domingo, 30 de novembro de 2014

1º DOMINGO DO ADVENTO

 
A liturgia do primeiro Domingo do Advento convida-nos a equacionar a nossa caminhada pela história à luz da certeza de que “o Senhor vem”. Apresenta também aos crentes indicações concretas acerca da forma devem viver esse tempo de espera.
A primeira leitura é um apelo dramático a Jahwéh, o Deus que é “pai” e “redentor”, no sentido de vir mais uma vez ao encontro de Israel para o libertar do pecado e para recriar um Povo de coração novo. O profeta não tem dúvidas: a essência de Deus é amor e misericórdia; essas “qualidades” de Deus são a garantia da sua intervenção salvadora em cada passo da caminhada histórica do Povo de Deus.
O Evangelho convida os discípulos a enfrentar a história com coragem, determinação e esperança, animados pela certeza de que “o Senhor vem”. Ensina, ainda, que esse tempo de espera deve ser um tempo de “vigilância” – isto é, um tempo de compromisso ativo e efetivo com a construção do Reino.
A segunda leitura mostra como Deus Se faz presente na história e na vida de uma comunidade crente, através dos dons e carismas que gratuitamente derrama sobre o seu Povo. Sugere também aos crentes que se mantenham atentos e vigilantes, a fim de acolherem os dons de Deus.

LEITURA I – Is 63,16b-17.19b; 64,2b-7
Leitura do Livro de Isaías
Vós, Senhor, sois nosso Pai e nosso Redentor, desde sempre, é o vosso nome.
Porque nos deixais, Senhor, desviar dos vossos caminhos e endurecer o nosso coração, para que não Vos tema?
Voltai, por amor dos vossos servos e das tribos da vossa herança.
Oh, se rasgásseis os céus e descêsseis!
Ante a vossa face estremeceriam os montes!
Mas Vós descestes e perante a vossa face estremeceram os montes.
Nunca os ouvidos escutaram, nem os olhos viram que um Deus, além de Vós, fizesse tanto em favor dos que n’Ele esperam.
Vós saís ao encontro dos que praticam a justiça e recordam os vossos caminhos.
Estais indignado contra nós, porque pecámos e há muito que somos rebeldes, mas seremos salvos.
Éramos todos como um ser impuro, as nossas acções justas eram todas como veste imunda.
Todos nós caímos como folhas secas, as nossas faltas nos levavam como o vento.
Ninguém invocava o vosso nome, ninguém se levantava para se apoiar em Vós, porque nos tínheis escondido o vosso rosto e nos deixáveis à mercê das nossas faltas.
Vós, porém, Senhor, sois nosso Pai e nós o barro de que sois o Oleiro; somos todos obra das vossas mãos.

AMBIENTE
Aos capítulos 56-66 do Livro de Isaías, convencionou-se chamar “Trito-Isaías”. Trata-se de um conjunto de textos cuja proveniência não é totalmente consensual… Para alguns, são textos de um profeta anónimo, pós-exílico, que exerceu o seu ministério em Jerusalém após o regresso dos exilados da Babilónia, nos anos 537/520 a.C.; para a maioria, trata-se de textos que provêm de diversos autores pós-exílicos e que foram redigidos ao longo de um arco de tempo relativamente longo (provavelmente, entre os sécs. VI e V a.C.).
Em qualquer caso, estamos na época posterior ao Exílio e numa Jerusalém em reconstrução… As pedras calcinadas da cidade lembram os dramas passados, a população da cidade é pouco numerosa, a reconstrução é lenta e modesta porque os retornados são pobres, os inimigos estão à espreita. A população está desanimada e sem esperança… Desse desânimo resulta a indiferença face a Jahwéh e à Aliança. Consequentemente, o culto é pouco cuidado e Deus ocupa um lugar secundário no coração e nas preocupações do Povo.
Os profetas que desenvolvem a sua missão nesta fase vão tentar acordar a esperança num futuro de vida plena e de salvação definitiva (em que Jerusalém voltará a ser uma cidade bela e harmoniosa e Deus residirá aí, no meio do seu Povo); mas não deixam de sublinhar que o Povo tem de se reconverter aos caminhos da Aliança, da justiça, do amor, da fidelidade a Jahwéh.
O texto que hoje nos é proposto é parte de uma perícopa que vai de 63,7 a 64,11. Esta perícopa apresenta-se como um conjunto de versículos sem grande unidade nem ordem, onde se misturam elementos típicos de súplica ou lamentação com elementos de confissão dos pecados. A situação é a de desgraça nacional. O Povo dirige-se ao Deus da história, pedindo-Lhe que intervenha para salvar; e, uma vez que a desgraça é considerada castigo pelos pecados, o Povo confessa a culpa e pede perdão.

MENSAGEM
O nosso texto apresenta-se na forma de uma oração que o profeta dirige a Jahwéh. Nela, Deus é invocado como “pai” e como “redentor”. O título “pai” (provavelmente herdado das culturas cananeias, onde o deus principal do panteão é “pai” enquanto exerce a função de protecção e de senhorio) resulta da acção protectora e salvadora de Deus em favor do seu Povo, ao longo da história. O título “redentor” (“goel”) é, no antigo direito israelita, reservado ao parente próximo, a quem incumbe o dever de defender os seus, de manter o patrimônio familiar (cf. Lv 25,23-24), de libertar um familiar caído na escravidão (cf. Lv 25,26-49), de proteger uma viúva (cf. Rut 4,5) ou de vingar um parente assassinado (cf. Nm 25,19-20). O uso destes títulos pretende, portanto, lembrar a Deus as suas responsabilidades enquanto protetor, defensor e salvador do seu Povo.
Qual é a situação que “exige” a ação salvadora e libertadora de Deus em favor do seu Povo?
O profeta quer que Deus – o “pai” e o “redentor” de Israel – não deixe o Povo continuar a endurecer o seu coração e a afastar-se dos caminhos da Aliança. É uma invocação dramática, que parece ter como objetivo forçar a intervenção libertadora de Deus. O problema é que a “geração presente” (os retornados do Exílio) não reconhece culpa alguma e vive instalada no pecado, na infidelidade, na injustiça, na indiferença face a Deus e às suas propostas. Será possível alterar esta lógica, fazer que Israel se volte decisivamente para Deus e possa trilhar, novamente, caminhos de vida e de salvação?
O profeta está convencido de que essa dinâmica é possível. No entanto, está consciente também de que o Povo, por si só, é incapaz de sair dessa rotina de rebeldia e de infidelidade em que tem vivido. É neste contexto que Deus tem de assumir as suas responsabilidades de Pai e de redentor e de Se dignar “descer” para transformar o coração do seu Povo.
Deus não veio já ao encontro do seu Povo e não lhe ofereceu a Aliança como proposta de vida plena e feliz? Na verdade, Jahwéh manifestou-Se mil vezes na história e ofereceu sempre ao seu Povo a salvação. Israel tem plena consciência dessa actuação de Deus; e é precisamente essa “memória” histórica que fundamenta a esperança: se Deus sempre foi o “pai” e o “redentor” de Israel, certamente voltará a sê-lo outra vez, na dramática situação atual.
O nosso texto termina com uma imagem muito bela: Deus é o “oleiro” e o seu Povo é o barro que o artista modela com amor e cuidado. A imagem serve, certamente, para definir o poder e o senhorio de Deus que pode modelar o seu Povo como bem Lhe aprouver; mas, provavelmente, faz também alusão àquilo que o profeta espera de Deus: uma nova criação. A imagem leva-nos, precisamente, a Gn 2,7 e à criação do homem do barro da terra… O profeta quererá, dessa forma, sugerir que a intervenção salvadora de Deus no sentido de mudar o coração do seu Povo (fazendo que ele deixe os caminhos do egoísmo e da auto-suficiência e volte aos caminhos de Deus e da Aliança) é uma nova criação, da qual nascerá uma humanidade nova.

ATUALIZAÇÃO
Considerar, na reflexão, as seguintes questões:
• O nosso texto apresenta em pano de fundo um Povo de coração endurecido, rebelde, indiferente, que há muito prescindiu de Deus e deixou de se preocupar em viver de forma coerente os compromissos assumidos no âmbito da Aliança. É um quadro que não difere significativamente daquilo que é a vida de tantos homens e mulheres dos nossos dias. Que lugar ocupa Deus na nossa vida? Que importância damos às suas propostas? As sugestões e os apelos de Deus têm algum impacto sério nas nossas opções e prioridades?
• O nosso texto convida-nos também a reconhecer que só Deus é fonte de salvação e de redenção. Nós, por nós próprios, somos incapazes de superar essa rotina de indiferença, de egoísmo, de violência, de mentira, de injustiça que tantas vezes caracteriza a nossa caminhada pela vida. Deus, o nosso “Pai” e o nosso “redentor”, é sempre fiel às suas “obrigações” de amor e de justiça e está sempre disposto a oferecer-nos, gratuita e incondicionalmente, a salvação. A nós, resta-nos acolher o dom de Deus com humildade e com um coração agradecido.
• A ação de Deus, o seu papel de “redentor” concretiza-se através de Jesus e das propostas que Ele veio fazer aos homens e ao mundo? Neste Advento, estou disposto a acolher Jesus e a abraçar as propostas que Deus, através d’Ele, me faz?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 79 (80)
Refrão: Senhor nosso Deus, fazei-nos voltar, mostrai-nos o vosso rosto e seremos salvos.
Pastor de Israel, escutai, Vós que estais sentado sobre os Querubins, aparecei.
Despertai o vosso poder e vinde em nosso auxílio.
Deus dos Exércitos, vinde de novo, olhai dos céus e vede, visitai esta vinha.
Protegei a cepa que a vossa mão direita plantou, o rebento que fortalecestes para Vós.
Estendei a mão sobre o homem que escolhestes, sobre o filho do homem que para Vós criastes; e não mais nos apartaremos de Vós: fazei-nos viver e invocaremos o vosso nome.

LEITURA II – 1 Cor 1,3-9
Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
Irmãos: A graça e a paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo.
Dou graças a Deus, em todo o tempo, a vosso respeito, pela graça divina que vos foi dada em Cristo Jesus.
Porque fostes enriquecidos em tudo: em toda a palavra e em todo o conhecimento; e deste modo, tornou-se firme em vós o testemunho de Cristo.
De facto, já não vos falta nenhum dom da graça, a vós que esperais a manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Ele vos tornará firmes até ao fim, para que sejais irrepreensíveis no dia de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Fiel é Deus, por quem fostes chamados à comunhão com seu Filho, Jesus Cristo, Nosso Senhor.
AMBIENTE
No decurso da sua segunda viagem missionária, Paulo chegou a Corinto, depois de atravessar boa parte da Grécia, e ficou por lá cerca 18 meses (anos 50-52). De acordo com Act 18,2-4, Paulo começou a trabalhar em casa de Priscila e Áquila, um casal de judeo-cristãos. No sábado, usava da palavra na sinagoga. Com a chegada a Corinto de Silvano e Timóteo (2 Cor 1,19; Act 18,5), Paulo consagrou-se inteiramente ao anúncio do Evangelho. Mas não tardou a entrar em conflito com os judeus e foi expulso da sinagoga.
Corinto era uma cidade nova e muito próspera. Servida por dois portos de mar, possuía as características típicas das cidades marítimas: população de todas as raças e de todas as religiões. Era a cidade do desregramento para todos os marinheiros que cruzavam o Mediterrâneo, ávidos de prazer, após meses de navegação. Na época de Paulo, a cidade comportava cerca de 500.000 pessoas, das quais dois terços eram escravos. A riqueza escandalosa de alguns contrastava com a miséria da maioria.
Como resultado da pregação de Paulo, nasceu a comunidade cristã de Corinto. A maior parte dos membros da comunidade era de origem grega, embora em geral, de condição humilde (cf. 1 Cor 11,26-29; 8,7; 10,14.20; 12,2); mas também havia elementos de origem hebraica (cf. Act 18,8; 1 Cor 1,22-24; 10,32; 12,13).
De uma forma geral, a comunidade era viva e fervorosa; no entanto, estava exposta aos perigos de um ambiente corrupto: moral dissoluta (cf. 1 Cor 6,12-20; 5,1-2), querelas, disputas, lutas (cf. 1 Cor 1,11-12), sedução da sabedoria filosófica de origem pagã que se introduzia na Igreja revestida de um superficial verniz cristão (cf. 1 Cor 1,19-2,10).
Tratava-se de uma comunidade com boas possibilidades, mas que mergulhava as suas raízes em terreno adverso. Na comunidade de Corinto, vemos as dificuldades da fé cristã em inserir-se num ambiente hostil, marcado por uma cultura pagã e por um conjunto de valores que estão em profunda contradição com a pureza da mensagem evangélica.
O texto que nos é hoje proposto é a “ação de graças” inicial. Habitualmente, Paulo começava as suas cartas com uma “acção de graças”.

MENSAGEM
Nesta “ação de graças”, em clima de oração e de louvor, Paulo agradece a Deus por certas realidades concretas que fazem parte da vida da comunidade cristã de Corinto, ao mesmo tempo que antecipa temas que vai depois desenvolver na carta. Não é um texto inócuo e convencional, mas um texto carregado de densidade teológica.
Há neste texto dois aspectos que, pelo seu significado e importância, convém pôr em relevo: o primeiro diz respeito aos dons que a comunidade recebeu de Deus, através de Jesus Cristo; o segundo diz respeito à finalidade do chamamento dos coríntios.
Em primeiro lugar, é claro para Paulo que a comunidade foi privilegiada com “dons” de Deus (vers. 4-6). É a primeira vez que, nos escritos paulinos, aparece a palavra “carismas” (vers. 7) – palavra que define os dons que resultam da pura generosidade divina e que são derramados sobre determinadas pessoas para o bem da comunidade. A comunidade de Corinto é uma comunidade amada por Deus, carregada de “carismas” que resultam da generosidade de Deus. É bom que os coríntios tenham consciência da liberalidade divina e saibam dar graças. Mais adiante (em 1 Cor 12-14), Paulo vai desenvolver a sua catequese sobre os “carismas”.
Que “carismas” são esses? Paulo menciona a palavra (“lógos”) e o conhecimento (“gnosis”) como principais componentes da riqueza espiritual que Deus concedeu aos coríntios. Trata-se de temas muito importantes no contexto da cultura grega, que são apresentados aqui como dons de Deus. Paulo procura, assim, animar a intensa procura de “sabedoria” dos coríntios dando, no entanto, a essa busca um significado e um enquadramento cristão. Paulo desenvolverá a questão nos capítulos seguintes avisando, no entanto, os coríntios de que a “sabedoria” de Deus nem sempre coincide com a “sabedoria” dos homens (cf. 1 Cor 2,1-16).
Em segundo lugar, Paulo manifesta a sua convicção de que os “carismas” com que Deus cumulou os coríntios são destinados a construir uma comunidade orientada para Jesus Cristo, capaz de viver de forma irrepreensível o seu compromisso com o Evangelho até ao dia do encontro final e definitivo com Cristo. É para esse objetivo final de encontro e de comunhão total com Deus que a comunidade, animada por Jesus Cristo e sustentada com os dons de Deus, deve caminhar.

ATUALIZAÇÃO
A reflexão e a atualização da Palavra podem partir dos seguintes elementos:
• O nosso texto deixa claro que a comunidade cristã é uma realidade continuamente enriquecida pela vida de Deus. Através dos seus dons, Deus vem continuamente ao encontro dos homens e manifesta-lhes o seu amor. Os crentes devem viver numa permanente atitude de escuta e de acolhimento desses dons. A comunidade de que faço parte está consciente de que Deus vem continuamente ao encontro dos homens através dos dons que Ele oferece? Acolhe os dons de Deus como sinais vivos do seu amor?
• Qual o objetivo dos dons de Deus? Segundo Paulo, é “tornar firme nos crentes o testemunho de Cristo”. Os dons de Deus destinam-se a promover a fidelidade das pessoas e das comunidades ao Evangelho, de forma a que todos nos identifiquemos cada vez mais com Cristo. Os dons que Deus me concedeu destinam-se sempre a potenciar a minha fidelidade e a fidelidade dos meus irmãos às propostas de Jesus, ou servem, às vezes, para concretizar objetivos mais egoístas, como sejam a minha promoção pessoal ou a satisfação de certos interesses e anseios?
• Há, neste texto, um apelo implícito à vigilância. O cristão tem de estar sempre vigilante e preparado para acolher o Deus que vem ao seu encontro e lhe manifesta o seu amor através dos seus dons… E tem também de estar sempre vigilante para que os dons de Deus não sejam desvirtuados e utilizados para fins egoístas.


ALELUIA – Salmo 84 (85), 8
Aleluia. Aleluia.
Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia e dai-nos a vossa salvação.

EVANGELHO – Mc 13,33-37
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: "Acautelai-vos e vigiai, porque não sabeis quando chegará o momento.
Será como um homem que partiu de viagem: ao deixar a sua casa, deu plenos poderes aos seus servos, atribuindo a cada um a sua tarefa, e mandou ao porteiro que vigiasse.
Vigiai, portanto, visto que não sabeis quando virá o dono da casa: se à tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se de manhãzinha; não se dê o caso que, vindo inesperadamente, vos encontre a dormir. O que vos digo a vós, digo-o a todos: Vigiai!"

AMBIENTE
O texto que nos é hoje proposto como Evangelho situa-nos em Jerusalém, pouco antes da Paixão e Morte de Jesus. É o terceiro dia da estada de Jesus em Jerusalém, o dia dos “ensinamentos” e das polémicas mais radicais com os líderes judaicos (cf. Mc 11,20-13,1-2). No final desse dia, já no “Jardim das Oliveiras”, Jesus oferece a um grupo de discípulos (Pedro, Tiago, João e André – cf. Mc 13,3) um amplo e enigmático ensinamento, que ficou conhecido como o “discurso escatológico” (cf. Mt 13,3-37).
A maior parte dos estudiosos do Evangelho segundo Marcos consideram que este discurso, apresentado com uma linguagem profético-apocalítica, descreve a missão da comunidade cristã no período que vai desde a morte de Jesus até ao final da história humana. É um texto difícil, que emprega imagens e uma linguagem marcada pelas alusões enigmáticas, bem ao jeito do género literário “apocalipse”. Não seria tanto uma reportagem jornalística de acontecimentos concretos, mas antes uma leitura profética da história humana. O seu objectivo seria dar aos discípulos indicações acerca da atitude a tomar frente às vicissitudes que marcarão a caminhada histórica da comunidade, até à vinda final de Jesus para instaurar, em definitivo, o novo céu e a nova terra.
Os quatro discípulos referenciados no início do “discurso escatológico” representam a comunidade cristã de todos os tempos… Os quatro são, precisamente, os primeiros discípulos chamados por Jesus (cf. Mc 1,16-20) e, como tal, convertem-se em representantes de todos os futuros discípulos. O discurso escatológico de Jesus não seria, assim, uma mensagem privada destinada a um grupo especial, mas uma mensagem destinada a toda a comunidade crente, chamada a caminhar na história com os olhos postos no encontro final com Jesus e com o Pai.
A missão que Jesus (que está consciente de ter chegado a sua hora de partir ao encontro do Pai) confia à sua comunidade não é uma missão fácil… Jesus está consciente de que os seus discípulos terão que enfrentar as dificuldades, as perseguições, as tentações que “o mundo” vai colocar no seu caminho. Essa comunidade em marcha pela história necessitará, portanto, de estímulo e alento. É por isso que surge este apelo à fidelidade, à coragem, à vigilância… No horizonte último da caminhada da comunidade, Jesus coloca o final da história humana e o reencontro definitivo dos discípulos com Jesus.
O “discurso escatológico” divide-se em três partes, antecedidas de uma introdução (cf. Mc 13,1-4). Na primeira parte (cf. Mc 13,5-23), o discurso anuncia uma série de vicissitudes que vão marcar a história e que requerem dos discípulos a atitude adequada: vigilância e lucidez. Na segunda parte, o discurso anuncia a vinda definitiva do Filho do Homem e o nascimento de um mundo novo a partir das ruínas do mundo velho (cf. Mc 13,24-27). Na terceira parte, o discurso anuncia a incerteza quanto ao “tempo” histórico dos eventos anunciados e insiste com os discípulos para que estejam sempre vigilantes e preparados para acolher o Senhor que vem (cf. Mc 13,28-37).

MENSAGEM
O nosso texto está integrado na terceira parte do discurso escatológico. Refere-se diretamente ao final dos tempos e à atitude que os discípulos devem ter face a esse encontro último e definitivo com Jesus. O seu objetivo não é transmitir informação objetiva acerca do “como” e do “quando”, mas formar os discípulos e torná-los capazes de enfrentar a história com determinação e esperança.
O Evangelho deste domingo começa com uma parábola – a parábola do homem que partiu em viagem, distribuiu tarefas aos seus servos e mandou ao porteiro que vigiasse (cf. Mc 13,33-34) – e termina com uma admoestação aos discípulos acerca da atitude correcta para esperar o Senhor (cf. Mc 13,35-37). Primitivamente, a parábola contada por Jesus seria dirigida aos discípulos e teria como objectivo recordar-lhes o dever de guardar e fazer frutificar os tesouros desse Reino que Jesus lhes confiou antes de partir para o Pai.
O “dono da casa” da parábola é, evidentemente, Jesus. Ao deixar este mundo para voltar para junto do Pai, Ele confiou aos discípulos a tarefa de construir o “Reino” e de tornar realidade um mundo construído de acordo com os valores do Reino. Os discípulos de Jesus não podem, portanto, cruzar os braços, à espera que o Senhor venha; eles têm uma missão – uma missão que lhes foi confiada pelo próprio Jesus e que eles devem concretizar, mesmo em condições adversas. É necessário não esquecer isto: esta espera, vivida no tempo da história, não é uma espera passiva, de quem se limita a deixar passar o tempo até que chegue um final anunciado; mas é uma espera activa, que implica um compromisso efetivo com a construção de um mundo mais humano, mais fraterno, mais justo, mais evangélico.
Quem é o “porteiro”, com uma tarefa especial de vigilância (vers. 34)? Na perspectiva de Marcos, o “porteiro” parece ser todo aquele que tem uma responsabilidade especial na comunidade cristã… A sua missão é impedir que a comunidade seja invadida por valores estranhos ao Evangelho e à dinâmica do Reino. A figura do “porteiro” adequa-se, especialmente, aos responsáveis da comunidade cristã, a quem foi confiada a missão da vigilância e da animação da comunidade. Eles devem ajudar a comunidade a discernir permanentemente, diante dos valores do mundo, aquilo que a comunidade pode ou não aceitar para viver na fidelidade ativa a Jesus e às suas propostas.
Todos – “porteiro” e demais servos do “senhor” – devem estar ativos e vigilantes. A palavra-chave do Evangelho deste dia é esta: “vigilância”. Contudo, “vigilância” não significará, para os discípulos, o viver à margem da história, num angelismo alienante, evitando comprometer-se para não se sujar com as realidades do mundo e procurando manter a “alminha” pura e sem mancha para que o Senhor, quando chegar, os encontre sem pecados graves; mas será o viver dia a dia comprometido com a construção do Reino, realizando fielmente as tarefas que o Senhor lhes confiou. Essas tarefas passam pelo compromisso efetivo com a construção de um mundo novo, um mundo que viva cada vez mais de acordo com os projetos de Deus.
O nosso texto assegura aos discípulos, em caminhada pelo mundo, que o objetivo final da história humana é o encontro definitivo e libertador com Jesus. “O Senhor vem” – garante-lhes o próprio Jesus; e esta certeza deve animar e dar esperança aos discípulos, sobretudo nos momentos de crise e de confusão. Mesmo que tudo pareça ruir à sua volta, os discípulos são chamados a não perder a esperança e a ver, para além das estruturas velhas que vão caindo, a realidade do mundo novo a nascer.
Que devem os discípulos fazer, enquanto esperam que irrompa definitivamente esse mundo novo prometido? Devem, com coragem e perseverança, dar o seu contributo para a edificação do “Reino”, sendo testemunhas e arautos da paz, da justiça, do amor, do perdão, da fraternidade, cumprindo dessa forma a missão que Jesus lhes confiou.

ATUALIZAÇÃO
Para refletir e partilhar, considerar os seguintes pontos:
• Antes de mais, o Evangelho deste domingo coloca-nos diante de uma certeza fundamental: “o Senhor vem”. A nossa caminhada humana não é um avançar sem sentido ao encontro do nada, mas uma caminhada feita na alegria ao encontro do Senhor que vem. Não se trata de uma vaga esperança, mas de uma certeza baseada na palavra infalível de Jesus. O tempo de Advento recorda-nos a realidade de um Senhor que vem ao encontro dos homens e que, no final da nossa caminhada por esta terra, nos oferecerá a vida definitiva, a felicidade sem fim.
• O tempo do Advento é, também, o tempo da espera do Senhor. O Evangelho deste domingo diz-nos como deve ser essa espera… A palavra mágica é “vigilância”: o verdadeiro discípulo deve estar sempre “vigilante”, cumprindo com coragem e determinação a missão que Deus lhe confiou. Estar “vigilante” não significa, contudo, preocupar-se em ter sempre a “alminha” limpa para que a morte não o apanhe com pecados por perdoar; mas significa viver sempre ativo, empenhado, comprometido na construção de um mundo de vida, de amor e de paz. Significa cumprir, com coerência e sem meias tintas, os compromissos assumidos no dia do batismo e ser um sinal vivo do amor e da bondade de Deus no mundo. É dessa forma que eu tenho procurado viver?
• Em concreto, estar “vigilante” significa não viver de braços cruzados, fechado num mundo de alienação e de egoísmo, deixando que sejam os outros a tomar as decisões e a escolher os valores que devem governar a humanidade; significa não me demitir das minhas responsabilidades e da missão que Deus me confiou quando me chamou à existência… Estar “vigilante” é ser uma voz activa e questionante no meio dos homens, levando-os a confrontarem-se com os valores do Evangelho; é lutar de forma decidida e corajosa contra a mentira, o egoísmo, a injustiça, tudo aquilo que rouba a vida e a felicidade a qualquer irmão que caminhe ao meu lado… Como me situo face a isto?
• O nosso Evangelho recomenda especialmente a “vigilância” aos “porteiros” da comunidade – isto é, a todos aqueles a quem é confiado o serviço de proteger a comunidade de invasões estranhas. Todos nós a quem foi confiado esse serviço, sentimos o imperativo de cuidar com amor dos irmãos que Deus nos confiou, ou demitimo-nos das nossas responsabilidades e deixamos que o comodismo e a preguiça nos dominem? Quais são os nossos critérios, na filtragem dos valores: os nossos interesses e perspectivas pessoais, ou o Evangelho de Jesus?











Dehonianos

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