Ela é uma das pessoas mais importantes da história do cristianismo, mas muitos cristãos só conhecem versões erradas a seu respeito.
No ano passado, a pedido do Papa Francisco, a memória de
Santa Maria Madalena foi elevada ao grau de festa. O documento que
oficializa a mudança tem a data de 3 de junho, solenidade do Sagrado
Coração de Jesus.
Justos motivos de reconhecimento
O secretário do dicastério responsável pelo culto na Igreja, o
arcebispo dom Arthur Roche, observa que São João Paulo II já tinha
dedicado “grande atenção não apenas à importância das mulheres na missão
de Cristo e da Igreja, mas também à peculiar função de Maria Madalena
como a primeira testemunha do Ressuscitado e a primeira mensageira da
Ressurreição do Senhor. Esta importância prossegue hoje na Igreja, que
quer acolher sem nenhuma distinção homens e mulheres de toda etnia,
povo, língua e nação para anunciar a Boa Nova do Evangelho”. Santa Maria
Madalena é exemplo da “verdadeira e autêntica evangelização”, que
anuncia “a alegre mensagem central da Páscoa”.
O Papa Francisco tomou essa decisão durante o Jubileu da
Misericórdia, explicou dom Roche, para ressaltar “a relevância desta
mulher que demonstrou um grande amor a Cristo e que foi tão amada por
Cristo”.
Maria Madalena fazia parte do grupo dos discípulos de Jesus, seguiu-o
até a Cruz e, no jardim em que se encontrava o sepulcro, foi a primeira
testemunha da ressurreição. O Evangelho de João a descreve chorando
porque não tinha encontrado o corpo do Senhor no sepulcro: “Jesus teve
misericórdia dela ao se deixar reconhecer como Mestre e transformar as
suas lágrimas em alegria pascal”, recordou dom Roche,
acrescentando: “Cristo tem uma espécie de consideração e misericórdia
para com esta mulher, que manifesta o seu amor por Ele procurando-o no
jardim com angústia e sofrimento”; com as lágrimas que Santo Anselmo
definiu como “lágrimas da humildade”. São Tomás a chamou de “apóstola
dos apóstolos” porque foi ela quem anunciou aos discípulos atemorizados e
trancados no cenáculo o que eles teriam que anunciar por todo o mundo.
Finaliza dom Roche:
“Por isso, é justo que a celebração litúrgica desta mulher tenha o mesmo grau de festa outorgado às celebrações dos apóstolos no Calendário Romano Geral, ressaltando a especial missão desta mulher que é um exemplo e modelo para todas as mulheres na Igreja”.
Confusões comuns em torno a Maria Madalena e outras mulheres
O cardeal Gianfranco Ravasi escreveu a respeito dela:
“A tradição, repetida mil vezes na história da arte e que perdura até os nossos dias, fez de Maria uma prostituta. Isto aconteceu somente porque na página evangélica precedente (o capítulo 7 de Lucas) é narrada a história da conversão de uma anônima ‘pecadora conhecida naquela cidade’, aquela que havia untado os pés de Jesus com óleo perfumado, quando hóspede na casa de um conhecido fariseu; molhou-os com suas lágrimas e secou-os com seus cabelos. E assim foi identificada Maria Madalena, sem nenhuma relação textual real, com aquela prostituta sem nome. Pois bem: este mesmo gesto de veneração será repetido com Jesus por outra Maria, a irmã de Marta e Lázaro, em outra ocasião (Jo 12, 1-8). E consumou-se com isto mais um equívoco em relação a Maria Madalena: algumas tradições populares a identificam com esta Maria de Betânia, depois de já ter sido confundida com a prostituta da Galileia”.
Relação entre Maria Madalena e Jesus: lendas sem base histórica
A partir dos relatos do Evangelho, percebe-se que Maria Madalena
sentia um grande amor por Jesus. Ela tinha sido livrada por Ele de sete
demônios, seguia-o como discípula, assistia-o com seus bens (Lc 8, 2-3) e
esteve com Maria, a Mãe de Jesus, e as outras mulheres quando Jesus foi
crucificado (Mc 15, 40-41).
Ela foi, segundo os Evangelhos, a primeira pessoa a quem Jesus
apareceu após a Ressurreição, depois de buscá-lo entre lágrimas (Jo 20,
11-18). Daí a veneração que ela recebeu na Igreja como testemunha do
Ressuscitado.
Dessas passagens não se pode deduzir nem que ela foi pecadora, nem
muito menos que foi “a mulher de Jesus”, como diriam os fãs de “O Código Da Vinci“.
Os que defendem que ela foi esposa de Jesus se baseiam no testemunho de
alguns evangelhos apócrifos: todos eles, talvez com exceção apenas do
evangelho de Tomé, são posteriores aos evangelhos canônicos e não têm
caráter histórico, sendo, antes, instrumentos para transmitir
ensinamentos gnósticos.
Segundo estas obras, que, apesar do nome, não são evangelhos
propriamente, mas revelações particulares de Jesus aos seus discípulos
após a Ressurreição, Maria Madalena é quem melhor entende tais
revelações. Por isso, é a preferida de Jesus e a que recebe uma
revelação especial.
Alguns textos (Evangelho de Tomé, Diálogos do Salvador, Pistis
Sophia, Evangelho de Maria) mostram certa oposição dos apóstolos em
relação a Maria Madalena pelo fato de ela ser mulher, e isso reflete a
concepção negativa que alguns gnósticos tinham do feminino e da condição
de Maria como discípula importante.
No entanto, alguns pretendem ver nesta oposição um reflexo do que
chamam de “postura oficial” da Igreja de então, que seria supostamente
contra a liderança espiritual da mulher. Nada disso é demonstrável. Esta
oposição poderia ser entendida como um conflito de doutrinas: a de
Pedro e dos demais apóstolos diante da doutrina desses grupos gnósticos,
expostas em nome de uma certa “Mariam”, que seria a Madalena.
Em todo caso, o fato de recorrerem a Maria é uma tentativa de
justificar sua abordagem gnóstica. Em outros evangelhos apócrifos,
especialmente no de Felipe, “Mariam” é modelo do ser gnóstico,
precisamente pela sua feminilidade. Ela é um símbolo espiritual do
seguimento de Cristo e de união perfeita com Ele. Nesse contexto, tais
escritos falam de um beijo entre Jesus e Maria, simbolizando uma espécie
de sacramento superior ao Batismo e à Eucaristia.
É muito relevante observar que nem sequer esses textos apócrifos
atribuem conotações sexuais a tais símbolos, a ponto de que nenhum
estudioso sério os interpreta como “testemunho histórico” de suposta
relação sexual entre Jesus e Maria Madalena. Esta é uma suposição sem
qualquer fundamento histórico: nem mesmo os cristãos da época se viram
obrigados a polemizar a respeito, pois é uma tese relativamente recente –
e que ganha força de tempos em tempos, em particular quando se pretende
vender livros de ficção.
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Com informações históricas a partir de texto de Juan Chapa (cf. Aleteia, abril de 2014)
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