Assim como a palavra fé se escreve com duas letras e um sinal sobre a
última, o ato de fé só pode ser produzido por duas faculdades da alma –
inteligência e vontade – quando esta última, a vontade, estiver bem
“sinalizada” pela graça.
A fé é, portanto, uma lanterna de duas pilhas. Só vai iluminar nosso
caminho se as duas pilhas, além de bem conectadas uma à outra, forem
estimuladas por energia divina (a Graça é energia espiritual divina).
Porque a fé não é virtude humana que possa vir a ser adquirida pelo
nosso esforço. É dom de Deus. Mas podemos pedir que este dom nos seja
concedido.
O existencialista Albert Camus, no prólogo do seu “Mito de Sísifo”,
diz que não há senão um problema filosófico verdadeiro, o problema do
suicídio: “Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é
responder à questão fundamental da filosofia”.
Assim, a fé se apresenta, para o cristão, como resposta a uma
indagação fundamental. As pedras não levantam questões a respeito de sua
existência. As plantas também nada perguntam sobre o seu destino. Nem
mesmo o animal irracional o faz.
Ao contrário, a criatura humana pode tracejar em cores, sobre a tela da vida, as linhas mestras de seu caminho.
A criança desde cedo pede explicações. Mais tarde se torna capaz de
censurar seu próprio procedimento e até mesmo de sentir vergonha de suas
faltas.
Matemático ou economista, biólogo, médico, psicólogo ou jurista, o
ser humano, depois de se ter debruçado sobre os seus objetos de estudo,
haverá de continuar fazendo, a si mesmo, as mesmas e eternas perguntas.
Qual é o sentido da minha vida? Que valor possuo? A morte é a
aparente inimiga que me espreita a cada dia e a cada minuto. Que
acontece depois dela?
A fé cristã ilumina todas estas naturais indagações, embora pequenas
sombras ainda permaneçam, a fim de que o ato de fé continue mesclado com
a virtude da humildade e haja mérito no ato de crer. Mas há uma
distância enorme entre fé e opinião:
“É da essência da opinião julgar que as coisas poderiam ser diversas,
enquanto na fé, devido à sua certeza, julga-se que a coisa afirmada não
pode ser diferente”.
A fé corresponde a uma certeza! Quando existe dúvida, a inteligência
oscila entre duas ou mais proposições sem aderir a nenhuma delas.
Por isso, o 1° Concílio do Vaticano definiu a fé como virtude
sobrenatural, pela qual, prevenidos e auxiliados pela graça de Deus,
cremos como verdadeiro todo o conteúdo da revelação, não em virtude de
sua verdade intrínseca, vista apenas pela luz natural da razão, mas por
causa da autoridade de Deus, que jamais poderia enganar-se ou
enganar-nos.
As duas mais nobres faculdades da alma, inteligência e vontade,
unem-se harmoniosamente no ato de fé. A primeira porque se abre para a
verdade; a segunda, porque se sente atraída pelo bem supremo.
Aliás, conforme o depoimento de todos os convertidos, Deus age em nós
por meio de sedução: “Tu me seduziste, Senhor, e me deixei seduzir”.
Fiquei triste quando vi, pela televisão e pela última vez, a
simpática figura de Raquel de Queiroz. Fiquei assim pesaroso porque a
escritora confessou que não tinha fé. Pensei logo comigo:
– Ah, meu Deus! Se eu pudesse lhe dar pelo menos um pouco do meu tesouro!
A fé é, de fato, um tesouro porque nos faz perceber que este mundo
visível é apenas sombra de um outro. Não sou fariseu. Sei que minha vida
cristã ainda não é uma realidade acabada, mas procuro valorizar o mundo
incrível que o cristianismo tornou crível para mim.
Quem tem fé, dizia São Paulo, enxerga por intermédio de um “espelho”.
Alcança realidades invisíveis. Penso que não seria conveniente
substituir o “espelho” de São Paulo pelo moderníssimo satélite
artificial. Todavia me agrada a ideia de um satélite sobrenatural.
Este satélite é que nos dá ideia bastante clara do que existe do lado
de lá. E afasta de nós o medo da morte. No entanto, os racionalistas
não o conhecem. Por que?
Não é fácil dizer. Ninguém sabe. Poderíamos apenas conjeturar que –
se Deus deseja atrair para si todas as criaturas – qualquer obstáculo
impeditivo deve estar no homem. Seria o orgulho o obstáculo maior?
Possivelmente sim. Porque não conheci pensador ateu que demonstrasse
um mínimo de humildade. Os ímpios contestadores, cujos nomes foram neste
livro catalogados, lideram um autêntico exército de senhores dispostos a
lutar contra o “Senhor dos Exércitos”.
No pensamento bíblico, o ateu aparece como um todo-poderoso que se
dispõe a afrontar o “Todo-poderoso”. E, de modo aparentemente cruel, o
Salmista assegura que, diante de tamanha soberba:
“O que habita nos céus ri, o Senhor se diverte à custa deles”.
O próprio Cristo, depois de transmitir aos pescadores, escolhidos
para serem apóstolos, as mais misteriosas revelações sobre a vida
sobrenatural, exclamou:
“Eu te louvo, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque ocultastes
estas coisas aos sábios e doutores e as revelastes aos pequeninos”.
Porém,
pior do que não crer é zombar de quem crê. Por essa razão canta o
Salmista que é feliz o homem “que não se assenta na roda dos
zombadores”. É melhor reconhecer nossa fragilidade do que inventar
filosofias espúrias ou falsas teorias justificadoras.
O objetivo, velado ou expresso, dos sistemas filosóficos que
abordamos tem sido o de pleitear, para as criaturas humanas, liberdade
moral e intelectual absolutas, por meio de uma formal negativa da
existência de Deus ou mediante exaltação da Lei Natural, de modo a
rejeitar os ensinamentos do Cristo.
Os ateus são como as mariposas. Sentem-se irremediavelmente atraídos
pelo brilho da claridade mas batalham contra a Luz, de modo obstinado,
em busca de seu próprio aniquilamento.
Afirmava o francês Littré que o divino seria um oceano insondável,
para o qual não teríamos barco nem vela. Porém, o próprio Littré – e
inúmeros outros agnósticos, que tiveram receio de abandonar a aparente
segurança da praia – foram ali mesmo, sobre a areia, atingidos e
arrebatados pelas ondas mais generosas e envolventes do oceano infinito
da misericórdia de Deus.
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