Hoje já segundo dia que começamos um Novo Ano. Mas, quê
pode ser para nós algo realmente novo? Quem fará nascer em nós uma
alegria nova? Quem ativará em nós novos sonhos? Quem ensinará a sermos
mais humanos?
Para viver o novo ano com mais intensidade, o decisivo é
estar mais atentos ao melhor que se desperta em nós e viver sintonizados
com a eternidade de Deus.
Esta união com Deus faz com que o tempo
seja pleno. Também para nós o tempo pode ser de plenitude na medida em
que vivemos unidos a Deus e nos abrimos aos irmãos pelo amor. Pois o
amor é o que faz com que o tempo deixe de ser enfadonho e caduco e se
abra a uma plenitude que se renova cada dia.
Nem todos os tempos são iguais. Uma
coisa é o tempo do calendário, o contínuo movimento dos momentos, todos
idênticos; e outra coisa é a vivência humana do tempo: há momentos em
que o tempo se faz longo e outros em que se faz curto. Mais ainda, o
tempo pode ser vivido como uma experiência opressiva e limitadora ou
como uma experiência de plenitude. Quando vivemos o tempo como uma
oportunidade para acolher o novo, para abrir-nos às surpresas da vida e
para fazer-nos presentes gratuitamente, realizamos uma experiência
positiva do tempo.
O tempo se torna “kairós”, ou seja, o
momento oportuno para construir algo vital que possa transformar nossas
vidas, o tempo propício onde todas as possibilidades estão à nossa
disposição.
Foi essa a experiência vivida pelos
pastores, segundo o relato do Evangelho: no seu tempo, rotineiro
e sem expressão, uma criança se faz presente e a alegria tomou conta do
coração deles. A plenitude chegou para eles, e quando ela chega não se
esgota num instante, senão que permanece ao longo de toda a vida.
Na
Encarnação e Nascimento de Jesus, o tempo e a eternidade se fecundaram
mutuamente.
Deus não só entrou no tempo, senão que assumiu o tempo,
assumiu nossa realidade passageira para enchê-la de eternidade.
O que faz a diferença é o olhar que
pousa sobre o recém-nascido. Esse olhar está maravilhosamente mostrado
na cena tão despojada do encontro dos pastores na Gruta de Belém.
Trata-se de um olhar que chama à vida, que desperta uma resposta, um
olhar perfeitamente realista sobre as dificuldades, mas também sobre o
potencial que permitirá construir a vida.
A partir do “olhar” admirado dos
pastores, iniciar, ao longo deste ano, um processo minucioso de
extirpação das “cataratas” do nosso olhar interior: o olhar das
lembranças negativas, das suspeitas, dos julgamentos, das comparações...
e reacender o olhar contemplativo capaz de expressar a benevolência, a
delicadeza, a acolhida, a serenidade, a modéstia, a afabilidade, a
alegria simples de estar juntos...
Recordar todos os “olhares amorosos” que Deus foi depositando sobre nós ao longo da vida.
Coração e olhos espreitam na mesma direção. São os puros de coração os que verão a Deus (Mt. 5,8).
Mas quê “novo olhar” somos convidados a
ativar, no início deste Novo Ano, a partir da experiência da Gruta de
Belém?
É o olhar contemplativo, que libera a capacidade de admiração e
de encantamento para com o mundo, a vida, as pessoas... É o olhar que
nos abre para perceber a ação de Deus na história e em nossas vidas. É o
olhar que desperta o deslumbramento, que é a virtude da criança, a
inocência da vida, a capacidade de ver, de aprender, de ser... É o olhar
límpido, a face transparente, a memória sem ensaio.
Tudo é novo e por isso tudo é maravilhoso, porque tudo se vê pela primeira vez.
A capacidade de assombro é a medida da vitalidade no ser humano.
O olhar contemplativo, portanto, é
marcado pela esperança, pois consegue enxergar possibilidades novas na
realidade e abre “espaço para o imprevisto, para a magia e para o
milagre de que as coisas podem, de repente, mudar e ganhar outra
configuração...” (L. Boff).
Nesse sentido, o olhar é “grávido” de “boa-nova”, ou seja, é evangélico e transformador.
Desse olhar contemplativo, nasce o olhar
cuidadoso, que zela e guarda o outro, a ele se dedica e investe o
próprio tempo e energia, dispensando o melhor de si; nasce o olhar
compassivo, que acolhe e sofre a situação do outro; um olhar ousado, que
quebra as barreiras e aproxima corações...
Trata-se de um olhar inclusivo,
solidário, humanizante, que procura perceber e valorizar o outro em sua
diferença, em sua originalidade, em sua dignidade... e com ele se
compromete.
Todos conhecemos o expressivo valor do
olhar na dinâmica do encontro, na saudação, no receber e acolher, na
conversação, no despedir-se. O olhar fala, tanto assim que muitas vezes o
chamamos de eloqüente. No encontro com os outros, os olhos têm uma
função fundamental, pois acompanham atentos cada detalhe do modo de ser
dos presentes.
Observamos os interlocutores por
inteiro, o rosto, os gestos, as posturas, as mãos, o que dizem e como
dizem, os silêncios...; queremos saber e compreender com quem estamos
nos relacionando, deixamos aflorar reações, avaliamos as impressões que
eles produzem em nós e as que nós produzimos neles.
O primeiro encontro é prerrogativa dos
olhos; o contato inicial de duas pessoas é sempre feito, antes, com o
olhar, e só depois com as palavras. Inversamente, evitar o olhar é
evitar o encontro. Voltar a olhar para alguém é o primeiro modo de
dizer-lhe: sei que você existe.
O olhar de quem fala cria envolvimento,
interação e estimula a atenção. A escuta mantém a distância; o olhar
anula a distância e cria a presença. Um amigo se torna presente no
momento em que há encontro de olhares, mesmo que ele esteja no outro
lado da rua ou da praça e não possa saudá-lo verbalmente.
Entrar no campo visual de uma pessoa é
entrar no campo da sua consciência. Nesse momento passa-se da categoria
do ser, própria dos objetos, para o da presença e encontro, própria das
pessoas.
O olhar tem o poder para despertar e
para intimidar. Existem olhares que irradiam luz e atraem, outros que
espalham gelo e distanciam. Há um olhar que determina o fim de tudo,
outro que a tudo dá um começo ou recomeço. Há um olhar que recusa, outro
que propõe e espera. Com o olhar, exprimimos disponibilidade ou
indisponibilidade, dizemos a uma pessoa se ela pode ou não contar
conosco. E há o olhar autoritário, que reflete a vontade de deixar claro
que somos superiores, a essência secreta do poder.
O olhar de uma pessoa nasce da camada
mais profunda e secreta do seu ser. Por isso dizemos que os olhos são o
espelho da alma, pois transmitem as vibrações que brotam do nosso “eu”
mais profundo.
Cada um de nós tem um modo habitual de olhar que é o seu modo habitual de sentir.
Devemos habituar-nos a manter os olhos
erguidos, a olhar as pessoas nos olhos; um olhar afetuoso, que não
intimide e não se sinta intimidado, um olhar entre iguais, acolhedor,
estimulante, que demonstra interesse por aquilo que o outro diz,
participação empática no seu modo de sentir. Um olhar desarmado e
estimulante que, como o olhar dos pastores, nos motiva glorificar e
louvar a Deus diante das infinitas manifestações de sua surpreendente
Bondade em nossas vidas.
Texto bíblico: Lc 2,16-21
Na oração: O cristão é
aquele que conserva límpidos os olhos interiores, prontos para perceber a
maravilha que está germinando em sua vida.
Que olhar você tem sobre sua vida? Contemplativo? pessimista? compassivo?
Que olhar você tem sobre o mundo? Sobre as pessoas?...
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