Seminarista
responde a jovem que recorreu à morte assistida: “Eu sinto por ela e
entendo sua difícil situação, mas nenhum diagnóstico justifica o
suicídio”
No último mês, a história da norte-americana Brittany Maynard ganhou as
manchetes e os noticiários do mundo inteiro. Diagnosticada com um
glioblastoma multiforme – a forma mais agressiva e letal de câncer de
cérebro –, a jovem de 29 anos de idade publicou um vídeo na Internet,
anunciando a sua decisão de morrer [1]. Para conseguir o “direito” de
fazê-lo, Brittany se mudou da Califórnia para o Oregon, onde o “suicídio
assistido” é permitido para pacientes terminais.
Mesmo afirmando que a sua escolha poderia ser adiada, no último dia 1º
de novembro, Brittany pôs fim à própria vida. “Adeus a todos os meus
queridos amigos e parentes que amo”, escreveu ela no Facebook, horas
antes de morrer. “Hoje é o dia que escolhi partir com dignidade diante
de minha doença terminal, este terrível câncer cerebral que tirou tanto
de mim... mas que poderia ter tirado muito mais”. Os últimos dias da
vida de Brittany foram dedicados a uma campanha pela legalização do
“suicídio assistido”, chamado eufemisticamente de “morte com dignidade”.
Em inglês, a expressão utilizada pelos veículos de comunicação e pelos adeptos da campanha é “
death-with-dignity”. Deste modo, a modernidade tenta abrandar,
com palavras bonitas, aquilo que é intrinsecamente mau e condenável –
como se a alteração das palavras pudesse mudar a substância das coisas. O
“suicídio assistido”, por mais que se queira pintá-lo com novos nomes, é
o que é: um suicídio, “o mal extremo e absoluto; a recusa de
interessar-se pela existência; a recusa de fazer um juramento de
lealdade à vida”. Como bem escreve Chesterton, “o homem que mata um homem, mata um homem”, mas “o homem que se mata, mata todos os homens; no que lhe diz respeito, ele elimina o mundo” [2].
Quando se condena com veemência a atitude de Brittany, não se pretende
ignorar ou menosprezar o sofrimento pelo qual a jovem passou após
descobrir o tumor no seu cérebro. As pessoas e famílias que lidam dia a
dia com o drama do câncer – e de qualquer outra enfermidade – sabem que
não é nada fácil enfrentar a doença e, principalmente, as suas
consequências espirituais, que tocam as profundezas da existência
humana. A opção da jovem norte-americana, no entanto, mais do que um
“não” ao sofrimento, trata-se de um “não” à própria existência e à
dignidade humana. E o pior é que tudo isso recebe o amparo do Estado,
como se a liberdade humana fosse onipotente e intocável, até mesmo
quando destrói e degrada a si mesma.
A Igreja, ao assumir o papel profético de defesa da vida, não fica à
margem do mistério da dor e da morte. O Papa São João Paulo II, em 1984,
por meio da carta apostólica
Salvifici Doloris, procurou perscrutar o “sentido do sofrimento”, que ele classificava como uma experiência “quase inseparável da existência terrena do homem”. Na ocasião, o Papa afirmava que, pela Cruz, “o homem está (...) ‘destinado’ a superar-se a si mesmo” e que “o Amor é ainda a fonte mais plena para a resposta à pergunta acerca do sentido do sofrimento”
[3]. De fato, nos anos finais de seu pontificado, após a entrada no
terceiro milênio, ele mesmo enfrentaria com coragem a cruz de uma
doença, a qual, vivida com amor e entrega a Deus, elevá-lo-ia à honra
dos altares.
A santificação do sofrimento, no entanto, não é uma obra restrita ao
Papa ou a um ou outro membro do clero, mas um chamado pessoal a todos os
cristãos. Quando Brittany prenunciou ao mundo o seu suicídio, em
outubro, o jovem Philip Johnson, seminarista da Diocese de Raleigh, na
Carolina do Norte, respondeu à sua iniciativa com um bonito artigo,
publicado na Internet [4]. A sua história, muito parecida com a de
Brittany nos detalhes – também ele foi diagnosticado com um câncer
terminal no cérebro, com apenas 24 anos de idade –, tem, todavia, um
final bem diferente.
Quando descobriu o câncer, Philip servia como oficial da marinha
norte-americana no Golfo Pérsico. “Recordo o momento em que vi as
imagens computadorizadas dos scanners cerebrais. Fui à capela da base e
caí no chão chorando. Perguntei a Deus: ‘Por que eu?’”. Depois de
consultar os médicos, ele foi informado de que perderia gradualmente o
controle de suas funções corporais – “desde paralisia até incontinência”
– e que muito provavelmente também as suas faculdades mentais
desapareceriam.
Ele conta, porém, que nada disso o faria procurar o chamado “suicídio
assistido”. “Eu acho que ninguém quer morrer dessa maneira”, declara. “A
minha vida significa algo para mim, para Deus e para a minha família e
amigos, e, salvo uma recuperação milagrosa, continuará significando
muito, mesmo depois de paralisado em uma cama de hospital”.
O seminarista reconhece a tentação de Brittany de acabar com a sua vida
“por seus próprios termos”, mas não pode aceitar a sua decisão. “Eu
concordo que o seu estado é duro, mas a sua decisão é tudo, menos
corajosa”, afirma.
“Eu sinto por ela e entendo sua difícil situação, mas nenhum diagnóstico justifica o suicídio”.
Philip também assegura que, com sua doença, pôde experimentar
“incontáveis milagres”. Ele aprendeu, sobretudo, que “o sofrimento e a
dor de coração, que fazem parte da condição humana, não devem ser
desperdiçados ou interrompidos por medo ou procurando controle em uma
situação aparentemente incontrolável”. “Não procuramos a dor em si mesma
– explica Philip –, mas o nosso sofrimento pode ter grande significado
se tentamos uni-lo à Paixão de Cristo e oferecê-lo pela conversão ou
intenções dos outros”.
Mesmo passando por momentos de grande dificuldade, Johnson mantém a
confiança em Deus e segue em seus estudos para tornar-se padre. “Ainda
fico triste, ainda choro”, escreve. “Ainda peço a Deus que mostre a Sua
vontade através de todo este sofrimento e me permita ser Seu sacerdote
(...), mas sei que não estou sozinho no meu sofrimento”.
Eis o exemplo de quem se configurou à redenção de Cristo e, com isso,
deu sentido ao próprio sofrimento. Que Deus tenha misericórdia da alma
de Brittany Maynard. E que todos os que sofrem ouçam, com esperança, o
apelo de Nosso Senhor: “Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o
fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós (...), porque eu sou
manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas.
Porque meu jugo é suave e meu peso é leve.” [5].
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
- The Brittany Maynard Fund – YouTube
- Ortodoxia, V, p. 76
- Salvifici Doloris, 2. 3. 13
- Dear Brittany: Our Lives Are Worth Living, Even With Brain Cancer | Diocese of Raleigh
- Mt 11, 28-30
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