sábado, 22 de novembro de 2014

SOLENIDADE DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO.


O ano litúrgico termina com a festa de Cristo Rei. E fica a pergunta: quem é esse Cristo Rei para a comunidade reunida para celebrar o memorial da Páscoa? A primeira leitura mostra em que consiste a realeza de Deus: ela é serviço à liberdade e à vida das pessoas. Sobretudo das que são impedidas de viver.
O Evangelho, por sua vez, nos compromete radicalmente com a prática da justiça, traduzida em solidariedade e partilha com todos os necessitados, vendo neles o próprio Cristo e sacramento da salvação. Jesus hoje continua nos desafiando, colocando-nos diante dos irmãos “menores e mais fracos”. Paulo, por sua vez, com a ressurreição de Jesus comprova a vitória da justiça. Dentro de nós há uma semente de ressurreição, de justiça, de partilha e solidariedade. Jesus fala das obras de misericórdia ensinadas pelo judaísmo: dar de comer aos famintos, dar de beber aos que têm sede, acolher o estrangeiro, vestir os nus, visitar os doentes, acrescentando a visita aos prisioneiros; não menciona, porém, a educação dos órfãos e o sepultamento dos mortos, que também faziam parte das recomendações. Quem não praticou essas obras perdeu a oportunidade de fazer isso ao próprio Jesus presente nos necessitados. Se ele está nos irmãos, ele está no meio de nós em todos os lugares e momentos. O Reino de que Jesus fala é um reino não de poder, mas sim de serviço: “O Filho do homem não veio para ser servido. Ele veio para servir” (Mt. 20,28). Esse é o critério de julgamento.
Entrar no reino supõe que os discípulos tenham seguido os passos do pastor, do mestre a serviço de todos, especialmente dos mais necessitados. É possível proclamar a realeza de Cristo enquanto seus irmãos prediletos são excluídos da liberdade e do direito à vida digna?
Chamá-lo de Cristo Rei e deixá-lo com fome, com sede, sem casa, nu, doente, aprisionado, sem direito à educação em nosso meio? “Entre nós, está, e não o conhecemos, entre nós está e nós o desprezamos”. Nesta data em que comemoramos o dia da consciência negra, somos chamados à conscientização e reflexão sobre a importância da cultura e do povo africano na formação da cultura nacional, pois colaboraram muito, durante nossa história, nos aspectos políticos, sociais, gastronômicos e religiosos de nosso país.
É um dia que devemos comemorar nas escolas, nos espaços culturais e em outros locais, valorizando a cultura afro-brasileira. Por tudo isso, hoje as organizações do Movimento negro estão unidas nas ruas clamando por: inclusão no mercado de trabalho; titulação das terras das comunidades quilombolas; democratização do acesso à universidade pública; aprovação do estatuto da igualdade racial; melhor distribuição de renda; acesso à saúde e educação com qualidade; cultura e lazer; habitação; respeito às religiões de matrizes africanas.
A lei maior é o amor ao próximo. Vivamos este mandamento com nossos irmãos(as), sem discriminação.



No 34º domingo do tempo comum, celebramos a solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. As leituras deste domingo falam-nos do Reino de Deus (esse Reino de que Jesus é rei). Apresentam-no como uma realidade que Jesus semeou, que os discípulos são chamados a edificar na história (através do amor) e que terá o seu tempo definitivo no mundo que há-de vir.
A primeira leitura utiliza a imagem do Bom Pastor para apresentar Deus e para definir a sua relação com os homens. A imagem sublinha, por um lado, a autoridade de Deus e o seu papel na condução do seu Povo pelos caminhos da história; e sublinha, por outro lado, a preocupação, o carinho, o cuidado, o amor de Deus pelo seu Povo.
O Evangelho apresenta-nos, num quadro dramático, o “rei” Jesus a interpelar os seus discípulo acerca do amor que partilharam com os irmãos, sobretudo com os pobres, os débeis, os desprotegidos. A questão é esta: o egoísmo, o fechamento em si próprio, a indiferença para com o irmão que sofre, não têm lugar no Reino de Deus. Quem insistir em conduzir a sua vida por esses critérios ficará à margem do Reino.
Na segunda leitura, Paulo lembra aos cristãos que o fim último da caminhada do crente é a participação nesse “Reino de Deus” de vida plena, para o qual Cristo nos conduz. Nesse Reino definitivo, Deus manifestar-Se-á em tudo e atuará como Senhor de todas as coisas (v. 28).
 
1ª leitura – Ez 34,11-12.15-17 – AMBIENTE
Ezequiel é conhecido como “o profeta da esperança”. Desterrado na Babilônia desde 597 a.C. (no reinado de Joaquin, quando Nabucodonosor conquista Jerusalém pela primeira vez e deporta para a Babilônia a classe dirigente do país) Ezequiel exerce aí a sua missão profética entre os exilados judeus.
A primeira fase do ministério de Ezequiel decorre entre 593 a.C. (data do seu chamamento) e 586 a.C. (data em que Jerusalém é arrasada pelas tropas de Nabucodonosor e uma segunda leva de exilados é encaminhada para a Babilônia). Nesta fase, Ezequiel procura destruir falsas esperanças e anuncia que, ao contrário do que pensam os exilados, o cativeiro está para durar… Eles não só não vão regressar a Jerusalém, mas os que ficaram em Jerusalém (e que continuam a multiplicar os pecados e as infidelidades) vão fazer companhia aos que já estão desterrados na Babilônia.
A segunda fase do ministério de Ezequiel desenrola-se a partir de 586 a.C. e prolonga-se até cerca de 570 a.C. Instalados numa terra estrangeira, privados de Templo, de sacerdócio e de culto, os exilados estão desesperados e duvidam da bondade e do amor de Deus. Nessa fase, Ezequiel procura alimentar a esperança dos exilados e transmitir ao Povo a certeza de que o Deus salvador e libertador – esse Deus que Israel descobriu na sua história – não os abandonou nem esqueceu.
O texto que nos é hoje proposto pertence, provavelmente, à segunda fase do ministério de Ezequiel. Depois de denunciar os “maus pastores” que exploraram e abusaram do Povo e o conduziram por caminhos de morte e de desgraça, até à catástrofe final de Jerusalém e ao Exílio (cf. Ez 34,1-9), o profeta anuncia a chegada de um tempo novo em que o próprio Deus vai conduzir o seu Povo e apascentar as suas ovelhas. É um oráculo de esperança, que abre uma nova história e propõe um novo futuro ao Povo de Deus.
 
MENSAGEM
No Antigo Médio Oriente, o título de “pastor” é atribuído, frequentemente, aos deuses e aos reis. É um título bastante expressivo em civilizações que viviam da agricultura e do pastoreio. A metáfora expressa admiravelmente dois aspectos, aparentemente contrários e com frequência separados, da autoridade exercida sobre os homens: o pastor é, ao mesmo tempo, um chefe que dirige o seu rebanho e um companheiro que acompanha as ovelhas na sua caminhada para as pastagens onde há vida.
Além disso, o pastor é um homem forte, capaz de defender o seu rebanho contra os animais selvagens; e é também delicado para as suas ovelhas. Conhece o estado e as necessidades de cada uma, leva nos braços as mais frágeis e débeis, ama-as e trata-as com carinho. A sua autoridade não se discute: está fundada na entrega e no amor.
É sobre este fundo que Ezequiel vai colocar as relações que unem Deus e Israel.
A este Povo a quem os pastores humanos (os reis, os sacerdotes, a classe dirigente) trataram tão mal, o profeta anuncia a chegada desse tempo novo em que Jahwéh vai assumir a sua função de pastor do seu Povo. Como é que Deus desempenhará essa função?
Deus vai cuidar das suas ovelhas e interessar-se por elas. Neste momento, as ovelhas estão dispersas numa terra estrangeira, depois dos acontecimentos dramáticos que trouxeram ao rebanho morte e desolação; mas Deus, o Bom Pastor, vai reuni-las, reconduzi-las à sua própria terra e apascentá-las em pastagens férteis e tranqüilas (vs. 11-12).
Mais: Deus, o Bom Pastor, irá procurar cada ovelha perdida e tresmalhada, cuidar da que está ferida e doente, vigiar a que está gorda e forte (v. 16); além disso, julgará pessoalmente os conflitos entre as mais poderosas e as mais débeis, a fim de que o direito das fracas não seja pisado (v. 17).
 
ATUALIZAÇÃO
• A imagem bíblica do Bom Pastor é uma imagem privilegiada para apresentar Deus e para definir a sua relação com os homens. Sublinha a sua autoridade e o seu papel na condução do seu Povo pelos caminhos da história; mas, sobretudo, sublinha a preocupação, o carinho, o cuidado, o amor de Deus pelo seu Povo. Na nossa cultura urbana, já nem todos entendem a figura do “pastor”; mas todos são convidados a entregar-se nas mãos de Deus, a confiar totalmente n’Ele, a deixar-se conduzir por Ele, a fazer a experiência do seu amor e da sua bondade. É uma experiência tranquilizante e libertadora, que nos traz serenidade e paz.
• Também aqui, a questão não é se Deus é ou não “pastor” (Ele é sempre “pastor”!); mas é se estamos ou não dispostos a segui-l’O, a deixar-nos conduzir por Ele, a confiar n’Ele para atravessar vales sombrios, a deixar-nos levar ao colo por Ele para que os nossos pés não se firam nas pedras do caminho. Uma certa cultura contemporânea assegura-nos que só nos realizaremos se nos libertarmos de Deus e formos os guias de nós próprios. O que escolhemos para nos conduzir à felicidade e à vida plena: Deus ou o nosso orgulho e auto-suficiência?
• Às vezes, fugindo de Deus, agarramo-nos a outros “pastores” e fazemos deles a nossa referência, o nosso líder, o nosso ídolo. O que é que nos conduz e condiciona as nossas opções: a riqueza e o poder? Os valores ditados por aqueles que têm a pretensão de saber tudo? O política e socialmente correto? A opinião pública? O presidente do partido? O comodismo e a instalação? A preservação dos nossos esquemas egoístas e dos nossos privilégios? O êxito e o triunfo a qualquer custo? O herói mais giro da telenovela? O programa de maior audiência da estação televisiva de maior audiência?
 
2 leitura – 1Cor. 15,20-26.28 - AMBIENTE
 
No decurso da sua segunda viagem missionária, Paulo chegou a Corinto, vindo de Atenas, e ficou por lá cerca 18 meses (anos 50-52). De acordo com At. 18,2-4, Paulo começou a trabalhar em casa de Priscila e Áquila, um casal de judeo-cristãos. No sábado, usava da palavra na sinagoga. Com a chegada a Corinto de Silvano e Timóteo (2Cor. 1,19; At. 18,5), Paulo consagrou-se inteiramente ao anúncio do Evangelho. Mas não tardou a entrar em conflito com os judeus e foi expulso da sinagoga.
Como resultado da pregação de Paulo nasceu, contudo, a comunidade cristã de Corinto. A maior parte dos membros da comunidade eram de origem grega, embora, em geral, de condição humilde (cf. 1Cor. 11,26-29; 8,7; 10,14.20; 12,2); mas também havia elementos de origem hebraica (cf. At. 18,8; 1Cor. 1,22-24; 10,32; 12,13).
De uma forma geral, a comunidade era viva e fervorosa; no entanto, estava exposta aos perigos do ambiente corrupto que se respirava na cidade e não podia deixar de ser influenciada por esse ambiente. É neste contexto que podemos entender alguns dos problemas sentidos na comunidade e apontados na Primeira Carta aos Coríntios: moral dissoluta (cf. 1Cor. 6,12-20; 5,1-2), querelas, disputas, lutas (cf. 1Cor. 1,11-12), sedução da sabedoria filosófica de origem pagã que se introduzia na Igreja revestida de um superficial verniz cristão (cf. 1Cor. 1,19-2,10)… Na comunidade de Corinto, vemos as dificuldades da fé cristã em inserir-se num ambiente hostil, marcado por uma cultura pagã e por um conjunto de valores que estão em contradição com a pureza da mensagem evangélica.
Um dos pontos onde havia uma notória dificuldade em conciliar os dados da fé cristã com os valores do mundo grego era na questão da ressurreição. Enquanto que a ressurreição dos mortos era relativamente bem aceite no judaísmo (habituado a ver o homem na sua unidade), constituía um problema muito sério para a mentalidade grega. A cultura grega estava fortemente influenciada por filosofias dualistas, que viam no corpo uma realidade negativa e na alma uma realidade nobre e ideal. Aceitar que a alma viveria sempre não era difícil para a mentalidade grega… O problema era aceitar a ressurreição do homem total: sendo o homem (de acordo com a mentalidade grega) constituído por alma e corpo, como podemos falar da ressurreição do homem?
 
MENSAGEM
Frente às objeções e dúvidas dos coríntios, Paulo parte da ressurreição de Cristo (cf. 1Cor. 15,1-11), para concluir que todos aqueles que se identificarem com Cristo ressuscitarão também (cf. 1Cor. 15,12-34).
O nosso texto começa precisamente com a afirmação de que “Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram” (v. 20). A sua ressurreição não foi um caso único e excepcional, mas o primeiro caso. “Primeiro” deve ser entendido aqui, não apenas em sentido cronológico, mas sobretudo no sentido do princípio ativo da ressurreição de todos os outros homens e mulheres. Cristo foi constituído por Deus princípio de uma nova humanidade; a sua ressurreição arrasta atrás de si toda a sua “descendência” – isto é, todos aqueles que se identificam com Ele, que acolheram a sua proposta de vida e o seguiram – ao encontro da vida plena e eterna (vs. 21-23).
O destino dessa nova humanidade é o Reino de Deus. O Reino de Deus será uma realidade onde o egoísmo, a injustiça, a miséria, o sofrimento, o medo, o pecado, e até a morte (isto é, todos os inimigos da vida e do homem) estarão definitivamente ausentes, pois terão sido vencidos por Cristo (vs. 24-26). Nesse Reino definitivo, Deus manifestar-Se-á em tudo e atuará como Senhor de todas as coisas (v. 28).
A reflexão de Paulo lembra aos cristãos que o fim último da caminhada do crente é a participação nesse “Reino de Deus” de vida plena e definitiva, para o qual Cristo nos conduz.
 
ATUALIZAÇÃO
• O nosso texto garante-nos que a meta final da nossa caminhada é o Reino de Deus – isto é, uma realidade de vida plena e definitiva, de onde a doença, a tristeza, o sofrimento, a injustiça, a prepotência, a morte estarão ausentes. Convém ter sempre presente esta realidade, ao longo da nossa peregrinação pela terra… A nossa vida presente não é um drama absurdo, sem sentido e sem finalidade; é uma caminhada tranquila, confiante – ainda quando feita no sofrimento e na dor – em direção a esse desabrochar pleno, a essa vida total que Deus nos reserva.
• Como é que aí chegamos? Paulo responde: identificando-nos com Cristo. A ressurreição de Cristo é o “selo de garantia” de Deus para uma vida oferecida ao projeto do Reino… Demonstra que uma vida vivida na escuta atenta dos projetos do Pai e no amor e no serviço aos homens conduz à vida plena; demonstra que uma vida gasta na luta contra o egoísmo, a opressão e o pecado conduz à vida definitiva; demonstra que uma vida gasta ao serviço da construção do Reino conduz à vida verdadeira… Se a nossa vida for gasta do mesmo jeito, seguiremos Cristo na ressurreição, atingiremos a vida nova do Homem Novo e estaremos para sempre com Ele nesse Reino livre do sofrimento, do pecado e da morte que Deus reserva para os seus filhos.
• Descobrir que o Reino da vida definitiva é a nossa meta final significa eliminar definitivamente o medo que nos impede de atuar e de assumir um papel de protagonismo na construção de um mundo novo. Quem tem no horizonte final da sua vida o Reino de Deus, pode comprometer-se na luta pela justiça e pela paz, com a certeza de que a injustiça, a opressão, a oposição dos poderosos, a morte não podem pôr fim à vida que o anima. Ter como meta final o Reino significa libertarmo-nos do medo que nos paralisa e encontrarmos razões para um compromisso mais consequente com Deus, com o mundo e com os homens.
 
Evangelho – Mt 25,31-46 – AMBIENTE
 
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 31“Quando o Filho do Homem vier em sua glória, acompanhado de todos os anjos, então se assentará em seu trono glorioso.
32Todos os povos da terra serão reunidos diante dele, e ele separará uns dos outros, assim como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. 33E colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda.
34Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai! Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo! 35Pois eu estava com fome e me destes de comer; eu estava com sede e me destes de beber; eu era estrangeiro e me recebestes em casa; 36eu estava nu e me vestistes; eu estava doente e cuidastes de mim; eu estava na prisão e fostes me visitar’.
37Então os justos lhe perguntarão: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? Com sede e te demos de beber? 38Quando foi que te vimos como estrangeiro e te recebemos em casa, e sem roupa e te vestimos? 39Quando foi que te vimos doente ou preso e fomos te visitar?’
40Então o Rei lhes responderá: ‘Em verdade eu vos digo que todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes!’
41Depois o Rei dirá aos que estiverem à sua esquerda: ‘Afastai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno, preparado para o diabo e para os seus anjos. 42Pois eu estava com fome e não me destes de comer; eu estava com sede e não me destes de beber; 43eu era estrangeiro e não me recebestes em casa; eu estava nu e não me vestistes; eu estava doente e na prisão e não me fostes visitar’.
44E responderão também eles: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome, ou com sede, como estrangeiro, ou nu, doente ou preso, e não te servimos?’
45Então o Rei lhes responderá: ‘Em verdade eu vos digo: todas as vezes que não fizestes isso a um desses pequeninos, foi a mim que não o fizestes!’
46Portanto, estes irão para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna”.
Esta impressionante descrição do juízo final é a conclusão das três parábolas precedentes (a “parábola do mordomo fiel e do mordomo infiel” – cf. Mt. 24,45-51; a “parábola das jovens previdentes e das jovens descuidadas” – cf. Mt. 25,1-13; a “parábola dos talentos” – cf. Mt. 25,14-30). Tanto no texto que nos é proposto como nessas três parábolas aparecem dois grupos de pessoas que tiveram comportamentos diversos enquanto esperavam a vinda do Senhor Jesus. O autor do texto mostra agora qual será o “fim” daqueles que se mantiveram e daqueles que não se mantiveram vigilantes e preparados para a vinda do Senhor.
Mais uma vez, para percebermos a catequese que Mateus aqui desenvolve, temos de recordar o contexto da comunidade cristã a quem ela se destina. Estamos nos últimos decênios do séc. I (década de 80). Já passou o entusiasmo inicial pela vinda iminente de Jesus para instaurar o Reino definitivo. Os cristãos que constituem a comunidade de Mateus estão desinteressados, instalados, acomodados; vivem a fé de forma rotineira, morna, pouco exigente e pouco comprometida; alguns, diante das dificuldades, deixam a comunidade e renunciam ao Evangelho…
Mateus, preocupado com a situação, procura revitalizar a fé, reacender o entusiasmo, entusiasmar ao compromisso. Vai fazê-lo através de uma catequese que convida à vigilância, enquanto se espera o encontro final com Cristo.
No texto que nos é proposto, Mateus mostra aos crentes da sua comunidade – com a linguagem veemente dos pregadores da época – o que espera, no final da caminhada, quer aqueles que se mantiveram vigilantes e viveram de acordo com os ensinamentos de Jesus, quer aqueles que se esqueceram dos valores do Evangelho e que conduziram a vida de acordo com outros interesses e preocupações.
 
MENSAGEM
A parábola do juízo final começa com uma introdução (vs. 31-33) que apresenta o quadro: o “Filho do Homem” sentado no seu trono, a separar as pessoas umas das outras “como o pastor separa as ovelhas dos cabritos”.
Vêm, depois, dois diálogos. Um, entre “o rei” e “as ovelhas” que estão à sua direita (vs. 34-40); outro, entre “o rei” e os “cabritos” que estão à sua esquerda (vs. 41-46). No primeiro diálogo, o “rei” acolhe as “ovelhas” e convida-as a tomar posse da herança do “Reino”; no segundo diálogo, o “rei” afasta os “cabritos” e impede-os de tomar posse da herança do Reino. Porquê? Qual é o critério que “o rei” utiliza para acolher uns e rejeitar outros?
A questão decisiva parece ser, na perspectiva de Mateus, a atitude de amor ou de indiferença para com os irmãos mais pequenos de Jesus, que se encontram em situações dramáticas de necessidade – os que têm fome, os que têm sede, os peregrinos, os que não têm que vestir, os que estão doentes, os que estão na prisão… Jesus identifica-Se com os pequenos, os pobres, os débeis, os marginalizados; manifestar amor e solidariedade para com o pobre é fazê-lo ao próprio Jesus e manifestar egoísmo e indiferença para com o pobre é fazê-lo ao próprio Jesus.
A cena pode interpretar-se de duas maneiras, dependendo de como entendemos a palavra “irmão”. Entendida em sentido genérico, a palavra “irmão” designaria qualquer homem; neste caso, a exortação de Jesus convida os que querem entrar no Reino a ir ao encontro de qualquer homem que tenha fome, que tenha sede, que seja peregrino, que esteja nu, esteja doente ou que esteja na prisão, para lhe manifestar amor e solidariedade. Entendida num sentido mais restrito, a palavra “irmão” designaria os membros da comunidade cristã… De qualquer forma, os dois sentidos não se excluem; e é possível que Mateus se refira às duas realidades.
A exortação que Mateus lança à sua comunidade cristã (e às comunidades cristãs de todos os tempos e lugares) nas parábolas precedentes ganha, assim, uma força impressionante à luz desta cena final. Com os dados que este Evangelho nos apresenta, fica perfeitamente evidente que “estar vigilantes e preparados” (que é o grande tema do “discurso escatológico” dos capítulos 24 e 25) consiste, principalmente, em viver o amor e a solidariedade para com os pobres, os pequenos, os desprotegidos, os marginalizados. Em última análise, é esse o critério que decide a entrada ou a não entrada no Reino de Deus.
Esta exortação dirige-se a uma comunidade que negligencia o amor aos irmãos, que vive na indiferença ao sofrimento dos mais débeis, que é insensível ao drama dos pobres e que não cuida dos pequenos e dos desprotegidos. Como essas são atitudes que não se coadunam com a lógica do Reino, quem vive desse jeito não poderá fazer parte do Reino.
A cena do juízo final será uma descrição exata e fotográfica do que vai acontecer no final dos tempos?
É claro que não. Mateus não é um repórter, mas um catequista a instruir a sua comunidade sobre os critérios e as lógicas de Deus. O objetivo do catequista Mateus é deixar bem claro que Deus não aprova uma vida conduzida por critérios de egoísmo, onde não há lugar para o amor a todos os irmãos, particularmente aos mais pobres e débeis. Um dos pormenores mais sugestivos é a identificação de Cristo com os famintos, os abandonados, os pequenos, os desprotegidos: todos eles são membros de Cristo e não os amar é não amar Cristo. Dizer que se ama Cristo e não viver do jeito de Cristo, no amor a todos os homens, é uma mentira e uma incoerência.
Deus condena os maus (“os cabritos”) ao inferno? Não. Deus não condena ninguém. Quem se condena ou não é o homem, na medida em que não aceita ou aceita a vida que Deus lhe oferece. E haverá alguém que, tendo consciência plena do que está em jogo, rejeite o amor e escolha, em definitivo, o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência – isto é, o afastamento definitivo de Deus e do Reino? Haverá alguém que, percebendo o sem sentido dessas opções, se obstine nelas por toda a eternidade?
Então, porque é que Mateus põe Deus a dizer aos “cabritos”: “afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e para os seus anjos”? Porque Mateus é um pregador veemente, que usa a técnica dos pregadores da época e gosta de recorrer a imagens fortes que toquem o auditório e que o levem a sentir-se interpelado. Para além dos exageros de linguagem, a mensagem é esta: o egoísmo e a indiferença para com o irmão não têm lugar no Reino de Deus.
 
ATUALIZAÇÃO
• Quem é que a nossa sociedade considera uma “pessoa de sucesso”? Qual o perfil do homem “importante”? Quais são os padrões usados pela nossa cultura para aferir a realização ou a não realização de alguém? No geral, o “homem de sucesso”, que todos reconhecem como importante e realizado, é aquele que tem dinheiro suficiente para concretizar todos os sonhos e fantasias, que tem poder suficiente para ser temido, que tem êxito suficiente para juntar à sua volta multidões de aduladores, que tem fama suficiente para ser invejado, que tem talento suficiente para ser admirado, que tem a pouca vergonha suficiente para dizer ou fazer o que lhe apetece, que tem a vaidade suficiente para se apresentar aos outros como modelo de vida… No entanto, de acordo com a parábola que o Evangelho propõe, o critério fundamental usado por Jesus para definir quem é uma “pessoa de sucesso” é a capacidade de amar o irmão, sobretudo o mais pobre e desprotegido. Para mim, o que é que faz mais sentido: o critério do mundo ou o critério de Deus? Na minha perspectiva, qual é mais útil e necessário: o “homem de sucesso” do mundo ou o “homem de sucesso” de Deus?
• O amor ao irmão é, portanto, uma condição essencial para fazer parte do Reino. Nós cristãos, cidadãos do Reino, temos consciência disso e sentimo-nos responsáveis por todos os irmãos que sofrem? Os que não têm trabalho, nem pão, nem casa, podem contar com a nossa solidariedade ativa? Os imigrantes, perdidos numa realidade cultural e social estranha, vítimas de injustiças e violências, condenados a um trabalho escravo e que, tantas vezes, não respeita a sua dignidade, podem contar com a nossa solidariedade ativa? Os pobres, vítimas de injustiças, que nem sequer têm a possibilidade de recorrer aos tribunais para que lhes seja feita justiça, podem contar com a nossa solidariedade ativa? Os que sobrevivem com pensões de miséria, sem possibilidades de comprar os medicamentos necessários para aliviar os seus padecimentos, podem contar com a nossa solidariedade ativa? Os que estão sozinhos, abandonados por todos, sem amor nem amizade, podem contar com a nossa solidariedade ativa? Os que estão presos a um leito de hospital ou a uma cela de prisão, marginalizados e condenados em vida, podem contar com a nossa solidariedade ativa?
• O Reino de Deus – isto é, esse mundo novo onde reinam os critérios de Deus e que se constrói de acordo com os valores de Deus – é uma semente que Jesus semeou, que os discípulos são chamados a edificar na história (através do amor) e que terá o seu tempo definitivo no mundo que há-de vir. Não esqueçamos, no entanto, este fato essencial: o Reino de Deus está no meio de nós; a nossa missão é fazer com que ele seja uma realidade bem viva e bem presente no nosso mundo. Depende de nós fazer com que o Reino deixe de ser uma miragem, para passar a ser uma realidade a crescer e a transformar o mundo e a vida dos homens.
• Alguém acusou a religião cristã de ser o “ópio do povo”, por pôr as pessoas a sonhar com o mundo que há-de vir, em lugar de as levar a um compromisso efetivo com a transformação do mundo, aqui e agora. Na verdade, nós os cristãos caminhamos ao encontro do mundo que há-de vir, mas de pés bem assentes na terra, atentos à realidade que nos rodeia e preocupados em construir, desde já, um mundo de justiça, de fraternidade, de liberdade e de paz. A experiência religiosa não pode, nunca, servir-nos de pretexto para a evasão, para a fuga às responsabilidades, para a demissão das nossas obrigações para com o mundo e para com os irmãos.
 
 
 
 
 
 
 
 
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho

Nenhum comentário: