sábado, 28 de dezembro de 2013

A MANJEDOURA VAZIA.

 O vácuo de crianças em todo o Ocidente reflete o vazio do mundo antes de Cristo e do coração humano sem Deus.
 
Como em todos os outros anos, a manjedoura ficou vazia. Os pastores se ajoelharam, os anjos cantaram, o boi, o burro e cordeiro olharam ansiosos e até José e Maria voltaram o olhar em adoração para a manjedoura... vazia. O Menino não estava lá.

Todas as luzes e enfeites já estavam pendurados desde antes de acabar novembro, mas ainda não era Natal. É disso que nos lembram os presépios durante as quatro longas semanas do advento, até a véspera da festa: eles ficam privados da imagem do Menino; a manjedoura espera vazia.

É assim na igreja da Imaculada Conceição, em Nova Iorque, onde eu fui batizado e cresci ajudando a montar o presépio todos os anos – e onde espero um dia ser enterrado. Todo ano, nas semanas do advento, eu passo pela manjedoura vazia e sinto, com força, aquela fisgada de anseio que os futuros pais devem sentir, ou que era sentida pelos israelitas inquietos à espera do Messias.

O presépio continua a ser uma peça sublime da piedosa arte popular, poderosa o suficiente para assaltar a nossa imaginação no meio dos enfeites, das festas e dos brinquedos. Criada pelo homem que os seus contemporâneos chamavam de "segundo Cristo", São Francisco de Assis, a tradição de representar a cena do nascimento de Jesus com madeira, plástico ou papel machê alicerça o Natal menos na mente que no coração, lembrando a todos que, em primeiro lugar, esta é uma festa de nascimento.

Uma festa de nascimento humano
O Deus que os cristãos adoram desceu da coluna de fogo, surgiu da sarça ardente e veio caminhar entre nós. Ele não se passou por cisne nem por touro, como Zeus, mas se deitou, como um bebê indefeso, em meio aos animais, e se colocou inteiramente à nossa mercê, dando a vida por nós.

Temos aqui um paradoxo. Porque a nota dominante na vida de Jesus, apesar de toda a sua ternura para com os pecadores, não foi a passividade nem a resignação. Ele sabia que era filho de reis e Filho de Deus, e foi assim que falou, "como um que tem autoridade". Ele desafiou os homens de poder e o deus-dinheiro, que tinham sequestrado a sua religião ancestral. Ele mostrou uma saudável lealdade à sua nobre e antiga linhagem, mas também demonstrou compaixão para com os estrangeiros, como aquela mulher gentia que procurava a cura da sua filha. A ela, Jesus respondeu: "Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas de Israel".

A mulher se ajoelhou diante dele. "Senhor, ajuda-me!". Ele replicou: "O pão dos filhos não deve ser lançado aos cachorrinhos". "Sim, Senhor", insistiu ela , "mas até os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos". Então Jesus disse: "Mulher, é grande a tua fé! Teu pedido te é atendido". E a filha foi curada naquela mesma hora (Mateus 15,24-28).

Ele repreendeu o vento e as ondas, expulsou demônios, ameaçou derrubar o templo de Salomão e o esvaziou de cambistas com um chicote de cordas. Com a vida em jogo, não demonstrou nem medo nem bajulação: dignou-se pronunciar diante do procurador da poderosa Roma apenas algumas palavras sarcásticas. E da própria morte, que tanto sofrimento lhe custou, Ele se livrou como quem tira um casaco mal ajustado, ressurgindo vivo do submundo, como os ícones bizantinos maravilhosamente retratam, à frente de um exército de mortos justos, de Adão a Abraão, de Melquisedeque aos Macabeus.

Sabendo disso tudo, aguardamos o Menino com certa pitada de medo. Quando o Bebê é enfim colocado sobre a palha, ele parece irradiar. A admiração no rosto dos homens sábios agora faz perfeito sentido, como se eles ouvissem, nas suas batidas do coração, o tique-taque de um relógio, que, quando parar, explodirá em pedaços as bases do mundo.

Há algo desse poder no nascimento de qualquer criança, para o bem ou para o mal. Em seu eloquente livro “Explicando Hitler”, Ron Rosenbaum consegue muito com o fascínio sentido por alguns perante as fotos do ainda inocente menino Adolf. Cada criança que nasce contém a semente da virtude e do vício e uma faísca mística de infinitude, a capacidade do livre arbítrio. Não podemos fingir que as crianças nascem como folhas completamente em branco, nem que são pergaminhos totalmente escritos aguardando apenas ser desenrolados. Em cada criança, como no menino Jesus, há um paradoxo eterno: é por isso que as "ciências" humanas serão sempre uma arte expressionista.

A concepção de Jesus por Maria foi um milagre, mas existe maravilha também no trabalho de cada mãe ou pai amoroso. As mulheres jovens, que passaram a juventude no aguardo de um companheiro, passam a dedicar a sua força e beleza a outro ser, negligenciando as próprias necessidades e ambições por causa dessa nova criatura, desse mistério do futuro. Os jovens homens aumentam as suas labutas, assumem os ônus de longas horas de trabalho para armazenar um tesouro melhor para o novo bebê. Naquele pequeno estranho, que compartilha com eles alguns cromossomos, eles depositam a sua confiança. Os últimos luxos do narcisismo juvenil vão se apagando. Maria e José não se olham no espelho; não olham sequer um para o outro, esquecendo-se de tudo enquanto contemplam o Menino. É o que vemos nas centenas de milhares de igrejas americanas e em milhões de casas de família: o mistério do sacrifício em miniatura que torna possível a vida humana. Ele explica a sobrevivência de todas as raças e culturas que já houve sobre a terra e o segredo da sua continuidade.

Demografia é destino – e o berço terá a sua vingança. Como os demógrafos documentaram, o “crescente poder” da assim chamada "direita cristã" dos Estados Unidos pode ser visto na sua crescente taxa de natalidade, no fato de tantos homens e mulheres das “regiões conservadoras” estarem escolhendo uma nova vida em detrimento de um velho estilo de vida, escolhendo mais filhos em vez de mais prazeres. Eles abandonam a diversidade cultural e a beleza das cidades e vão para o “deserto”, habitando com gosto os “ermos sem alma” dos subúrbios do país, que ocupam cada vez mais espaço da paisagem nacional a cada ano. Para quê? Para proteger os filhos do caos, do crime e da corrupção. Aqueles de nós que se apegam às bonitas “regiões liberais” dos Estados Unidos, com seus restaurantes étnicos e suas requintadas igrejas vazias, não terão espaço, nem meios, nem a paz de espírito para gerar grandes famílias. Em vez de conceber e criar filhos, nós falamos em reproduzir clones de nós mesmos. O presente vantajoso é nosso. Mas não teremos futuro.

Apenas mais uma alma

Este contraste é ainda mais gritante no berço da cristandade, a Europa. Não é preciso ter chorado (como eu chorei) ao ler “A Morte do Ocidente”, de Pat Buchanan, para saber o que está acontecendo. Os hedonistas pansexuais da Holanda entram em pânico ao pensar no futuro islâmico do seu país. Mesmo o parisiense mais blasé já começou a se perguntar se o seu estado burocraticamente ateu é ácido o suficiente para dissolver a fé dos imigrantes que se espalham pela França.
 Qualquer criatura ou cultura saudável apresenta dois sinais de vida: ela se reproduz e luta contra os intrusos. O Ocidente, na sua última geração, não teve vigor para realizar nenhuma das duas tarefas. Mas cada um de nós tem um papel nesta catástrofe – e na solução para ela. Podemos nos abrir para a vida, aceitar os sacrifícios inumeráveis inerentes à paternidade e abraçar uma criança a mais do que prendíamos. Há um website católico, o “One More Soul” [Mais uma Alma, ndr], que implora aos casais para fazerem exatamente isso. Não precisamos (nem devemos) nos preocupar em convencer os outros povos a reduzirem a sua taxa de fertilidade. Temos que nos concentrar em povoar o nosso próprio país.

Imagine que os estadunidenses aumentassem a sua taxa de natalidade em 50%. Imagine a mesma coisa na Europa. O clamor dos entusiastas da imigração, que dizem que temos de importar a nossa próxima geração, ficaria abafado pelos bocejos, risos e choros de milhões de recém-nascidos nativos. Os extenuantes trabalhos que hoje deixamos nas costas de estrangeiros de meia-idade seriam assumidos em breve por adolescentes, filhos nossos e dos nossos vizinhos. Os imigrantes entre nós veriam uma cultura vigorosa e viva e desejariam assimilá-la. Seus descendentes se casariam com os nossos próprios, temperando a nossa mistura em vez de encher o nosso país esvaziado como se ele fosse uma vasilha.

Dado que eu amo também a velha Europa, espero que esta geração possa despertar e reagir diante da invasão de uma fé estranha e intolerante, uma heresia truncada do cristianismo, e garanta para os seus filhos a chance de redescobrir a própria herança. Prefiro que Notre Dame fique vazia durante algumas décadas, numa Paris subpovoada, a vê-la transformada, como Santa Sofia, numa mesquita. Devemos muito à Europa para desistir dela. O continente que nos deu Carlos Magno e Shakespeare, Tocqueville e Vicente de Paulo, merece uma segunda chance.

E eu rezo para que os americanos aprendam a amar a vida reta e verdadeiramente, de acordo com as regras do seu Autor. Estas regras foram obedecidas por Ele próprio, que nasceu de uma mulher, dedicou a sua força a servir aos outros e um dia morreu. Que a família que Ele gerou com o seu sangue, a Igreja, viva da maneira normal: fazendo com que cada berço vazio seja preenchido com uma criança cristã.

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