O ano
litúrgico termina com a festa de Cristo Rei. E fica a pergunta: quem é esse
Cristo Rei para a comunidade reunida para celebrar o memorial da Páscoa? A
primeira leitura mostra em que consiste a realeza de Deus: ela é serviço à
liberdade e à vida das pessoas. Sobretudo das que são impedidas de viver.
O Evangelho,
por sua vez, nos compromete radicalmente com a prática da justiça, traduzida em
solidariedade e partilha com todos os necessitados, vendo neles o próprio
Cristo e sacramento da salvação. Jesus hoje continua nos desafiando,
colocando-nos diante dos irmãos “menores e mais fracos”. Paulo, por sua vez,
com a ressurreição de Jesus comprova a vitória da justiça. Dentro de nós há uma
semente de ressurreição, de justiça, de partilha e solidariedade. Jesus fala
das obras de misericórdia ensinadas pelo judaísmo: dar de comer aos famintos,
dar de beber aos que têm sede, acolher o estrangeiro, vestir os nus, visitar os
doentes, acrescentando a visita aos prisioneiros; não menciona, porém, a
educação dos órfãos e o sepultamento dos mortos, que também faziam parte das
recomendações. Quem não praticou essas obras perdeu a oportunidade de fazer
isso ao próprio Jesus presente nos necessitados. Se ele está nos irmãos, ele
está no meio de nós em todos os lugares e momentos. O Reino de que Jesus fala é
um reino não de poder, mas sim de serviço: “O Filho do homem não veio para ser
servido. Ele veio para servir” (Mt. 20,28). Esse é o critério de julgamento.
Entrar no
reino supõe que os discípulos tenham seguido os passos do pastor, do mestre a
serviço de todos, especialmente dos mais necessitados. É possível proclamar a
realeza de Cristo enquanto seus irmãos prediletos são excluídos da liberdade e
do direito à vida digna?
Chamá-lo de
Cristo Rei e deixá-lo com fome, com sede, sem casa, nu, doente, aprisionado,
sem direito à educação em nosso meio? “Entre nós, está, e não o conhecemos,
entre nós está e nós o desprezamos”. Nesta data em que comemoramos o dia da
consciência negra, somos chamados à conscientização e reflexão sobre a
importância da cultura e do povo africano na formação da cultura nacional, pois
colaboraram muito, durante nossa história, nos aspectos políticos, sociais,
gastronômicos e religiosos de nosso país.
É um dia que
devemos comemorar nas escolas, nos espaços culturais e em outros locais,
valorizando a cultura afro-brasileira. Por tudo isso, hoje as organizações do
Movimento negro estão unidas nas ruas clamando por: inclusão no mercado de
trabalho; titulação das terras das comunidades quilombolas; democratização do
acesso à universidade pública; aprovação do estatuto da igualdade racial;
melhor distribuição de renda; acesso à saúde e educação com qualidade; cultura
e lazer; habitação; respeito às religiões de matrizes africanas.
A lei maior
é o amor ao próximo. Vivamos este mandamento com nossos irmãos(as), sem
discriminação.
No 34º
domingo do tempo comum, celebramos a solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo,
Rei do Universo. As leituras deste domingo falam-nos do Reino de Deus (esse
Reino de que Jesus é rei). Apresentam-no como uma realidade que Jesus semeou,
que os discípulos são chamados a edificar na história (através do amor) e que
terá o seu tempo definitivo no mundo que há-de vir.
A primeira
leitura utiliza a imagem do Bom Pastor para apresentar Deus e para definir a
sua relação com os homens. A imagem sublinha, por um lado, a autoridade de Deus
e o seu papel na condução do seu Povo pelos caminhos da história; e sublinha,
por outro lado, a preocupação, o carinho, o cuidado, o amor de Deus pelo seu
Povo.
O Evangelho
apresenta-nos, num quadro dramático, o “rei” Jesus a interpelar os seus
discípulo acerca do amor que partilharam com os irmãos, sobretudo com os
pobres, os débeis, os desprotegidos. A questão é esta: o egoísmo, o fechamento
em si próprio, a indiferença para com o irmão que sofre, não têm lugar no Reino
de Deus. Quem insistir em conduzir a sua vida por esses critérios ficará à
margem do Reino.
Na segunda
leitura, Paulo lembra aos cristãos que o fim último da caminhada do crente é a
participação nesse “Reino de Deus” de vida plena, para o qual Cristo nos
conduz. Nesse Reino definitivo, Deus manifestar-Se-á em tudo e atuará como
Senhor de todas as coisas (v. 28).
1ª leitura –
Ez 34,11-12.15-17 – AMBIENTE
Ezequiel é
conhecido como “o profeta da esperança”. Desterrado na Babilônia desde 597 a.C.
(no reinado de Joaquin, quando Nabucodonosor conquista Jerusalém pela primeira
vez e deporta para a Babilônia a classe dirigente do país) Ezequiel exerce aí a
sua missão profética entre os exilados judeus.
A primeira
fase do ministério de Ezequiel decorre entre 593 a.C. (data do seu chamamento)
e 586 a.C. (data em que Jerusalém é arrasada pelas tropas de Nabucodonosor e
uma segunda leva de exilados é encaminhada para a Babilônia). Nesta fase,
Ezequiel procura destruir falsas esperanças e anuncia que, ao contrário do que
pensam os exilados, o cativeiro está para durar… Eles não só não vão regressar
a Jerusalém, mas os que ficaram em Jerusalém (e que continuam a multiplicar os
pecados e as infidelidades) vão fazer companhia aos que já estão desterrados na
Babilônia.
A segunda
fase do ministério de Ezequiel desenrola-se a partir de 586 a.C. e prolonga-se
até cerca de 570 a.C. Instalados numa terra estrangeira, privados de Templo, de
sacerdócio e de culto, os exilados estão desesperados e duvidam da bondade e do
amor de Deus. Nessa fase, Ezequiel procura alimentar a esperança dos exilados e
transmitir ao Povo a certeza de que o Deus salvador e libertador – esse Deus que
Israel descobriu na sua história – não os abandonou nem esqueceu.
O texto que
nos é hoje proposto pertence, provavelmente, à segunda fase do ministério de
Ezequiel. Depois de denunciar os “maus pastores” que exploraram e abusaram do
Povo e o conduziram por caminhos de morte e de desgraça, até à catástrofe final
de Jerusalém e ao Exílio (cf. Ez 34,1-9), o profeta anuncia a chegada de um
tempo novo em que o próprio Deus vai conduzir o seu Povo e apascentar as suas
ovelhas. É um oráculo de esperança, que abre uma nova história e propõe um novo
futuro ao Povo de Deus.
MENSAGEM
No Antigo
Médio Oriente, o título de “pastor” é atribuído, frequentemente, aos deuses e
aos reis. É um título bastante expressivo em civilizações que viviam da
agricultura e do pastoreio. A metáfora expressa admiravelmente dois aspectos,
aparentemente contrários e com frequência separados, da autoridade exercida
sobre os homens: o pastor é, ao mesmo tempo, um chefe que dirige o seu rebanho
e um companheiro que acompanha as ovelhas na sua caminhada para as pastagens
onde há vida.
Além disso,
o pastor é um homem forte, capaz de defender o seu rebanho contra os animais
selvagens; e é também delicado para as suas ovelhas. Conhece o estado e as
necessidades de cada uma, leva nos braços as mais frágeis e débeis, ama-as e
trata-as com carinho. A sua autoridade não se discute: está fundada na entrega
e no amor.
É sobre este
fundo que Ezequiel vai colocar as relações que unem Deus e Israel.
A este Povo
a quem os pastores humanos (os reis, os sacerdotes, a classe dirigente)
trataram tão mal, o profeta anuncia a chegada desse tempo novo em que Jahwéh
vai assumir a sua função de pastor do seu Povo. Como é que Deus desempenhará
essa função?
Deus vai
cuidar das suas ovelhas e interessar-se por elas. Neste momento, as ovelhas
estão dispersas numa terra estrangeira, depois dos acontecimentos dramáticos
que trouxeram ao rebanho morte e desolação; mas Deus, o Bom Pastor, vai
reuni-las, reconduzi-las à sua própria terra e apascentá-las em pastagens
férteis e tranqüilas (vs. 11-12).
Mais: Deus,
o Bom Pastor, irá procurar cada ovelha perdida e tresmalhada, cuidar da que
está ferida e doente, vigiar a que está gorda e forte (v. 16); além disso,
julgará pessoalmente os conflitos entre as mais poderosas e as mais débeis, a
fim de que o direito das fracas não seja pisado (v. 17).
ATUALIZAÇÃO
• A imagem
bíblica do Bom Pastor é uma imagem privilegiada para apresentar Deus e para
definir a sua relação com os homens. Sublinha a sua autoridade e o seu papel na
condução do seu Povo pelos caminhos da história; mas, sobretudo, sublinha a
preocupação, o carinho, o cuidado, o amor de Deus pelo seu Povo. Na nossa
cultura urbana, já nem todos entendem a figura do “pastor”; mas todos são
convidados a entregar-se nas mãos de Deus, a confiar totalmente n’Ele, a
deixar-se conduzir por Ele, a fazer a experiência do seu amor e da sua bondade.
É uma experiência tranquilizante e libertadora, que nos traz serenidade e paz.
• Também
aqui, a questão não é se Deus é ou não “pastor” (Ele é sempre “pastor”!); mas é
se estamos ou não dispostos a segui-l’O, a deixar-nos conduzir por Ele, a
confiar n’Ele para atravessar vales sombrios, a deixar-nos levar ao colo por
Ele para que os nossos pés não se firam nas pedras do caminho. Uma certa
cultura contemporânea assegura-nos que só nos realizaremos se nos libertarmos
de Deus e formos os guias de nós próprios. O que escolhemos para nos conduzir à
felicidade e à vida plena: Deus ou o nosso orgulho e auto-suficiência?
• Às vezes,
fugindo de Deus, agarramo-nos a outros “pastores” e fazemos deles a nossa
referência, o nosso líder, o nosso ídolo. O que é que nos conduz e condiciona
as nossas opções: a riqueza e o poder? Os valores ditados por aqueles que têm a
pretensão de saber tudo? O política e socialmente correto? A opinião pública? O
presidente do partido? O comodismo e a instalação? A preservação dos nossos
esquemas egoístas e dos nossos privilégios? O êxito e o triunfo a qualquer
custo? O herói mais giro da telenovela? O programa de maior audiência da estação
televisiva de maior audiência?
2 leitura –
1Cor. 15,20-26.28 - AMBIENTE
No decurso
da sua segunda viagem missionária, Paulo chegou a Corinto, vindo de Atenas, e
ficou por lá cerca 18 meses (anos 50-52). De acordo com At. 18,2-4, Paulo
começou a trabalhar em casa de Priscila e Áquila, um casal de judeo-cristãos.
No sábado, usava da palavra na sinagoga. Com a chegada a Corinto de Silvano e
Timóteo (2Cor. 1,19; At. 18,5), Paulo consagrou-se inteiramente ao anúncio do
Evangelho. Mas não tardou a entrar em conflito com os judeus e foi expulso da
sinagoga.
Como
resultado da pregação de Paulo nasceu, contudo, a comunidade cristã de Corinto.
A maior parte dos membros da comunidade eram de origem grega, embora, em geral,
de condição humilde (cf. 1Cor. 11,26-29; 8,7; 10,14.20; 12,2); mas também havia
elementos de origem hebraica (cf. At. 18,8; 1Cor. 1,22-24; 10,32; 12,13).
De uma forma
geral, a comunidade era viva e fervorosa; no entanto, estava exposta aos
perigos do ambiente corrupto que se respirava na cidade e não podia deixar de
ser influenciada por esse ambiente. É neste contexto que podemos entender
alguns dos problemas sentidos na comunidade e apontados na Primeira Carta aos
Coríntios: moral dissoluta (cf. 1Cor. 6,12-20; 5,1-2), querelas, disputas, lutas
(cf. 1Cor. 1,11-12), sedução da sabedoria filosófica de origem pagã que se
introduzia na Igreja revestida de um superficial verniz cristão (cf. 1Cor.
1,19-2,10)… Na comunidade de Corinto, vemos as dificuldades da fé cristã em
inserir-se num ambiente hostil, marcado por uma cultura pagã e por um conjunto
de valores que estão em contradição com a pureza da mensagem evangélica.
Um dos
pontos onde havia uma notória dificuldade em conciliar os dados da fé cristã
com os valores do mundo grego era na questão da ressurreição. Enquanto que a
ressurreição dos mortos era relativamente bem aceite no judaísmo (habituado a
ver o homem na sua unidade), constituía um problema muito sério para a
mentalidade grega. A cultura grega estava fortemente influenciada por filosofias
dualistas, que viam no corpo uma realidade negativa e na alma uma realidade
nobre e ideal. Aceitar que a alma viveria sempre não era difícil para a
mentalidade grega… O problema era aceitar a ressurreição do homem total: sendo
o homem (de acordo com a mentalidade grega) constituído por alma e corpo, como
podemos falar da ressurreição do homem?
MENSAGEM
Frente às
objeções e dúvidas dos coríntios, Paulo parte da ressurreição de Cristo (cf.
1Cor. 15,1-11), para concluir que todos aqueles que se identificarem com Cristo
ressuscitarão também (cf. 1Cor. 15,12-34).
O nosso
texto começa precisamente com a afirmação de que “Cristo ressuscitou dos
mortos, como primícias dos que morreram” (v. 20). A sua ressurreição não foi um
caso único e excepcional, mas o primeiro caso. “Primeiro” deve ser entendido
aqui, não apenas em sentido cronológico, mas sobretudo no sentido do princípio
ativo da ressurreição de todos os outros homens e mulheres. Cristo foi
constituído por Deus princípio de uma nova humanidade; a sua ressurreição
arrasta atrás de si toda a sua “descendência” – isto é, todos aqueles que se
identificam com Ele, que acolheram a sua proposta de vida e o seguiram – ao
encontro da vida plena e eterna (vs. 21-23).
O destino
dessa nova humanidade é o Reino de Deus. O Reino de Deus será uma realidade
onde o egoísmo, a injustiça, a miséria, o sofrimento, o medo, o pecado, e até a
morte (isto é, todos os inimigos da vida e do homem) estarão definitivamente
ausentes, pois terão sido vencidos por Cristo (vs. 24-26). Nesse Reino
definitivo, Deus manifestar-Se-á em tudo e atuará como Senhor de todas as
coisas (v. 28).
A reflexão
de Paulo lembra aos cristãos que o fim último da caminhada do crente é a
participação nesse “Reino de Deus” de vida plena e definitiva, para o qual
Cristo nos conduz.
ATUALIZAÇÃO
• O nosso
texto garante-nos que a meta final da nossa caminhada é o Reino de Deus – isto
é, uma realidade de vida plena e definitiva, de onde a doença, a tristeza, o
sofrimento, a injustiça, a prepotência, a morte estarão ausentes. Convém ter
sempre presente esta realidade, ao longo da nossa peregrinação pela terra… A
nossa vida presente não é um drama absurdo, sem sentido e sem finalidade; é uma
caminhada tranquila, confiante – ainda quando feita no sofrimento e na dor – em
direção a esse desabrochar pleno, a essa vida total que Deus nos reserva.
• Como é que
aí chegamos? Paulo responde: identificando-nos com Cristo. A ressurreição de
Cristo é o “selo de garantia” de Deus para uma vida oferecida ao projeto do
Reino… Demonstra que uma vida vivida na escuta atenta dos projetos do Pai e no
amor e no serviço aos homens conduz à vida plena; demonstra que uma vida gasta
na luta contra o egoísmo, a opressão e o pecado conduz à vida definitiva;
demonstra que uma vida gasta ao serviço da construção do Reino conduz à vida
verdadeira… Se a nossa vida for gasta do mesmo jeito, seguiremos Cristo na
ressurreição, atingiremos a vida nova do Homem Novo e estaremos para sempre com
Ele nesse Reino livre do sofrimento, do pecado e da morte que Deus reserva para
os seus filhos.
• Descobrir
que o Reino da vida definitiva é a nossa meta final significa eliminar
definitivamente o medo que nos impede de atuar e de assumir um papel de
protagonismo na construção de um mundo novo. Quem tem no horizonte final da sua
vida o Reino de Deus, pode comprometer-se na luta pela justiça e pela paz, com
a certeza de que a injustiça, a opressão, a oposição dos poderosos, a morte não
podem pôr fim à vida que o anima. Ter como meta final o Reino significa
libertarmo-nos do medo que nos paralisa e encontrarmos razões para um
compromisso mais consequente com Deus, com o mundo e com os homens.
Evangelho –
Mt 25,31-46 – AMBIENTE
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 31“Quando o Filho do Homem vier em sua glória, acompanhado de todos os anjos, então se assentará em seu trono glorioso.
32Todos os povos
da terra serão reunidos diante dele, e ele separará uns dos outros,
assim como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. 33E colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda.
34Então o Rei
dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai!
Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do
mundo! 35Pois
eu estava com fome e me destes de comer; eu estava com sede e me destes
de beber; eu era estrangeiro e me recebestes em casa; 36eu estava nu e me vestistes; eu estava doente e cuidastes de mim; eu estava na prisão e fostes me visitar’.
37Então os justos lhe perguntarão: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? Com sede e te demos de beber? 38Quando foi que te vimos como estrangeiro e te recebemos em casa, e sem roupa e te vestimos? 39Quando foi que te vimos doente ou preso e fomos te visitar?’
40Então o Rei
lhes responderá: ‘Em verdade eu vos digo que todas as vezes que fizestes
isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes!’
41Depois o Rei
dirá aos que estiverem à sua esquerda: ‘Afastai-vos de mim, malditos!
Ide para o fogo eterno, preparado para o diabo e para os seus anjos. 42Pois eu estava com fome e não me destes de comer; eu estava com sede e não me destes de beber; 43eu
era estrangeiro e não me recebestes em casa; eu estava nu e não me
vestistes; eu estava doente e na prisão e não me fostes visitar’.
44E responderão
também eles: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome, ou com sede,
como estrangeiro, ou nu, doente ou preso, e não te servimos?’
45Então o Rei
lhes responderá: ‘Em verdade eu vos digo: todas as vezes que não
fizestes isso a um desses pequeninos, foi a mim que não o fizestes!’
46Portanto, estes irão para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna”.
Esta
impressionante descrição do juízo final é a conclusão das três parábolas
precedentes (a “parábola do mordomo fiel e do mordomo infiel” – cf. Mt.
24,45-51; a “parábola das jovens previdentes e das jovens descuidadas” – cf.
Mt. 25,1-13; a “parábola dos talentos” – cf. Mt. 25,14-30). Tanto no texto que
nos é proposto como nessas três parábolas aparecem dois grupos de pessoas que tiveram
comportamentos diversos enquanto esperavam a vinda do Senhor Jesus. O autor do
texto mostra agora qual será o “fim” daqueles que se mantiveram e daqueles que
não se mantiveram vigilantes e preparados para a vinda do Senhor.
Mais uma
vez, para percebermos a catequese que Mateus aqui desenvolve, temos de recordar
o contexto da comunidade cristã a quem ela se destina. Estamos nos últimos
decênios do séc. I (década de 80). Já passou o entusiasmo inicial pela vinda
iminente de Jesus para instaurar o Reino definitivo. Os cristãos que constituem
a comunidade de Mateus estão desinteressados, instalados, acomodados; vivem a
fé de forma rotineira, morna, pouco exigente e pouco comprometida; alguns,
diante das dificuldades, deixam a comunidade e renunciam ao Evangelho…
Mateus,
preocupado com a situação, procura revitalizar a fé, reacender o entusiasmo,
entusiasmar ao compromisso. Vai fazê-lo através de uma catequese que convida à
vigilância, enquanto se espera o encontro final com Cristo.
No texto que
nos é proposto, Mateus mostra aos crentes da sua comunidade – com a linguagem
veemente dos pregadores da época – o que espera, no final da caminhada, quer
aqueles que se mantiveram vigilantes e viveram de acordo com os ensinamentos de
Jesus, quer aqueles que se esqueceram dos valores do Evangelho e que conduziram
a vida de acordo com outros interesses e preocupações.
MENSAGEM
A parábola
do juízo final começa com uma introdução (vs. 31-33) que apresenta o quadro: o
“Filho do Homem” sentado no seu trono, a separar as pessoas umas das outras
“como o pastor separa as ovelhas dos cabritos”.
Vêm, depois,
dois diálogos. Um, entre “o rei” e “as ovelhas” que estão à sua direita (vs.
34-40); outro, entre “o rei” e os “cabritos” que estão à sua esquerda (vs.
41-46). No primeiro diálogo, o “rei” acolhe as “ovelhas” e convida-as a tomar
posse da herança do “Reino”; no segundo diálogo, o “rei” afasta os “cabritos” e
impede-os de tomar posse da herança do Reino. Porquê? Qual é o critério que “o
rei” utiliza para acolher uns e rejeitar outros?
A questão
decisiva parece ser, na perspectiva de Mateus, a atitude de amor ou de
indiferença para com os irmãos mais pequenos de Jesus, que se encontram em
situações dramáticas de necessidade – os que têm fome, os que têm sede, os
peregrinos, os que não têm que vestir, os que estão doentes, os que estão na
prisão… Jesus identifica-Se com os pequenos, os pobres, os débeis, os
marginalizados; manifestar amor e solidariedade para com o pobre é fazê-lo ao
próprio Jesus e manifestar egoísmo e indiferença para com o pobre é fazê-lo ao
próprio Jesus.
A cena pode
interpretar-se de duas maneiras, dependendo de como entendemos a palavra
“irmão”. Entendida em sentido genérico, a palavra “irmão” designaria qualquer
homem; neste caso, a exortação de Jesus convida os que querem entrar no Reino a
ir ao encontro de qualquer homem que tenha fome, que tenha sede, que seja
peregrino, que esteja nu, esteja doente ou que esteja na prisão, para lhe
manifestar amor e solidariedade. Entendida num sentido mais restrito, a palavra
“irmão” designaria os membros da comunidade cristã… De qualquer forma, os dois
sentidos não se excluem; e é possível que Mateus se refira às duas realidades.
A exortação
que Mateus lança à sua comunidade cristã (e às comunidades cristãs de todos os
tempos e lugares) nas parábolas precedentes ganha, assim, uma força
impressionante à luz desta cena final. Com os dados que este Evangelho nos
apresenta, fica perfeitamente evidente que “estar vigilantes e preparados” (que
é o grande tema do “discurso escatológico” dos capítulos 24 e 25) consiste,
principalmente, em viver o amor e a solidariedade para com os pobres, os
pequenos, os desprotegidos, os marginalizados. Em última análise, é esse o
critério que decide a entrada ou a não entrada no Reino de Deus.
Esta
exortação dirige-se a uma comunidade que negligencia o amor aos irmãos, que
vive na indiferença ao sofrimento dos mais débeis, que é insensível ao drama
dos pobres e que não cuida dos pequenos e dos desprotegidos. Como essas são
atitudes que não se coadunam com a lógica do Reino, quem vive desse jeito não
poderá fazer parte do Reino.
A cena do
juízo final será uma descrição exata e fotográfica do que vai acontecer no
final dos tempos?
É claro que
não. Mateus não é um repórter, mas um catequista a instruir a sua comunidade
sobre os critérios e as lógicas de Deus. O objetivo do catequista Mateus é
deixar bem claro que Deus não aprova uma vida conduzida por critérios de
egoísmo, onde não há lugar para o amor a todos os irmãos, particularmente aos
mais pobres e débeis. Um dos pormenores mais sugestivos é a identificação de
Cristo com os famintos, os abandonados, os pequenos, os desprotegidos: todos
eles são membros de Cristo e não os amar é não amar Cristo. Dizer que se ama
Cristo e não viver do jeito de Cristo, no amor a todos os homens, é uma mentira
e uma incoerência.
Deus condena
os maus (“os cabritos”) ao inferno? Não. Deus não condena ninguém. Quem se
condena ou não é o homem, na medida em que não aceita ou aceita a vida que Deus
lhe oferece. E haverá alguém que, tendo consciência plena do que está em jogo,
rejeite o amor e escolha, em definitivo, o egoísmo, o orgulho, a
auto-suficiência – isto é, o afastamento definitivo de Deus e do Reino? Haverá
alguém que, percebendo o sem sentido dessas opções, se obstine nelas por toda a
eternidade?
Então,
porque é que Mateus põe Deus a dizer aos “cabritos”: “afastai-vos de mim,
malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e para os seus anjos”?
Porque Mateus é um pregador veemente, que usa a técnica dos pregadores da época
e gosta de recorrer a imagens fortes que toquem o auditório e que o levem a
sentir-se interpelado. Para além dos exageros de linguagem, a mensagem é esta:
o egoísmo e a indiferença para com o irmão não têm lugar no Reino de Deus.
ATUALIZAÇÃO
• Quem é que
a nossa sociedade considera uma “pessoa de sucesso”? Qual o perfil do homem
“importante”? Quais são os padrões usados pela nossa cultura para aferir a
realização ou a não realização de alguém? No geral, o “homem de sucesso”, que
todos reconhecem como importante e realizado, é aquele que tem dinheiro
suficiente para concretizar todos os sonhos e fantasias, que tem poder
suficiente para ser temido, que tem êxito suficiente para juntar à sua volta
multidões de aduladores, que tem fama suficiente para ser invejado, que tem
talento suficiente para ser admirado, que tem a pouca vergonha suficiente para
dizer ou fazer o que lhe apetece, que tem a vaidade suficiente para se
apresentar aos outros como modelo de vida… No entanto, de acordo com a parábola
que o Evangelho propõe, o critério fundamental usado por Jesus para definir
quem é uma “pessoa de sucesso” é a capacidade de amar o irmão, sobretudo o mais
pobre e desprotegido. Para mim, o que é que faz mais sentido: o critério do
mundo ou o critério de Deus? Na minha perspectiva, qual é mais útil e
necessário: o “homem de sucesso” do mundo ou o “homem de sucesso” de Deus?
• O amor ao
irmão é, portanto, uma condição essencial para fazer parte do Reino. Nós
cristãos, cidadãos do Reino, temos consciência disso e sentimo-nos responsáveis
por todos os irmãos que sofrem? Os que não têm trabalho, nem pão, nem casa,
podem contar com a nossa solidariedade ativa? Os imigrantes, perdidos numa
realidade cultural e social estranha, vítimas de injustiças e violências,
condenados a um trabalho escravo e que, tantas vezes, não respeita a sua
dignidade, podem contar com a nossa solidariedade ativa? Os pobres, vítimas de
injustiças, que nem sequer têm a possibilidade de recorrer aos tribunais para
que lhes seja feita justiça, podem contar com a nossa solidariedade ativa? Os
que sobrevivem com pensões de miséria, sem possibilidades de comprar os
medicamentos necessários para aliviar os seus padecimentos, podem contar com a
nossa solidariedade ativa? Os que estão sozinhos, abandonados por todos, sem
amor nem amizade, podem contar com a nossa solidariedade ativa? Os que estão
presos a um leito de hospital ou a uma cela de prisão, marginalizados e
condenados em vida, podem contar com a nossa solidariedade ativa?
• O Reino de
Deus – isto é, esse mundo novo onde reinam os critérios de Deus e que se
constrói de acordo com os valores de Deus – é uma semente que Jesus semeou, que
os discípulos são chamados a edificar na história (através do amor) e que terá
o seu tempo definitivo no mundo que há-de vir. Não esqueçamos, no entanto, este
fato essencial: o Reino de Deus está no meio de nós; a nossa missão é fazer com
que ele seja uma realidade bem viva e bem presente no nosso mundo. Depende de
nós fazer com que o Reino deixe de ser uma miragem, para passar a ser uma
realidade a crescer e a transformar o mundo e a vida dos homens.
• Alguém
acusou a religião cristã de ser o “ópio do povo”, por pôr as pessoas a sonhar
com o mundo que há-de vir, em lugar de as levar a um compromisso efetivo com a
transformação do mundo, aqui e agora. Na verdade, nós os cristãos caminhamos ao
encontro do mundo que há-de vir, mas de pés bem assentes na terra, atentos à
realidade que nos rodeia e preocupados em construir, desde já, um mundo de
justiça, de fraternidade, de liberdade e de paz. A experiência religiosa não
pode, nunca, servir-nos de pretexto para a evasão, para a fuga às
responsabilidades, para a demissão das nossas obrigações para com o mundo e para
com os irmãos.
P. Joaquim Garrido, P. Manuel
Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
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