O Senhor Jesus se encontrou com os
grupos mais diversos de pessoas, dos mais simples e machucados da
sociedade até as altas autoridades que circulavam durante sua vida
pública, pelos caminhos da Judeia e da Galileia. Muitos acorriam a ele
com suas misérias e inquietações, buscando a força da mensagem
libertadora do Evangelho e a cura das enfermidades. Tantos emergiam do
meio da multidão para se fazerem seus discípulos. Outras pessoas
observavam de longe os acontecimentos. Alguns grupos se aproximavam com
questionamentos, alguns deles formulados como verdadeiras armadilhas, a
fim de envolvê-lo em contradição. A sabedoria do Senhor lhes devolvia
muitas das perguntas, remetendo sempre ao confronto vital com a verdade.
Muito expressivo é o encontro com
fariseus e herodianos (Cf. Mt 22, 15-21) a respeito do imposto devido ao
Imperador. Pode-se imaginar o contexto do comprometedor diálogo que se
travou, num ambiente em que a população vivia oprimida, pagando tributos
a uma potência estrangeira, dinheiro que chegava a uma autoridade que
se revestia de pretensos poderes divinos. A resposta de Jesus é muito
conhecida: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus, o que é de
Deus” (Mt 22, 21). Tal afirmação já foi indevidamente usada para
separar fé e vida, negócios e devoção, quando o cerne da questão é
justamente dar a Deus o que é de Deus. E a Deus pertence o coração
humano e seu destino de vida e salvação.
A narrativa encontrada nas primeiras
páginas da Bíblia indica justamente a convicção das pessoas de fé:
“Façamos o ser humano à nossa imagem e segundo nossa semelhança” (Gn 1,
26). Somos criaturas de Deus, pensadas desde toda a eternidade para
sermos felizes em comunhão com ele. Pertencer a Deus e dar-lhe o devido e
primeiro lugar em nossa vida é condição para a realização e a
felicidade. O dever do amor e da adoração a Deus é o primeiro dos
mandamentos, a primeira condição para o pleno desenvolvimento de todas
as potencialidades humanas.
Em todas as épocas da história se fizeram sentir o indiferentismo, o relativismo e o ateísmo.
Uma de suas formas ganha o nome de laicismo, diferente da laicidade. Se
a justa laicidade do Estado não assume como oficial qualquer religião, a
Igreja Católica propugna um mútuo respeito pela autonomia de cada uma
das instâncias, a civil e a religiosa. Ao Estado cabe assegurar o livre
exercício das atividades espirituais, culturais e caritativas das
pessoas de fé. Numa sociedade pluralista, a laicidade é lugar de comunhão e relacionamento entre diversas tradições espirituais e a nação. Sociedade laica não quer dizer sociedade ateia! Infelizmente,
ensina o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, permanecem, inclusive
em sociedades democráticas, expressões de laicismo intolerante, que
hostilizam qualquer forma de relevância política e cultural da fé,
procurando desqualificar o empenho social e político dos cristãos,
porque se reconhecem nas verdades ensinadas pela Igreja e obedecem ao
dever moral de ser coerentes com a própria consciência; chega-se também e mais radicalmente a negar a própria ética natural. Esta
negação, que prospecta uma condição de anarquia moral cuja consequência
é a prepotência do mais forte sobre o mais fraco, não pode ser acolhida
por nenhuma forma legítima de pluralismo, porque mina as próprias bases
da convivência humana. Neste quadro, a marginalização do Cristianismo
seria uma ameaça para os próprios fundamentos espirituais e culturais da
civilização (Cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, números 571 a 574).
Este laicismo, ideologia que pretende se
impor no mundo ocidental, e cada vez mais no Brasil, como única
admissível, tem livre trânsito na grande imprensa e deseja relegar a fé à
esfera do privado e opondo-se à sua expressão pública (Cf. São João
Paulo II, no dia 24 de janeiro de 2005). Em nome de tal
ideologia se levantam os defensores das contradições correntes, como a
defesa dos direitos dos animais a qualquer custo pelos mesmos
partidários do aborto ou de eutanásia e da absoluta falta de princípios
em assuntos de moral sexual. Podemos ampliar o horizonte, para
identificar uma verdadeira cruzada que se espalha pelo mundo pela
eliminação de todos os sinais religiosos em escolas ou outros espaços.
O Concílio Vaticano II, na Constituição
sobre a Igreja no mundo Contemporâneo, Gaudium et Spes (Cf. número 36)
já constatava que muitos parecem temer que a íntima ligação entre a
atividade humana e a religião constitua um obstáculo para a autonomia
dos homens, das sociedades ou das ciências. Se por autonomia das
realidades terrenas se entende que as coisas criadas e as próprias
sociedades têm leis e valores próprios, que o homem irá gradualmente
descobrindo, utilizando e organizando, é perfeitamente legítimo exigir
tal autonomia. Se, porém, com as palavras autonomia das realidades
temporais se entende que as criaturas não dependem de Deus e que o homem
pode usar delas sem ordená-las ao Criador, ninguém que acredite em Deus
deixa de ver a falsidade de tais afirmações. Pois, sem o Criador, a
criatura não subsiste. De resto, todas as pessoas de fé, de qualquer
religião, sempre souberam ouvir a sua voz e manifestação na linguagem
das criaturas. Antes, se se esquece Deus, a própria criatura se
obscurece.
Vivemos uma grande batalha, na qual não
nos é possível escolher, como cristãos, a não ser a dependência livre e
realizadora de Deus e da força de sua Palavra. Os direitos de Deus se
expressam magistralmente na palavra do Apóstolo: “Ninguém pode colocar
outro alicerce diferente do que já está colocado: Jesus Cristo. Se então
alguém edificar sobre esse alicerce com ouro, prata, pedras preciosas
ou com madeira, feno, palha, a obra de cada um acabará sendo conhecida: o
Dia a manifestará, pois ele se revela pelo fogo, e o fogo mostrará a
qualidade da obra de cada um. Aquele cuja construção resistir ganhará o
prêmio; aquele cuja obra for destruída perderá o prêmio – mas ele mesmo
será salvo, como que através do fogo. Acaso não sabeis que sois templo
de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o
templo de Deus, Deus o destruirá, pois o templo de Deus é santo, e esse
templo sois vós. Vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus” (I Cor 3,
11-17).
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