"O dia chegará em que seremos vítimas das mutilações feitas na haste da nossa cruz".
© Clément SACCOMANI / CIRIC
Conta‑nos
uma lenda de antanho que a um homem a quem cumpria fazer grande jornada
deram a carregar pesada cruz, dizendo‑lhe que ela o levaria à salvação.
Tendo feito pequena parte do trajeto, vencido e desanimado pelo
cansaço, deliberou ele cortar um pedaço da longa haste de sua carga.
Mais aligeirado, pôs‑se de novo a caminho e jornadeou até o ponto em
que a estrada subia por uma encosta longa e pedregosa. Ali sentiu que se
lhe agravava o peso da cruz. Doíam‑lhe os ombros, tinha as pernas
trôpegas, arfava e transudava.
Na irreflexão da impaciência, põe por terra o seu fardo e outra vez o mutila em sua haste.
Parte. Alcança o sopé do outeiro e se vê às margens de um rio sem ponte.
Só então observou que outros viajantes ali chegados levavam, também,
pesadas cruzes de longas hastes e, mais resistentes e tolerantes,
conservaram‑nas intactas.
Estes as estenderam de margem a margem e, fazendo‑as de pontilhões, atingiram o lado oposto e lá se foram.
Aquele, porém, que encurtara a haste de sua cruz viu que ela não lhe
poderia prestar o mesmo auxílio. Tentando meter‑se rio adentro,
desapareceu levado pelos redemoinhos da correnteza.
É límpida a lição da fábula. Todos os que vivemos a cortar, com
golpes arbitrários, em nossos deveres e obrigações para com Deus,
podemos levar, por algum tempo, vida mundanamente fácil, mas sempre
enganosa. O dia chegará em que seremos vítimas das mutilações feitas na
haste da nossa cruz.
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A partir de texto de Malba Tahan em “Lendas do Céu e da Terra” (Ed. Borgoi. São Paulo ‑ SP /1ª edição ‑ 1939, págs. 16 e 17)
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