A liturgia deste domingo coloca
a questão da vocação; e convida-nos a situá-la no contexto do projeto de
Deus para os homens e para o mundo. Deus tem um projeto de vida plena para
oferecer aos homens; e elege pessoas para serem testemunhas desse projeto na
história e no tempo.
A primeira leitura
apresenta-nos uma personagem misteriosa – Servo de Jahwéh – a quem Deus
elegeu desde o seio materno, para que fosse um sinal no mundo e levasse aos
povos de toda a terra a Boa Nova do projeto libertador de Deus.
A segunda leitura apresenta-nos
um “chamado” (Paulo) a recordar aos cristãos da cidade grega de Corinto que
todos eles são “chamados à santidade” – isto é, são chamados por Deus a viver
realmente comprometidos com os valores do Reino.
O Evangelho apresenta-nos
Jesus, “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Ele é o Deus que
veio ao nosso encontro, investido de uma missão pelo Pai; e essa missão
consiste em libertar os homens do “pecado” que oprime e não deixa ter acesso à
vida plena.
LEITURA I – Is 49,3.5-6
O Deutero-Isaías (o autor do texto que nos é hoje proposto e que mais
uma vez nos aparece como veículo da Palavra de Deus) é um profeta da época do
exílio, que desenvolveu o seu ministério na Babilónia, entre os exilados (como,
aliás, já dissemos no passado domingo). A sua mensagem – de consolação e de
esperança – aparece nos capítulos 40-55 do Livro de Isaías.
Contudo, há nesses capítulos quatro textos (cf. Is 42,1-9; 49,1-13;
50,4-11; 52,13-53,12) que se distinguem – quer em termos literários, quer em
termos temáticos – do resto da mensagem… São os quatro cânticos do Servo de
Jahwéh. Apresentam um misterioso servo de Deus, a quem Jahwéh confiou uma
missão. A missão do Servo cumpre-se no sofrimento e no meio das perseguições;
mas do sofrimento do Servo resultará a redenção para o Povo. No fim, o Servo
será recompensado por Jahwéh e será exaltado.
A primeira leitura de hoje propõe-nos parte do segundo cântico do
Servo de Jahwéh. Aqui, esse Servo é explicitamente identificado com Israel
(embora alguns autores suponham que a determinação “Israel” não é original no
texto e que foi aqui acrescentada como uma interpretação): seria a figura do
Povo de Deus, chamado a ser testemunha de Jahwéh no meio dos outros povos.
O nosso texto apresenta-se como uma declaração solene do Servo
(Israel) “às ilhas” e “às cidades longínquas” (vers. 1).
Na sua declaração, o Servo manifesta, em primeiro lugar, a consciência
da eleição: ele foi escolhido por Deus desde o seio materno (vers. 5a.b). A
expressão põe em relevo a origem de toda a vocação profética: é Deus que
escolhe, que chama, que envia. Referindo-se a Israel, a expressão faz alusão às
origens do Povo, à eleição e à aliança: Israel existe porque Deus o escolheu
entre todos os povos, revelou-lhe o seu rosto, constituiu-o como Povo,
libertou-o da escravidão, conduziu-o através do deserto e estabeleceu com ele
uma relação especial de comunhão e de aliança.
A eleição e a aliança pressupõem, contudo, a missão e o testemunho. A
missão deste Servo a quem Deus chamou é, em primeiro lugar, “reconduzir Jacob e
reunir Israel” a Jahwéh (vers. 5c.d). Aqui faz-se referência, provavelmente, ao
regresso do Povo à órbita da aliança (considerada rompida pelo pecado do Povo),
à reunião de todos os exilados e ao regresso à Terra Prometida.
A missão do Servo é, depois, ampliada “às nações” (vers. 6): Israel
deve dar testemunho da salvação de Deus, de forma a que a proposta salvadora e
libertadora chegue, por intermédio do Servo/Povo aos homens e mulheres de toda
a terra. Não deixa de impressionar a grandiosidade da missão confiada, em
contraste com a situação de opressão, de apagamento, de fragilidade em que
vivem os exilados… Aqui afirma-se o jeito de Deus, que age no mundo, salva e
liberta recorrendo a instrumentos frágeis e indignos.
ATUALIZAÇÃO
• A leitura propõe à nossa reflexão esse tema sempre pessoal, mas
sempre enigmático que é a vocação. Somos convidados, na sequência, a tomar
consciência da vocação a que somos chamados e das suas implicações. Não se
trata de uma questão que apenas atinge e empenha algumas pessoas especiais, com
um lugar à parte na comunidade eclesial (os padres, as freiras…); mas trata-se
de um desafio que Deus faz a cada um dos seus filhos, que a todos implica e que
a todos empenha.
• A figura do Servo de Jahwéh convida-nos, em primeiro lugar, a tomar
consciência de que na origem da vocação está Deus: é Ele que elege, que chama e
que confia a cada um uma missão. A nossa vocação é sempre algo que tem origem
em Deus e que só se entende à luz de Deus. Temos consciência de que somos
escolhidos por Deus desde o seio materno, isto é, desde o primeiro instante da
nossa existência? Temos consciência de que é Deus que alimenta a nossa vocação
e o nosso compromisso no mundo? Temos consciência de que só a partir de Deus a
nossa vocação faz sentido e o nosso empenhamento se entende? Temos consciência
de que a vocação implica uma relação de comunhão, de intimidade, de proximidade
com Deus?
• A vocação não se esgota, contudo, na aproximação do homem a Deus,
mas é sempre em ordem a um testemunho e a uma intervenção no mundo (mesmo que
se trate de uma vocação contemplativa). O homem chamado por Deus é sempre um
homem que testemunha e que é um sinal vivo de Deus, dos seus valores e das suas
propostas diante dos outros homens. Sinto que a minha vocação se realiza no
testemunho da salvação e da libertação de Deus aos meus irmãos? A vocação a que
Deus me chama leva-me a ser uma luz de esperança no mundo? A salvação de Deus
atinge o mundo e torna-se uma realidade concreta no meu testemunho e no meu
ministério?
• Ao refletirmos na lógica da vocação, é preciso estarmos cientes de
que toda a vocação tem origem em Deus, é alimentada por Deus, e de que Deus se
serve, muitas vezes, da nossa fragilidade, caducidade e indignidade para atuar
no mundo. Aquilo que fazemos de bom e de bonito não resulta, portanto, das
nossas forças ou das nossas qualidades, mas de Deus. O coração do profeta não
tem, portanto, qualquer razão para se encher de orgulho, de vaidade e de autossuficiência:
convém ter consciência de que por detrás de tudo está Deus, e que só Deus é
capaz de transformar o mundo, a partir dos nossos pobres gestos e das nossas
frágeis forças.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 39(40)
Refrão: Eu
venho, Senhor, para fazer a vossa vontade.
Esperei no
senhor com toda a confiança
e Ele
atendeu-me.
Pôs em meus
lábios um cântico novo,
um hino de
louvor ao nosso Deus.
Não Vos
agradaram sacrifícios nem oblações,
mas
abristes-me os ouvidos;
não pedistes
holocaustos nem expiações,
então
clamei: «Aqui estou».
«De mim está
escrito no livro da Lei
que faça a
vossa vontade.
Assim o
quero, ó meu Deus,
a vossa lei
está no meu coração».
Proclamei a
justiça na grande assembleia,
não fechei
os meus lábios, Senhor, bem o sabeis.
Não escondi
a vossa justiça no fundo do coração,
proclamei a
vossa fidelidade e salvação.
LEITURA II – 1 Cor 1,1-3
Nos próximos seis domingos, a liturgia vai propor-nos a leitura da
primeira carta de Paulo aos cristãos da comunidade de Corinto. Para entendermos
cabalmente a mensagem, convém determo-nos um pouco sobre o ambiente em que o
texto nos situa.
No decurso da sua segunda viagem missionária, Paulo chegou a Corinto,
depois de atravessar boa parte da Grécia, e ficou por lá cerca 18 meses (anos
50-52). De acordo com At 18,2-4, Paulo começou a trabalhar em casa de Priscila
e Áquila, um casal de judeo-cristãos. No sábado, usava da palavra na sinagoga.
Com a chegada a Corinto de Silvano e Timóteo (2 Cor 1,19; At 18,5), Paulo
consagrou-se inteiramente ao anúncio do Evangelho. Mas não tardou a entrar em
conflito com os judeus e foi expulso da sinagoga.
Corinto era uma cidade nova e muito próspera. Servida por dois portos
de mar, possuía as características típicas das cidades marítimas: população de
todas as raças e de todas as religiões. Era a cidade do desregramento para
todos os marinheiros que cruzavam o Mediterrâneo, ávidos de prazer, após meses
de navegação. Na época de Paulo, a cidade comportava cerca de 500.000 pessoas, das
quais dois terços eram escravos. A riqueza escandalosa de alguns contrastava
com a miséria da maioria.
Como resultado da pregação de Paulo, nasceu a comunidade cristã de
Corinto. A maior parte dos membros da comunidade eram de origem grega, embora
em geral, de condição humilde (cf. 1 Cor 11,26-29; 8,7; 10,14.20; 12,2); mas
também havia elementos de origem hebraica (cf. Act 18,8; 1 Cor 1,22-24; 10,32;
12,13).
De uma forma geral, a comunidade era viva e fervorosa; no entanto,
estava exposta aos perigos de um ambiente corrupto: moral dissoluta (cf. 1 Cor
6,12-20; 5,1-2), querelas, disputas, lutas (cf. 1 Cor 1,11-12), sedução da
sabedoria filosófica de origem pagã que se introduzia na Igreja revestida de um
superficial verniz cristão (cf. 1 Cor 1,19-2,10).
Tratava-se de uma comunidade forte e vigorosa, mas que mergulhava as
suas raízes em terreno adverso. Na comunidade de Corinto, vemos as dificuldades
da fé cristã em inserir-se num ambiente hostil, marcado por uma cultura pagã e
por um conjunto de valores que estão em profunda contradição com a pureza da
mensagem evangélica.
Paulo começa esta carta com a saudação e a ação de graças, típicas das
cartas paulinas. Na saudação, carregada de conteúdo teológico, Paulo reivindica
a sua condição de escolhido por Deus (de apóstolo), sugerindo que está
revestido de autoridade para proclamar com plena garantia o Evangelho. Esta
reivindicação sugere que, no contexto coríntio, havia quem punha em causa a sua
autoridade apostólica e o seu testemunho. Os destinatários da carta são,
evidentemente, os membros da comunidade cristã de Corinto; no entanto, a
mensagem serve para os cristãos de todas as épocas e de todas as latitudes.
Neste parágrafo inicial, o vocábulo chamado assume um lugar especial:
Paulo foi chamado por Deus a ser apóstolo e os coríntios são uma comunidade de
chamados à santidade. Transparece aqui, como na primeira leitura, a convicção
de que Deus tem um projeto para os homens e para o mundo e que todos – quer
Paulo, quer os cristãos de Corinto, são chamados a um compromisso efetivo com
esse projeto.
O que é que significa ser chamado à santidade? No contexto paulino, os
santos são todos aqueles que acolheram a proposta libertadora de Jesus e
aceitaram os valores do Evangelho. Os “santos” são os “separados”: os coríntios
são “santos” porque, ao aceitar a proposta de Jesus, escolheram viver
“separados” do mundo. “Separados” não significa “alheados”; mas significa viver
de acordo com valores e esquemas diferentes dos valores e esquemas consagrados
pelo mundo.
A palavra “klêtos” (“chamado”), aqui usada, supõe Deus como sujeito:
foi Deus que chamou Paulo; é Deus que chama os coríntios. Mais uma vez fica
claro que o chamamento provém da iniciativa divina e que só se compreende a
partir de Deus e à luz da ação de Deus.
ATUALIZAÇÃO
• Deus chama os homens e as mulheres à santidade. Tenho consciência do
apelo que Deus, nesta linha, me faz também a mim? Estou disponível e bem
disposto para aceitar esse desafio?
• Realizar a vocação à santidade não implica seguir caminhos
impossíveis de ascese, de privação, de sacrifício; mas significa, sobretudo,
acolher a proposta libertadora que Deus oferece em Jesus e viver de acordo com
os valores do Reino. É dessa forma que concretizo a minha vocação à santidade?
Tenho a coragem de viver e de testemunhar, com radicalidade, os valores do
Evangelho, mesmo quando a moda, o orgulho, a preguiça, os interesses
financeiros, o “politicamente correto”, a opinião dominante me impõem outras
perspectivas?
• Convém ter sempre presente que a Igreja, a comunidade dos “chamados
à santidade”, é constituída por “todos os que invocam, em qualquer lugar, o
nome de Nosso Senhor Jesus Cristo”. É importante termos consciência de que,
para além da cor da pele, das diferenças sociais, das distâncias sociais ou
culturais, das perspectivas diferentes sobre as questões secundárias da
vivência da religião, o essencial é aquilo que nos une e nos faz irmãos: Jesus
Cristo e o reconhecimento de que Ele é o Senhor que nos conduz pela história e
nos oferece a salvação.
ALELUIA – Jo 1,14a.12a
Aleluia.
Aleluia.
O Verbo
fez-Se carne e habitou entre nós.
Àqueles que
O receberam
deu-lhes o
poder de se tornarem filhos de Deus.
EVANGELHO – Jo 1,29-34
A perícope que nos é proposta integra a seção introdutória do Quarto
Evangelho (cf. Jo 1,19-3,36). Aí o autor, com consumada maestria, procura
responder à questão: “quem é Jesus?”
João dispõe as peças num enquadramento cênico. As diversas personagens
que vão entrando no palco procuram apresentar Jesus. Um a um, os atores
chamados ao palco por João vão fazendo afirmações carregadas de significado
teológico sobre Jesus. O quadro final que resulta destas diversas intervenções
apresenta Jesus como o Messias, Filho de Deus, que possui o Espírito e que veio
ao encontro dos homens para fazer aparecer o Homem Novo, nascido da água e do
Espírito.
João Batista, o profeta/percursor do Messias, desempenha aqui um papel
especial na apresentação de Jesus (o seu testemunho aparece no início e no fim
da seção – cf. Jo 1,19-37; 3,22-36). Ele vai definir aquele que chega e
apresentá-lo aos homens. Ao não assinalar-se o auditório, sugere-se que o
testemunho de João é perene, dirigido aos homens de todos os tempos e com eco
permanente na comunidade cristã.
João é, portanto, o apresentador oficial de Jesus. De que forma e em
que termos o vai apresentar?
A catequese sobre Jesus que aqui é feita expressa-se através de duas
afirmações com um profundo impacto teológico: Jesus é o Cordeiro de Deus que
tira o pecado do mundo; e é o Filho de Deus que possui a plenitude do Espírito.
A primeira afirmação (“o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”
– Jo 1,29) evoca, provavelmente, duas imagens tradicionais extremamente
sugestivas. Por um lado, evoca a imagem do “servo sofredor”, o cordeiro levado
para o matadouro, que assume os pecados do seu Povo e realiza a expiação (cf.
Is 52,13-53,12); por outro lado, evoca a imagem do cordeiro pascal, símbolo da ação
libertadora de Deus em favor de Israel (cf. Ex 12,1-28). Qualquer uma destas
imagens sugere que a pessoa de Jesus está ligada à libertação dos homens.
A ideia é, aliás, explicitada pela definição da missão de Jesus: Ele
veio para tirar (“eliminar”) “o pecado do mundo”. A palavra “pecado” aparece,
aqui, no singular: não designa os “pecados” dos homens, mas um “pecado” único
que oprime a humanidade inteira; esse “pecado” parece ter a ver, no contexto da
catequese joânica, com a recusa da proposta de vida com que Deus, desde sempre,
quis presentear a humanidade (é dessa recusa que resulta o pecado histórico,
que desfeia o mundo e que oprime os homens). O “mundo” designa, neste contexto,
a humanidade que resiste à salvação, reduzida à escravidão e que recusa a
luz/vida que Jesus lhe pretende oferecer… Deus propôs-se tirar a humanidade da
situação de escravidão em que esta se encontra; enviou ao mundo Jesus, com a
missão de realizar um novo êxodo, que leve os homens da terra da escravidão
para a terra da liberdade.
A segunda afirmação (o “Filho de Deus” que possui a plenitude do
Espírito Santo e que batiza no Espírito – cf. Jo 1,32-34) completa a anterior.
Há aqui vários elementos bem sugestivos: o “cordeiro” é o Filho de Deus; Ele
recebeu a plenitude do Espírito; e tem por missão batizar os homens no
Espírito.
Dizer que Jesus é o Filho de Deus é dizer que Ele é o Deus que se faz
pessoa, que vem ao encontro dos homens, que monta a sua tenda no meio dos
homens, a fim de lhes oferecer a plenitude da vida divina. A sua missão
consiste em eliminar “o pecado” que torna o homem escravo e que o impede de
abrir o coração a Deus.
Dizer que o Espírito desce sobre Jesus e permanece sobre Ele sugere
que Jesus possui definitivamente a plenitude da vida de Deus, toda a sua
riqueza, todo o seu amor. Por outro lado, a descida do Espírito sobre Jesus é a
sua investidura messiânica, a sua unção (“messias” = “ungido”). O quadro
leva-nos aos textos do Deutero-Isaías, onde o “Servo” aparece como o eleito de
Jahwéh, sobre quem Deus derramou o seu Espírito (cf. Is 42,1), a quem ungiu e a
quem enviou para “anunciar a Boa Nova aos pobres, para curar os corações
destroçados, para proclamar a libertação aos cativos, para anunciar aos
prisioneiros a liberdade” (Is 61,1-2).
Jesus é, finalmente, aquele que batiza no Espírito Santo. O verbo “batizar”
aqui utilizado tem, em grego, duas traduções: “submergir” e “empapar (como a
chuva empapa a terra)”; refere-se, em qualquer caso, a um contato total entre a
água e o sujeito. “Batizar no Espírito” significa, portanto, um contato total
entre o Espírito e o homem, uma chuva de Espírito que cai sobre o homem e lhe
empapa o coração. A missão de Jesus consiste, portanto, em derramar o Espírito
sobre o homem; e o homem que adere a Jesus, “empapado” do Espírito e
transformado por essa fonte de vida que é o Espírito, abandona a experiência da
escuridão (“o pecado”) e alcança o seu pleno desenvolvimento, a plenitude da
vida.
A declaração de João convida os homens de todas as épocas a
voltarem-se para Jesus e a acolherem a proposta libertadora que, em nome de
Deus, Ele faz: só a partir do encontro com Jesus será possível chegar à vida
plena, à meta final do Homem Novo.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão pessoal e comunitária pode tocar os seguintes pontos:
• Em primeiro lugar, importa termos consciência de que Deus tem um projeto
de salvação para o mundo e para os homens. A história humana não é, portanto,
uma história de fracasso, de caminhada sem sentido para um beco sem saída; mas
é uma história onde é preciso ver Deus a conduzir o homem pela mão e a
apontar-lhe, em cada curva do caminho, a realidade feliz do novo céu e da nova
terra. É verdade que, em certos momentos da história, parecem erguer-se muros
intransponíveis que nos impedem de contemplar com esperança os horizontes
finais da caminhada humana; mas a consciência da presença salvadora e amorosa
de Deus na história deve animar-nos, dar-nos confiança e acender nos nossos
olhos e no nosso coração a certeza da vida plena e da vitória final de Deus.
• Jesus não foi mais um “homem bom”, que coloriu a história com o
sonho ingênuo
de um mundo melhor e desapareceu do nosso horizonte (como os
líderes do Maio de 68 ou os fazedores de revoluções políticas que a história
absorveu e digeriu); mas Jesus é o Deus que Se fez pessoa, que assumiu a nossa
humanidade, que trouxe até nós uma proposta objetiva e válida de salvação e que
hoje continua presente e ativo na nossa caminhada, concretizando o plano
libertador do Pai e oferecendo-nos a vida plena e definitiva. Ele é, agora e
sempre, a verdadeira fonte da vida e da liberdade. Onde é que eu mato a minha
sede de liberdade e de vida plena: em Jesus e no projeto do Reino ou em
pseudo-messias e miragens ilusórias de felicidade que só me afastam do
essencial?
• O Pai investiu Jesus de uma missão: eliminar o pecado do mundo. No
entanto, o “pecado” continua a enegrecer o nosso horizonte diário, traduzido em
guerras, vinganças, terrorismo, exploração, egoísmo, corrupção, injustiça…
Jesus falhou? É o nosso testemunho que está a falhar? Deus propõe ao homem o
seu projeto de salvação, mas não impõe nada e respeita absolutamente a
liberdade das nossas opções. Ora, muitas vezes, os homens pretendem descobrir a
felicidade em caminhos onde ela não está. De resto, é preciso termos
consciência de que a nossa humanidade implica um quadro de fragilidade e de
limitação e que, portanto, o pecado vai fazer sempre parte da nossa experiência
histórica. A libertação plena e definitiva do “pecado” acontecerá só nesse novo
céu e nova terra que nos espera para além da nossa caminhada terrena.
• Isso não significa, no entanto, pactuar com o pecado, ou assumir uma
atitude passiva diante do pecado. A nossa missão – na sequência da de Jesus –
consiste em lutar objetivamente contra “o pecado” instalado no coração de cada
um de nós e instalado em cada degrau da nossa vida coletiva. A missão dos
seguidores de Jesus consiste em anunciar a vida plena e em lutar contra tudo
aquilo que impede a sua concretização na história.
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