Para
destruir “o organismo misterioso de Cristo”, o inimigo substituiu a
adoração do Deus verdadeiro pelo culto idolátrico da “deusa da razão”.
Ainda de acordo com o Papa Pio XII, o inimigo, em sua obra para
destruir “o organismo misterioso de Cristo”, quis “a razão sem a fé”
[1].
De fato, há muito tempo os anticlericais têm levantado, ensandecidos, a
bandeira da razão, acusando a Igreja, por outro lado, de ser inimiga da
ciência. Com isso, eles propugnam um “divórcio” entre a fé e a razão,
como se aquilo que as Sagradas Escrituras definem, e o que os santos, em
sua sabedoria, ensinam, fossem inconciliáveis com o parecer da
filosofia, com o avanço das ciências e mesmo com o progresso da
civilização. A ideia é traçar uma caricatura da religião e de qualquer
um que procure conduzir sua vida de acordo com os mandamentos de Deus,
apelidando um e outro de atrasado, obscurantista e medieval – este
último, na verdade, mais um elogio que uma crítica.
Importa dizer, em primeiro lugar, que toda essa campanha – mentirosa,
mas, ainda assim, eficaz – não passa de proselitismo. Os cientificistas e
demais adeptos do “culto da ciência” não querem simplesmente afastar as
pessoas de Cristo, como eles mesmos têm uma religião, com deuses,
dogmas e ritos muito bem definidos. A entronização da “deusa da razão”
na Catedral de Notre Dame, durante as confusões que marcaram a Revolução
Francesa, em 1789, é sintomática: ao desprezar a revelação cristã e o
Deus da Bíblia, desde Abraão, Moisés e os profetas até a vinda
definitiva de Jesus, o que os iluministas ateus pretendiam – e o que os
irreligiosos modernos desejam – não era simplesmente “matar Deus”, mas
substitui-lo por um ídolo, moldado por suas próprias mãos.
O nome deste ídolo, que eles invocam com o título de “toda-poderosa”, é
a ciência. São João Paulo II constatou, em sua encíclica
Fides et Ratio, “sobre as relações entre fé e razão”, que,
ainda hoje, “uma certa mentalidade positivista continua a defender a
ilusão de que, graças às conquistas científicas e técnicas, o homem,
como se fosse um demiurgo, poderá chegar por si mesmo a garantir o
domínio total do seu destino” [2].
Não é raro, de fato, ouvir pessoas com esse discurso, alegando que, “no
futuro”, “com os avanços da ciência”, não haverá obstáculos de nenhuma
ordem para nenhum intento, nem mesmo para a manipulação da vida humana.
Aborto, eutanásia, pesquisas com células-tronco embrionárias, fecundação
in vitro, clonagem... Non est Deus, omnia licent –
Não há Deus, tudo é permitido.Tais indivíduos, no fundo, já fizeram da
ciência o seu deus, ainda que não o saibam. Colocaram-na acima de si
mesmos, da dignidade do homem e do próprio Deus, pois estão convencidas
de que algumas pesquisas de laboratório e alguns experimentos empíricos
podem abolir tudo, inclusive o bem e o mal.
A prova de que essa “mentalidade positivista” não passa de um grande
engano é que, mesmo com tantos equipamentos eletrônicos – com diferentes
nomes e múltiplos usos –, tantas informações e tantas “conquistas
científicas e técnicas”, o homem do século XXI tem tudo, menos a
felicidade. Preocupado em encher-se de máquinas e fartar-se de prazeres,
ele se esqueceu de saciar o seu coração.
Mas, como pode o homem saciar o seu coração e alcançar a felicidade?
Santo Tomás, após demonstrar por que a bem-aventurança do homem não está
nem nas riquezas, nem nas honras, nem na fama, nem no poder, nem em
nenhum bem do corpo ou da alma, remata com a seguinte lição: “
Só Deus pode satisfazer plenamente a vontade humana” [3]. O Papa São João Paulo II, explicando porque a razão sozinha não é suficiente ao ser humano, também preleciona:
“Não é possível conhecer profundamente o mundo e os fatos da história, sem ao mesmo tempo professar a fé em Deus que neles atua. A fé aperfeiçoa o olhar interior, abrindo a mente para descobrir, no curso dos acontecimentos, a presença operante da Providência. (...) O insensato ilude-se pensando que conhece muitas coisas, mas, de fato, não é capaz de fixar o olhar nas realidades essenciais. E isto impede-lhe de pôr ordem na sua mente (cf. Pr 1, 7) e de assumir uma atitude correta para consigo mesmo e o ambiente circundante. Quando, depois, chega a afirmar que ‘Deus não existe’ (Sl 14, 1; 53, 1), isso revela, com absoluta clareza, quanto seja deficiente o seu conhecimento e quão distante esteja ele da verdade plena a respeito das coisas, da sua origem e do seu destino.” [4]
Para voltar a Deus e purificar o templo profanado pelo culto idolátrico
da razão, é preciso que o homem recupere a sua vocação de ser “aquele
que procura a verdade” [5], como bem definiu João Paulo II. “Embora a
supracitada verdade da fé cristã exceda a capacidade da razão humana, os
princípios que a razão tem postos em si pela natureza não podem ser
contrários àquela verdade” [6]. O mesmo Deus que Se revelou em Cristo é o
artífice de todo o universo, o mesmo autor da fé na Palavra que se fez
carne é o autor da razão humana: fé e razão, pois, não se contradizem;
completam-se – ou melhor, exigem-se – mutuamente.
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
- Pio XII, Discorso agli uomini di Azione Cattolica, 12 ottobre 1952
- Fides et Ratio, 91
- Suma Teológica, I-II, q. 2, a. 8
- Fides et Ratio, 16. 18
- Ibidem, 28
- Santo Tomás de Aquino, Suma contra os Gentios, I, VII, 1
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