UM ANO APÓS RENUNCIAR AO PAPADO, BENTO XVI VIVE ISOLADO.
Longe das atenções, o papa alemão já não
ocupa os lugares de destaque nem ao menos nas bancas e lojas em torno ao
Vaticano, dominadas pelas imagens de um sorridente papa Francisco.
Por volta das 16h algumas ruas da Cidade do Vaticano começam a ser
fechadas ao tráfego e à passagem de pedestres, sobretudo aquela que leva
ao Mosteiro Mater Ecclesiae, residência do papa emérito. Se desde 28 de fevereiro de 2013 Bento XVI
não é mais o chefe da Igreja Católica, ao menos um dos seus
compromissos de quando era pontífice continua sendo cumprido à regra:
recolher-se em oração na gruta de Nossa Senhora de Lourdes, que recria
com fidelidade aquela francesa em pleno coração dos Jardins do Vaticano.
Assim, isolado do mundo e longe das preocupações do Palácio Apostólico, a contribuição de Joseph Ratzinger
à Igreja Católica hoje é, principalmente, espiritual. O porta voz do
Vaticano, padre Federico Lombardi, que acompanhou Bento XVI ao longo de
seus 8 anos de pontificado, afirmou à Rádio Vaticano que a decisão de
renunciar não foi prematura, ao contrário:
“Fazia séculos que um papa não renunciava. Portanto,
para a maioria das pessoas, tratava-se de um gesto inusitado e
surpreendente. Contudo, quem estava mais próximo a Bento XVI sabia que
existia essa possibilidade, e Ratzinger já havia dito isso, muito tempo
antes e com todas as palavras, a Peter Seewald”, (que publicou o livro
“Luce del Mondo”, resultado de uma série de encontros com o papa
emérito).
Padre Lombardi talvez esteja entre os poucos a não terem sido pegos de
surpresa naquele 11 de fevereiro de 2013 quando, durante um consistório
para a criação de novos cardeais, Bento XVI, em latim, anunciava seu
afastamento:
“Bem consciente da gravidade deste ato, com plena liberdade, declaro que renuncio ao ministério de Bispo de Roma,
Sucessor de São Pedro, que me foi confiado pela mão dos Cardeais em 19
de abril de 2005, pelo que, a partir de 28 de fevereiro de 2013, às 20h,
a sede de Roma, a sede de São Pedro, ficará vacante e deverá ser
convocado, por aqueles a quem tal compete, o Conclave para a eleição do
novo Sumo Pontífice”.
O papa emérito concluiu sua mensagem de renúncia
afirmando que manteria uma vida consagrada à oração e assim tem sido
nesse período histórico no qual a Igreja Católica tem dois papas. Era
justamente nesse ponto que a imprensa internacional e os próprios
vaticanistas acostumados com os corredores da Santa Sé se concentravam: o
que acontecerá à Igreja com dois papas?
Padre Lombardi estava tranquilo também em relação a esta questão: “O papado
é um serviço e não um poder. Se se vivem os problemas no contexto do
poder, é claro que duas pessoas podem ter dificuldades de convívio
porque pode ser difícil o fato de renunciar a um poder e conviver com o
sucessor. Porém, se se vive tudo isso exclusivamente como serviço, esse
problema não existe”.
O fato é que após a renúncia de Ratzinger e a eleição de Bergoglio, papa Francisco
e o papa emérito encontraram-se, oficialmente, três vezes. “É como ter
um avô em casa, mas um avô sábio”, declarou papa Francisco aos
jornalistas quando perguntaram como ele se sentia com dois papas vivendo
no Vaticano. “Sempre o quis muito bem, fiquei feliz quando foi eleito e
o mesmo senti quando renunciou: um exemplo de grandeza. Somente um
grande homem seria capaz de tal gesto”, reiterou papa Francisco aos
jornalistas durante o voo de retorno do Rio de Janeiro, no ano passado.
Entretanto, a renúncia de Bento XVI
não cortou o elo com quem sempre admirou o teólogo Ratzinger antes, e
também depois, já como pontífice. As visitas ao Mater Ecclesiae apesar
de possíveis não são frequentes. Os pedidos para uma audiência com o
papa emérito são muito bem analisados antes de serem aprovados. Nada de
compromissos oficiais ou oficiosos: encontrar Bento XVI significa
acompanhá-lo nas orações e, talvez, manter uma rápida conversa.
Prestes a completar 87 anos, em 17 de abril próximo, a figura do papa
emérito torna-se cada vez mais etérea. Longe das atenções, o papa alemão
já não ocupa os lugares de destaque nem ao menos nas bancas e lojas em
torno ao Vaticano, dominadas pelas imagens de um sorridente papa
Francisco e do onipresente papa João Paulo II. Talvez tenha sido essa
ideia de ausência física e presença espiritual que Bento XVI havia
amadurecido muito tempo antes da renúncia. Após um pontificado marcado
pelas duras críticas à Igreja por sua conduta diante dos crimes de abuso
de menores e do vazamento de informações sigilosas, a saída de cena de
Joseph Ratzinger é como se fosse um retorno às suas origens.
“Bento XVI certamente sempre foi um homem de oração,
durante toda sua vida, e desejava – provavelmente – ter um tempo no qual
pudesse viver essa dimensão da oração com mais espaço, totalidade e
profundidade. E este agora é o seu tempo”, conclui padre Lombardi.
Por Rafael Belincanta
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