quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O QUE É "SER IGREJA"?

Esta é uma daquelas perguntas, cuja resposta, num primeiro momento, dá-se por óbvia. Mas, será que realmente sabemos o que é “ser Igreja”?
Para levar adiante esta reflexão, vou me reportar a uma música. Isso mesmo, a uma música. Ou melhor, a um canto. Sabe por quê? Vou lhe contar um segredo. É que a arte tem o poder de expressar com tamanha naturalidade aquilo que o conceito puro e simples encontra dificuldades em manifestar.

Este canto que tenho em mente – talvez você já até saiba qual seja – é usado em nossas liturgias e também em encontros pastorais. Sobretudo aqueles relacionados a momentos fortes da vida da comunidade, como uma assembléia paroquial. E então, vai arriscar? Sabe qual é? Uma linha de cada vez! Não vá adiantar a leitura. Vamos lá! Enquanto escrevo é como se eu o ouvisse cantando.
Trata-se do canto “É tempo de ser Igreja”, composto pela Irmã Maria Luíza Pedroso Ricciardi, da Congregação das Filhas de São Paulo, conhecidas como Irmãs Paulinas. Você terá que concordar comigo que este belo canto muito contribui com nossa proposta de refletir sobre o “ser Igreja”.

É claro que ele não esgota todo o assunto. Você e eu já sabemos disso. Mas ele apresenta algumas pistas sobre o tema. As pistas nunca esgotam um assunto. Elas são o que são: pistas. Apenas sinalizam um caminho seguro para continuar desenvolvendo a reflexão. Vamos ao canto.
“Agora é tempo de ser Igreja,/ caminhar juntos, participar”. Este é o refrão. Ele, ao mesmo tempo em que abre o canto também lhe dá o tom, sua marca característica. O “ser Igreja” é marcado pela caminhada, pela unidade e pela participação. Mas quando? “Agora”, diz o canto. Não em um futuro distante. Nem mesmo amanhã. Mas “agora”, neste exato momento: agora é tempo de ser Igreja, agora é tempo de caminhar juntos, agora é tempo de participar.

Mas, se “ser Igreja” é isso, o que nos diferencia das instituições e associações civis? Bem, “ser Igreja” é isso sim, mas não se reduz somente a isso. Vamos ver a primeira estrofe do canto: “Somos Povo Escolhido/ e na fronte assinalados/ com o nome do Senhor/ Que caminha ao nosso lado”. Na origem do “ser Igreja” encontra-se o chamado à fé, fruto da eleição divina, que conduz ao Batismo. Ao passar pelas águas da salvação somos incorporados a Cristo e tornamo-nos membros da Igreja, do Povo de Deus (Ritual da Iniciação Cristã de Adultos 2). Na Igreja não estamos sozinhos, pois além da presença dos irmãos e irmãs contamos também com a presença do próprio Jesus Cristo. Ele mesmo disse que estaria conosco (Mt 18,20; 28,20). Esta primeira estrofe canta, então, o mistério do sacramento do Batismo, que nos faz Igreja, Povo eleito, Sacerdócio régio, Nação santa (1Pd 2,9), filhos e filhas no Filho de Deus. Veja só, que maravilha.

A segunda e a terceira estrofes do canto apresentam elementos novos para a nossa reflexão: “Somos povo em missão/ já é tempo de partir/ é o Senhor quem nos envia/ em seu nome a servir”; “Somos povo-esperança/ vamos juntos planejar/ ser Igreja a serviço/ e a fé testemunhar”. Quantas coisas bonitas aqui. O “ser Igreja” é caracterizado pela missão. Missão é movimento que tem origem no próprio ser de Deus. Não é simplesmente um sentimento altruísta. “Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio” (Jo 20,21), disse Jesus aos Apóstolos na tarde da ressurreição. A propósito disso, vale recordar o ensinamento do Concílio Vaticano II: “A Igreja peregrina é, por sua natureza, missionária” (Ad Gentes 2).

Missão tem a ver com serviço e testemunho. Na missão, na Igreja, não fazemos nada por nós mesmos, mas sempre em nome de Cristo. É em nome de Cristo que servimos ao irmão, ao próximo, ao necessitado. Fazendo isso, damos testemunho da nossa fé no mesmo Cristo. Pois, como afirma são Tiago, “a fé sem obras é morta” (Tg 2,14). E tudo isso “já”, diz o canto. Nada de ficar esperando para depois. Somos chamados a “ser Igreja” no hoje da nossa vida.
Quando falamos de serviço, de missão e de testemunho, lembramos de qual sacramento? Do sacramento da Confirmação é claro, ou como costumamos dizer, da Crisma. Desde modo, a segunda e a terceira estrofes cantam o mistério da Confirmação. Pois assinalados na Confirmação com o Dom do Espírito, somos mais perfeitamente configurados ao Senhor e repletos do Espírito Santo, para levar o Corpo de Cristo, isto é, a Igreja, o quanto antes à plenitude, dando testemunho de Cristo no mundo (Ritual da Iniciação Cristã de Adultos 2).

Você já havia pensado em tudo isso quando entoava esse canto? Então, acreditamos que sabemos… é como a pergunta que motiva esse texto. Mas o canto ainda nos reserva mais surpresas, muito boas, por sinal.

Vamos à quarta e última estrofe: “Somos povo a caminho/ construindo em mutirão/ nova terra, novo Reino/ na fraterna comunhão”. O “ser Igreja” é esse “povo a caminho”. Estamos todos em movimento. Mas, para onde, para que direção? Rumo à Jerusalém Celeste, à Nova Terra, ao Reino definitivo. Somos Igreja peregrina. A Eucaristia é o alimento que nos sustenta nessa jornada, o nosso viático. Ela gera na Igreja a fraterna comunhão, pois “embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão” (1Cor 10,17).

Na Igreja a unidade sustenta a comunidade. Juntos peregrinamos em direção à Jerusalém Celeste, e nesse peregrinar, em mutirão vamos construindo a Nova Terra, o Reino de Deus, que também é nosso. Reino de paz e de justiça, onde “não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor” (Ap 21,4). Deste Reino, a Assembleia Eucarística é antecipação e prelúdio, pois comendo e bebendo ao redor da mesma mesa, recebemos a vida eterna e exprimimos a unidade do povo de Deus (Ritual da Iniciação Cristã de Adultos 2). Assim como a Eucaristia leva à plenitude o processo de Iniciação Cristã, o Mistério Eucarístico coroa esse canto.
Quantos elementos significativos encontramos nesse canto, não? Lembre-se, são apenas pistas. 

O Mistério da Igreja é bem maior que isso. Ele nos envolve e nos ultrapassa. Eu apenas sinalizei o caminho. Cabe a você levar adiante essa reflexão. Se estiver atendo, vai descobrir novos caminhos para continuá-la. Aqui vai outro segredo: o desafio não é apenas saber “o que é ser Igreja”, mas viver como Igreja, sendo no mundo o bom perfume de Cristo (2Cor 2,15). Tudo na simplicidade, como nos aponta Francisco, tanto o de Assis quanto o Papa. “E agora, José?”
 
 
 
 
 
 
 

Pe. Edivaldo Rossi Gonçalves

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