No
século III já havia plenamente a certeza da intercessão dos santos
diante de Deus, o dogma da Comunhão dos Santos; a Igreja sofredora da
terra estava unida à vencedora no céu.
O culto dos mártires começou neste tempo e desabrochou no século IV.
Tertuliano (†220), incentivando o amigo Ambrósio a confessar a
fé, escreve-lhe que depois da morte, ele poderá pedir pelos seus “de um
modo mais eficaz do que durante a vida”. Em Alexandria, a pequena mártir
Potamina, diz ao soldado Sasílides que a levou ao suplício, que depois
de morta intercederá por ele junto do Senhor e que virá buscá-lo para
fazer dele um santo. E São Cipriano pedia aos que iam sofrer o martírio
que não se esquecessem dele quando entrassem na glória.
Da mesma forma brotou a certeza da oração pelo sufrágio das almas dos falecidos; Tertuliano deixou escrito:
“A
esposa roga pela alma de seu esposo e pede para ele refrigério, e que
volte a reunir-se com ele na ressurreição; oferece sufrágio todos os
dias aniversários de sua morte” (De monogamia, 10). “Durante a morte e o
sepultamento de um fiel, este fora beneficiado com a oração do
sacerdote da Igreja” (De anima 51; Apud Revista PR, 264, 1982, pp.
50-51).
São Cipriano (†258), bispo de Cartago, refere-se à oferta do
sacrifício eucarístico em sufrágio dos defuntos como costume recebido da
herança dos bispos, seus antecessores (cf. epist. 1,2). Nas
suas epístolas é comum encontrar a expressão: “oferecer o sacrifício por
alguém ou por ocasião dos funerais de alguém” (Revista PR, 264, 1982,
pp. 50-51). Falando da vida de Cartago, no século III, afirma Vacandart:
“Podemos de certo modo conceber o que terá sido a vida religiosa de
Cartago em meados do século III. Aí vemos o clero e os fiéis a cercar o
altar, […] ouvimos os nomes dos defuntos lidos pelo diácono e o pedido
de queo bispo ore por esses fiéis falecidos; vemos os cristãos
[…] voltar para casa reconfortados pela mensagem de que o irmão falecido
repousa na unidade da Igreja e na paz do Cristo” (Revue de Clergé
Français 1907 t. Lil 151; Apud Revista PR, 264).
Nos séculos seguintes essa crença vai ser sedimentada. São
João Crisóstomo (349-407), bispo e doutor da Igreja de
Constantinopla, afirma:
“Levemos-lhe socorro e celebremos a sua memória. Se os filhos de Jó
foram purificados pelos sacrifícios de seu pai (Jó 1,5), porque duvidar
que as nossas oferendas em favor dos mortos lhes leva alguma consolação?
Não hesitemos em socorrer os que partiram e em oferecer as nossas
orações por eles” (Hom. 1Cor 41,15).
“Os Apóstolos instituíram a oração pelos mortos e esta lhes presta
grande auxílio e real utilidade” (In Philipp. III 4, PG 62, 204. PR,
264).
São Cirilo, bispo de Jerusalém (†386) escreveu:
“Enfim, também rezamos pelos santos Padres e Bispos e defuntos e por
todos em geral que entre nós viveram; crendo que este será o maior
auxílio para aquelas almas, por quem se reza, enquanto jaz diante de nós
a santa e tremenda vítima”.
“Da mesma forma, rezando nós a Deus pelos defuntos, ainda que
pecadores, não lhe tecemos uma coroa, mas apresentamos Cristo morto
pelos nossos pecados, procurando merecer e alcançar propiciação junto a
Deus clemente, tanto por eles como por nós mesmos”.
“Em seguida [na Oração Eucarística], mencionamos os que já dormiram:
primeiro os Patriarcas, Profetas, Apóstolos, Mártires, para que Deus em
virtude de suas preces e intercessões, receba nossa oração. Depois,
rezamos pelos nossos santos pais e bispos falecidos, e em geral por
todos os que já dormiram antes de nós. Acreditamos que esta oração
aproveitará sumamente às almas pelas quais é feita, enquanto repousa
sobre o altar a santa e tremenda vítima” (Catequeses Mistagógicas. 5, 9,
10, Ed. Vozes, 1977, p. 38).
Santo Epifânio (†403), bispo da ilha de Chipre, escreveu:
“Sobre o rito de ler os nomes dos defuntos (no
sacrifício) perguntamos: que há de mais nisso? Que há de mais
conveniente, de mais proveitoso e mais admirável que todos os presentes
creiam viverem ainda os defuntos, não deixarem de existir, e sim
existirem ao lado do Senhor? Com isso se professa uma doutrina piedosa:
os que oram por seus irmãos defuntos abrigam a esperança (de que vivem),
como se apenas casualmente estivessem longe. E sua oração ajuda aos
defuntos, mesmo se por elas não fiquem apagadas todas as dívidas […]. A
Igreja deve guardar este costume, recebido como tradição dos Pais […].
Com isto, se ensina que o Pai, o Deus unigênito e o Espírito Santo,
tanto por escrito como sem escritura, nos deram doutrinas, e que nossa
Mãe, a Igreja, nos legou preceitos, os quais são indissolúveis e
definitivos” (Adv. haer. 75, c. 8: PG 42, 514s; PR, 264).
Nas Atas de Santa Perpétua de Cartago, do início do século
III, mártir, na África, ela aparece orando por seu irmão Dinócrate,
o qual morrera jovem: pedia que ele fosse transferido do lugar
de padecimento em que se achava, para um “lugar de refrigério,
de saciedade e de alegria”. Finalmente, viu Dinócrate, de coração
puro, revestido de bela túnica, a gozar de refrigério, saciedade e
alegria, como uma criancinha que sai da água e se dispõe a brincar
(Passio, Santa Perpétua VIIs; PR, 264).
Os “Cânones de Santo Hipólito” (160-235), que se referem à Liturgia do século III, contém uma rubrica sobre os mortos:
“[…] caso se faça memória em favor daqueles que faleceram […]” (Canones Hippoliti, em Monumenta Ecclesiae Liturgica; PR, 264).
O bispo Serapião de Thmuis (século IV), no Egito, compôs
uma coletânea litúrgica, aonde se pode ver a intercessão pelos
irmãos falecidos:
“Por todos os defuntos dos quais fazemos comemoração, assim oramos:
‘Santifica essas almas, pois Tu as conheces todas; santifica todas
aquelas que dormem no Senhor; coloca-as em meio às santas Potestades
(anjos); dá-lhes lugar e permanência em teu reino’” (Journal
of Theological Studies t. 1, p. 106; PR, 264).
“Nós te suplicamos pelo repouso da alma de teu servo (ou de tua
serva) N., dá paz a seu espírito em lugar verdejante e aprazível, e
ressuscita o seu corpo no dia que determinaste” (PR, 264).
As Constituições Apostólicas, do fim do século IV, redigidas com base
em documentos bem mais antigos, no livro VIII da coleção, diz:
“Oremos pelo repouso de N., afim de que o Deus bom, recebendo a sua
alma, lhe perdoe todas as faltas voluntárias e, por sua misericórdia,
lhe dê o consórcio das almas santas” (Idem).
Confirmando toda essa tradição, em todas as missas, em qualquer das
formas da Oração Eucarística, a Igreja ora pelas almas. E o Catecismo da
Igreja Católica confirma tudo isso:
“Reconhecendo cabalmente esta comunhão de todo o corpo místico de
Jesus Cristo, a Igreja terrestre, desde os tempos primeiros da religião
cristã, venerou com grande piedade a memória dos defuntos […]”.
“A nossa oração por eles [no Purgatório] pode não somente ajudá-los,
mas também torna eficaz a sua intercessão por nós” (CIC §958).
O Papa João Paulo II reafirmou essa doutrina segura:
“Numa misteriosa troca de dons, eles [no Purgatório] intercedem por
nós e nós oferecemos por eles a nossa oração de sufrágio” (LR, 08 de
novembro de 1992, p. 11).
“[…] a sua recordação [dos defuntos] faz parte da nossa existência,
mas, sobretudo porque as suas almas intercedem por nós junto de Deus”
(LR, 02 de novembro de 1994).
Dessa certeza surgiu o dia de Finados, celebrado no dia 2
de novembro. A todos os que morreram “no sinal da fé” a Igreja
reserva um lugar importante na Liturgia: há uma lembrança diária na
Missa, com o Memento (= lembrança) dos mortos, e no Ofício divino. No
dia de Finados a Igreja autoriza que cada sacerdote possa celebrar três
Missas em sufrágio das almas pelos falecidos. Essa foi uma concessão do
Papa Bento XV em 1915, quando durante a Primeira Guerra Mundial, julgou
oportuno estender a toda Igreja este privilégio de que gozavam a
Espanha, Portugal e a América Latina desde o século XVIII.
A comemoração oficial dos falecidos é devida ao abade de Cluny, Santo
Odilon, em 998, mas, muito antes, em toda parte se celebrava a festa de
todos os santos e o dia seguinte era dedicado a memória dos fiéis
falecidos. Em Roma, em 1311, foi sancionada oficialmente a memória dos
falecidos.
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