segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O CRISTIANISMO É MESMO PARA OS FRACASSADOS.

Mas a arrogância pode nos levar a enxergá-lo como a religião dos bem-sucedidos.

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"Eu jamais iria à igreja com o meu encanador". Esta frase veio da boca de um homem elegantemente vestido de terno escuro, em uma paróquia episcopaliana tradicionalista de Long Island, onde a renda é bastante superior à média do resto dos Estados Unidos e do mundo. Eu ri, entendendo que a declaração fizesse parte de uma piada, mas logo vi que ele estava falando sério. Foi um momento constrangedor.

Eu entendo o esnobismo. Todo mundo o comete, porque quase todo mundo é esnobe a respeito de alguma coisa. O que eu não entendo é que as pessoas declarem isso em voz alta. Um cristão até pode “se sentir” esnobe, em especial os que foram criados em ambientes sociais nos quais boa parte dos trabalhadores, mesmo qualificados, é vista como inferior aos banqueiros e investidores, mas quem se sente assim precisa entender qual é a impressão que provoca quando se declara assim.

Jesus morreu pelo encanador. E se Jesus morreu por ele, você pode se sentar ao lado dele e se sentir feliz com isto. A mesma coisa, aliás, se aplica ao caso de nos sentarmos ao lado daquele homem de terno escuro elegante. Jesus morreu por ele também.

Há uma quantidade bastante relevante de cristãos, nos níveis sociais ditos mais altos, que acreditam que viver virtuosamente e seguir determinadas orientações “passo-a-passo” é algo simples e que sempre dá bons resultados. Assim, é fácil esquecer que o fracasso também é bastante “simples”. Quando se pensa dessa forma, tende-se a esquecer, ainda, que o cristianismo é uma religião para os fracassados. E isso é muito bom!

As classes mais abastadas, especialmente aqui nos Estados Unidos, acham “engraçado” o elitismo de certos meios de comunicação, como o The New York Times, por exemplo: impecavelmente liberal e “esquerdista” em suas posições editoriais, ele é repleto, ao mesmo tempo, de anúncios de apartamentos, roupas e objetos que só os ricos conseguem pagar, além de relatos contínuos sobre o estilo de vida da mais alta sociedade. Os editores não estão muito mais interessados no encanador do que aquele rico episcopaliano, embora, em contraste, eles ao menos apresentem interesse no salário justo e na moradia digna do encanador.

Já na hora de avaliar criticamente a própria suposição de que o cristianismo é uma religião para os bem-sucedidos, esses cristãos “de classe superior” não acham mais que a coisa seja tão engraçada assim. Vivendo num país tão rico como os Estados Unidos, temos dificuldade em pensar de outra forma. Somos uma sociedade pelagiana.

Esta suposição pode ser identificada na preferência que é dada, em nossa vida eclesial, àqueles que são ricos de família. Ela também aparece, com mais sutileza, quando os católicos conservadores esperam contar com alguma leniência na própria anulação matrimonial, alegando, por exemplo, o bem-estar dos filhos do segundo casamento, mas se veem desconsolados quando o relatório do Sínodo Extraordinário diz que também os filhos de parceiros homossexuais precisam e merecem receber cuidados pastorais.

Essa presunção de que o cristianismo é para gente bem-sucedida socialmente também se manifesta na facilidade e na rapidez com que aceitamos censuras às falhas das outras pessoas. Aquele homem solteiro "não se assentou quando teve a chance"; aquela mulher solteira "tem sido exigente demais". Os desempregados "deveriam se esforçar mais para arrumar trabalho" ou "aceitar o que aparece para eles". Espera-se, nestes ambientes, que os “estranhos” vivam à margem porque, de alguma forma, eles devem ter escolhido ser “estranhos”.

Estas pressuposições aparecem também nos julgamentos morais que fazemos até mesmo sobre os bem-sucedidos. “Aquele esnobe do terno deveria saber que é um idiota”, pensamos nós. “O fracasso dele no mais básico da humanidade só pode ser culpa dele mesmo”.
Tudo isto se reflete na cultura de autoajuda que infecta hoje até mesmo o catolicismo. As pessoas que sofrem poderiam “mudar de vida” se simplesmente seguissem as instruções: os “dez passos para isto”, os “doze passos para aquilo”. O sucesso é vendido como tão fácil que os fracassados só podem ter optado por não ter sucesso.

Um talentoso amigo meu me comentou, pouco tempo atrás: “Como cristãos, podemos não esperar ‘a nossa melhor vida aqui e agora’, mas esperamos, sim, que a nossa fé nos dê algumas das melhores coisas aqui e agora. Mesmo que seja apenas em algumas áreas. É uma tentação humana universal, que acaba sendo agravada pelo clima consumista em que vivemos. Pense no complexo que existe no mundo católico sobre a castidade. Boa parte dele parece baseada numa versão velada dessa ‘teologia da sua melhor vida aqui e agora’. ‘Você quer o melhor do sexo? Então espere até depois de casado! Eu segui o passo-a-passo de Jesus para a minha vida sexual e nunca precisei me preocupar com doenças sexualmente transmissíveis! Esperei até o casamento e Jesus aprovou a nossa excelente vida sexual!’. E pontos de exclamação, muitos pontos de exclamação!”.

O fato é que Jesus escolheu como seus amigos mais íntimos o equivalente aos encanadores do século I. Era com aqueles amigos que ele conversava depois dos intensos dias de pregação e dedicação ao povo. Ele andava com prostitutas, bêbados e pequenos criminosos (os coletores de impostos), os fracassados do mundo; e também com os fariseus, que os evangelhos nos mostram que eram fracassados à sua própria maneira. Mas os primeiros sabiam que eram fracassados aos olhos do mundo. Os fariseus não sabiam.

Aquelas pessoas simplórias sabiam – e o mundo não as deixava esquecer – que eram as mais propensas a ouvir e aceitar a oferta do Salvador, que nos disse: “Aceite a minha graça. Você não vai sair sozinho dos buracos em que se mete. Você vai estragar tudo mais uma vez, e mais outra, e mais outra. Mas eu amo você e quero que você seja feliz”.

O pelagianismo é ruim para nós, pecadores. E o fracassado que sabe que é um fracassado é capaz de entregar mais facilmente a sua vida ao Grande Fracassado que morreu por todos na cruz.  







David Mills

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