Se
Jesus devia pregar o Evangelho da salvação, por que decidiu expor boa
parte de seu ensinamento em forma de parábolas? Era conveniente que o
Filho de Deus “escondesse” sua doutrina dos homens, aos quais veio
trazer o conhecimento da verdade?
Lemos no Evangelho que Cristo ensinou algumas coisas privadamente a
seus Apóstolos, mas ordenando-lhes que as pregassem depois publicamente:
"O que eu vos digo na obscuridade, dizei-o às claras, e o que é dito ao
ouvido, pregai-o sobre os telhados" (
Mt 10, 27).
Outras vezes, porém, o Senhor ensinou por meio de parábolas, que ele
explicava depois aos seus discípulos, mas cujo sentido escapava à maior
parte de seus ouvintes. Os próprios Apóstolos perguntaram ao Senhor a
razão dessa maneira de pregar, e obtiveram uma resposta cuja
interpretação exata é um tanto obscura e difícil:
"Chegando-se a ele os discípulos, disseram-lhe: 'Por que razão lhes falas por meio de parábolas?' Ele respondeu-lhes: 'Porque a vós é concedido conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é concedido. Porque ao que tem lhe será dado (ainda mais), e terá em abundância, mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. Por isso lhes falo em parábolas, porque vendo não vêem, e ouvindo não ouvem nem entendem. E cumpre-se neles a profecia de Isaías (6,9-10), que diz: Ouvireis com os ouvidos, e não entendereis; olhareis com os vossos olhos, e não vereis. Porque o coração deste povo tornou-se insensível, os seus ouvidos tornaram-se duros, e fecharam os olhos, para não suceder que vejam com os olhos, e ouçam com os ouvidos, e entendam com o coração, e se convertam, e eu os sare" (Mt 13, 10-15).
Esta é uma das passagens evangélicas que mais fizeram suar os exegetas.
Vejamos, pois, em síntese, a interpretação do Doutor Angélico (
S. Th. III, q. 42, a. 3):
Por três motivos uma doutrina pode permanecer oculta:
a) Pela intenção de quem ensina, que não quer comunicá-la a muitos, mas antes mantê-la oculta, seja por inveja e desejo de excelência, seja por tratar-se de uma doutrina errada ou imoral. É evidente que não foi este o caso de Nosso Senhor.
b) Porque se ensina a poucos. Tampouco este motivo diz respeito a Jesus Cristo, pois, como Ele mesmo disse a Pilatos, "Eu falei publicamente ao mundo; ensinei sempre na sinagoga e no templo, aonde concorrem todos os Judeus; nada disse em segredo" (Jo 18, 20). As mesmas instruções que o Senhor dava privadamente a seus Apóstolos deveriam depois ser pregadas publicamente (Mt 10, 27).
c) Pelo modo de ensinar. Dessa forma, Cristo ocultava algumas coisas às turbas quando lhes expunha em parábolas os mistérios que não eram capazes ou dignas de receber. No entanto, ainda lhes era melhor recebê-los assim e ouvir a doutrina espiritual sob o véu das parábolas que permanecer totalmente excluídas dela. E, além disso, o Senhor expunha a verdade clara e desnuda das parábolas aos discípulos, por meio dos quais ela haveria de chegar aos outros que fossem capazes de recebê-la.
Segundo esta interpretação do Doutor Angélico, a razão profunda da
pregação em parábolas deve ser buscada em uma ação combinada da
misericórdia e da justiça de Deus: "porque não eram
capazes ou dignos" de receber abertamente a doutrina de Cristo.
a) Em primeiro lugar,
não eram capazes de receber abertamente essa doutrina por
conta de seus prejulgamentos messiânicos, completamente opostos à
realidade evangélica. Eles imaginavam um Messias em forma de rei
temporal, forte e poderoso, que esmagaria todos os inimigos de Israel e
os encheria de felicidades e prosperidades temporais. Frente a esta
concepção, tão arraigada no povo, a doutrina evangélica,
orientada inteiramente ao Reino dos Céus e ao desprezo das coisas da
terra, era demasiado sublime e elevada para que pudessem captá-la
exposta em toda a sua nudez. Cristo lhes dá o pão da verdade na
forma que então podiam compreendê-la, deixando a seus discípulos o
cuidado de expô-la com toda claridade à medida que fossem capazes de
assimilá-la. Di-lo expressamente São Marcos (4, 33-34): "Assim lhes
propunha a palavra com muitas parábolas como estas, segundo podiam entender. Não lhes falava sem parábolas; porém, tudo explicava em particular a seus discípulos".
b) Em segundo lugar,
não eram dignos de recebê-la claramente por causa da sua
obstinada incredulidade. Era um fato, como lamentava o próprio Cristo,
que "vendo não veem e ouvindo não ouvem nem entendem". Os milagres
estupendos com que o Cristo demonstrava, diante do povo, sua divina
missão endureciam mais e mais os corações obstinados, até o ponto de
atribuir os milagres ao poder de Belzebu (Lc 11, 15) ou de querer matar Lázaro, visto que, por motivo de sua ressurreição, muitos criam em Jesus (Jo
12, 10-11). Diante de tanta obstinação e malícia, a justiça de Deus
tinha forçosamente que castigá-los, e por isso lhes anuncia a verdade de
forma velada e misteriosa, a fim de que os homens de boa vontade
tivessem as luzes suficientes para abraçar a verdade evangélica, e os
rebeldes obstinados recebessem o justo castigo de sua maldade. Contudo,
com relação a estes últimos brilha ainda de algum modo a misericórdia de
Deus, porque, como adverte Santo Tomás, "ainda lhes era melhor receber a doutrina do reino de Deus sob o véu das parábolas que permanecer totalmente privados dela".
Não deixe de assistir, também, à nossa aula recente sobre o Sermão das Parábolas, no curso exclusivo "Os Evangelhos Sinóticos". Abaixo, um pequeno trecho deste material:
Essa interpretação explica a misteriosa passagem bíblica de forma discreta e razoável. Mas, em todo caso, seja como for,
não se pode interpretar a pregação parabólica como uma restrição da vontade salvífica universal de Deus,
que está clara e expressamente revelada na Sagrada Escritura. É-nos
dito claramente que "Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem
ao conhecimento da verdade" (
1Tm 2, 4); que "Deus não quer a morte do pecador, mas sim que se converta e viva" (Ez 18, 23); que Cristo "não veio chamar os justos, mas os pecadores à penitência" (Lc 5, 31); que Deus "prefere a misericórdia ao sacrifício" (Mt
9, 13) e outras muitas coisas do mesmo tipo. Deve-se interpretar as
passagens obscuras da Sagrada Escritura pelas claras, e não o contrário.
Trata-se de uma norma fundamental da hermenêutica bíblica.
*
Do livro
Jesucristo y la vida cristiana, do Pe. Antonio Royo Marín,
Madrid: BAC, 1961, p. 286s. (Tradução, adaptação e grifos nossos.)
Madrid: BAC, 1961, p. 286s. (Tradução, adaptação e grifos nossos.)
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