quando perguntaram como ele se sentia com dois papas vivendo no Vaticano. “Sempre o quis muito bem, fiquei feliz quando foi eleito e o mesmo senti quando renunciou: um exemplo de grandeza. Somente um grande homem seria capaz de tal gesto”, reiterou papa Francisco aos jornalistas durante o voo de retorno do Rio de Janeiro, no ano passado.

Entretanto, a renúncia de Bento XVI não cortou o elo com quem sempre admirou o teólogo Ratzinger antes, e também depois, já como pontífice. As visitas ao Mater Ecclesiae apesar de possíveis não são frequentes. Os pedidos para uma audiência com o papa emérito são muito bem analisados antes de serem aprovados. Nada de compromissos oficiais ou oficiosos: encontrar Bento XVI significa acompanhá-lo nas orações e, talvez, manter uma rápida conversa.

Prestes a completar 87 anos, em 17 de abril próximo, a figura do papa emérito torna-se cada vez mais etérea. Longe das atenções, o papa alemão já não ocupa os lugares de destaque nem ao menos nas bancas e lojas em torno ao Vaticano, dominadas pelas imagens de um sorridente papa Francisco e do onipresente papa João Paulo II. Talvez tenha sido essa ideia de ausência física e presença espiritual que Bento XVI havia amadurecido muito tempo antes da renúncia. Após um pontificado marcado pelas duras críticas à Igreja por sua conduta diante dos crimes de abuso de menores e do vazamento de informações sigilosas, a saída de cena de Joseph Ratzinger é como se fosse um retorno às suas origens.

“Bento XVI
certamente sempre foi um homem de oração, durante toda sua vida, e desejava – provavelmente – ter um tempo no qual pudesse viver essa dimensão da oração com mais espaço, totalidade e profundidade. E este agora é o seu tempo”, conclui padre Lombardi
.

 

 

 

Por Rafael Belincanta

 

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