Um dia, prestaremos contas a Deus do que fizemos com a mensagem que d’Ele mesmo recebemos.

 Em qualquer tradição, a fidelidade à mensagem recebida é fundamental, 
seja em reverência àquele que anuncia a mensagem – e não quer vê-la 
distorcida ou modificada –, seja em respeito a quem ouve a palavra – e 
não quer, obviamente, ser enganado. Se não se procede assim, tudo se 
torna uma brincadeira de “telefone sem fio” e, no final, ao invés de 
comunicação, edifica-se uma torre de Babel, repleta de erros e confusão.
 Ora, tudo isso é muito mais verdadeiro quando se trata da revelação de 
Deus, “o qual não pode enganar-se nem enganar” [1]. Alguém duvida da 
grande responsabilidade dos Apóstolos, que receberam de Cristo o encargo
 de “fazer discípulos entre todas as nações” e ensinar-lhes “a observar 
tudo o que vos tenho ordenado” [2], sabendo que de sua fidelidade 
dependia, por assim dizer, a eficácia da visita de Deus ao mundo? Qual 
também não é o tamanho da missão confiada a todos os cristãos, chamados a
 “ordenar segundo Deus as realidades temporais e impregnar o mundo com a
 força do Evangelho” [3]? Em nossas palavras e obras, ou deixamos 
transparecer o Deus verdadeiro ou exibimos um simulacro, moldado 
impiedosamente por nossas próprias mãos.
 Por isso, hoje, mais do que nunca, as palavras do Apóstolo são importantes: “
 Ego enim accepi a Domino quod et tradidi vobis – Eu recebi do 
Senhor o que também vos transmiti” [4]. O Papa Bento XVI comenta que, 
mesmo para São Paulo, “originariamente chamado por Cristo com uma 
vocação pessoal, (...) conta sobretudo a fidelidade a quanto recebeu. 
Ele não queria ‘inventar’ um novo cristianismo, por assim dizer 
‘paulino’” [5], mas tão somente transmitir aquilo que ele mesmo tinha 
encontrado. É essa atitude que nos dá “a garantia de que cremos na 
mensagem originária de Cristo, transmitida pelos Apóstolos” [6].
 Este ponto é particularmente importante: da integridade e autenticidade
 da mensagem passada depende a própria salvação eterna das almas, que 
encontram em perigo de perder-se por conta de mensageiros infiéis.
 Foi com coragem que o Papa Paulo VI denunciou a cultura de morte na encíclica 
 Humanae Vitae, enfrentando uma dura oposição do mundo e de 
prelados em conluio com o mundo. A sua resposta aos que pretendiam 
atenuar a doutrina moral da Igreja em favor de certa “abertura” era bem 
clara: “Não minimizar em nada a doutrina salutar de Cristo é forma de caridade eminente para com as almas” [7].
 O santo Papa Pio X também enfrentou dificuldades quando decidiu 
combater com pulso firme a heresia modernista. Mesmo depois da encíclica
 
 Pascendi e da instituição do juramento antimodernista, grande foi a resistência das pessoas, às vezes dentro da própria Igreja.
 Um fato significativo com relação a um padre, de nome João Semeria, 
merece nota. Esse sacerdote, “antes e depois da ‘Pascendi’, mantinha 
estreita relação com os mais insignes modernistas” e a sua obra “deixava
 entrever que no seu afecto ao modernismo talvez houvesse uma parte de 
convicção pessoal”. Conta-se que “Pio X censurou-o um dia, porque ‘tendo
 recebido tantos dons de Deus para fazer o bem, os empregava em escrever
 livros não conformes com os ensinamentos da Igreja’. Semeria respondeu 
que o fazia para pôr a religião ao alcance de todos. O Papa acrescentou:
 – 
 Alargais as portas para que entrem os que estão de fora, mas entretanto obrigais a sair os que estão dentro” [8].
 Não importa que o número de fiéis pareça pequeno, mas que se ensine a 
verdadeira fé e se evangelize com destemor. Sem proselitismo, pois não 
se pode trair a Nosso Senhor, trocando-o pelos aplausos do mundo ou por 
alguns trocados, como fez Judas. Não foi o próprio Cristo quem comparou o
 Reino dos céus a um “grão de mostarda” [9]?
 Além disso, não só o Deus Todo-Poderoso não se engana e não engana a 
ninguém, como não pode ser enganado. Quando alguém escuta a palavra do 
Evangelho mas prefere modificá-la e adaptá-la aos seus próprios gostos 
antes de passá-la adiante, não só está enganando as pessoas, como 
tentando enganar o próprio Deus. E d’Ele – lembra São Paulo – não se 
zomba: 
 nolite errare Deus non inridetur [10]. Um dia, todos prestaremos contas a Deus do que fizemos com a mensagem que d’Ele mesmo recebemos. 
 Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Referências
- Concílio Vaticano I, Constituição dogmática Dei Filius sobre a fé católica, 24 de abril de 1870:DS 3008
- Mt 27, 19.20
- Catecismo da Igreja Católica, 929
- 1 Cor 11, 23
- Audiência Geral, 3 de maio de 2006
- Papa Bento XVI, Audiência Geral, 31 de outubro de 2012
- Humanae Vitae, 29
- José Maria Javierre. Pio X. Editorial Aster: Lisboa, 1959, p. 299
- Cf. Mt 13, 31-32
- Gl 6, 7
 
 
 
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