sábado, 21 de dezembro de 2013

4º DOMINGO DO ADVENTO - JESUS NASCERÁ DE MARIA.

A Virgem conceberá e dará à luz um filho. Esta profecia realizou-se em Maria. A Igreja sempre professou a Virgindade real e perpétua de Maria. O nascimento de Cristo não diminuiu, antes consagrou a Virgindade da sua Mãe (LG 57).
 
Primeira leitura - Isaías 7,10-14
 
O contexto histórico deste oráculo isaiano é o da conjura dos reis de Israel e de Damasco para destronarem Acaz, o rei de Judá.
10-12 - Como prova de que o rei Acaz não virá a ser destronado e substituído pelo filho de Tabel, estranho à linhagem davídica, o profeta Isaías propõe ao rei que peça um sinal divino, o mais extraordinário que seja (cf. v. 11). O rei, com hipócrita religiosidade, nega-se a pedir esse sinal, porque não acredita em sinais, em coisas sobrenaturais. Foi por esta ocasião – o que não quer dizer exatamente no mesmo momento – que o profeta, dirigindo-se à linhagem (casa) de David, anunciou que o Senhor dará um sinal verdadeiramente extraordinário e que o trono de David se consolidará eternamente (cf. 1Sam. 7,16).
14 - Esse «sinal» é «a virgem que concebe». Muito se tem discutido e escrito sobre este sinal. Uma coisa é certa, é que o crente não pode prescindir de algum sentido messiânico (direto ou indireto) desta célebre passagem isaiana. De fato, a própria exegese bíblica mostra que estamos no chamado «livro do Imanuel» (Is. 7–12), uma secção de carácter vincadamente messiânico por apontar para um descendente de David em quem se concentram as promessas da salvação de Deus, o Imanuel (o Deus conosco); embora, em primeiro plano, possa ser visado o próprio filho do rei Acaz, Ezequias, ele é considerado uma figura ou tipo do Messias. A tradução grega dos LXX (inspirada por Deus?) utilizou um termo específico para designar a virgindade desta mãe, chamando-a parthénos, quando o termo hebraico original não designa mais que a sua idade juvenil: ‘almáh. A célebre tradução grega em que se apoiavam os primeiros apologistas cristãos para demonstrarem aos judeus que Jesus é o Messias prometido, veio a ser rejeitada pelos judeus, que a substituíram por outras versões (ou antes adaptações gregas: Áquila, Símaco e Teodocião) e o dia festivo para comemorar a tradução dos LXX passou a ser um dia de luto. A interpretação mais tradicional defende o sentido literal (não se contentando com o sentido chamado típico ou pleno, suficientes para se garantir o sentido messiânico da passagem) e faz finca-pé em que Deus tinha oferecido pelo Profeta um sinal prodigioso, e eis que o dá; ora esse sinal só é prodigioso se a concepção e o nascimento do Menino acontece sem destruir a virgindade da Mãe; aliás é ela a pôr o nome ao filho, coisa que pertence sempre ao pai (que aqui não aparece). O próprio nome do filho insinua a sua divindade, «Deus conosco»: é a mesma personagem extraordinária anunciado em Is. 9,5-6: «Deus forte, príncipe da paz…». Mt. 1,23 (o Evangelho de hoje) e toda a tradição cristã e o próprio magistério da Igreja levam a ver nesta passagem uma referência «ao parto virginal da Mãe de Deus e ao verdadeiro Emanuel, Cristo Senhor» (Pio VI). Não é, porém, agora aqui o lugar para entrar em mais discussões exegéticas de pormenor.

São Paulo, ao apresentar Jesus Cristo e a sua obra, sintetiza o plano salvador de Deus. Afirma que Jesus, Filho de Deus, tinha sido «prometido pelos profetas nas sagradas Escrituras».
 
Segunda leitura - Romanos 1,1-7
 
A leitura corresponde à saudação inicial da Carta aos Romanos, em que Paulo se apresenta aos cristãos residentes em Roma a quem pretende visitar (cf. vv. 10-15). Apresenta-se na sua qualidade de «Apóstolo por chamamento divino, escolhido» por Deus para pregar aos gentios o Evangelho de Jesus Cristo, deixando claro desde o início (v. 4) a natureza humana do Filho de Deus, «da descendência de David segundo a carne» e a sua natureza divina, «constituído Filho de Deus em todo o seu poder pela sua ressurreição». Convém ter presente que não foi a ressurreição que O tornou Filho de Deus, mas foi esta que lhe garantiu o pleno exercício de «todo o seu poder» que lhe compete como Filho de Deus e que manifestou o que Ele é, Filho de Deus «segundo o Espírito de santificação», isto é, «quanto ao seu ser animado pelo Espírito da santidade divina», uma forma de aludir à sua condição divina (e não ao Espírito Santo, a Terceira Pessoa Trinitária), como fica claro pela contraposição: «segundo a carne» – «segundo o Espírito». Ainda que se possa ver nestas formulações da fé o reflexo de uma cristologia primitiva, dita «baixa», e ainda não suficientemente desenvolvida, mais existencial do que essencial, a verdade é que os títulos com que Jesus Cristo é aqui designado – «Filho» e «Senhor» – são suficientemente expressivos da fé na natureza divina de Jesus possuída antes da ressurreição (cf. Rom 8,3; Gal 4,4-5; Filp 2,6; Col 1,15).
 
Evangelho - Mateus 1,18-24
 
Mateus centra o seu relato do nascimento de Jesus na figura de são José (são Lucas na de Maria), com uma clara intencionalidade teológica de apresentar Jesus como o Messias, anunciado como descendente de David. Isto é posto em evidência logo de início: «Genealogia de Jesus Cristo (= Messias), Filho de David» (v. 1). Como a linha genealógica passava pelo marido, é a de José que é apresentada. Os elos são selecionados para que apareçam três séries de 14 nomes, obedecendo a uma técnica rabínica, chamada gematriáh, ou recurso ao valor alfabético dos números; assim o número 14, reforçado pela sua tripla repetição – «catorze gerações» – (no v. 17),sugere o nome de David, que em hebraico se escreve com três consoantes (em hebraico não se escrevem as vogais) que dão o número catorze (D=4)+(V=6)+(D=4) = 14. A concepção virginal antes de ser explicada e justificada pelo cumprimento das Escrituras (vv. 18-25), é logo anunciada na genealogia, que precede imediatamente a leitura de hoje, pois para todos os seus elos se diz «gerou», quando para o último elo não se diz que «gerou», mas: «José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus» (v. 16, à letra «da qual foi gerado – entenda-se, por Deus – Jesus»).
18 - «Antes de terem vivido em comum»: Maria e José já tinham celebrado os esponsais, que tinham valor jurídico de um matrimônio, mas ainda não tinham feito as bodas solenes, em que o noivo trazia festivamente a noiva para sua casa, o que costumava ser cerca de um ano depois.
«Encontrava-se grávida por virtude do Espírito Santo»: isto conta-se em pormenor no Evangelho de Lucas (1,26-38), lido na festa da Imaculada Conceição. Ao dizer-se «por virtude do Espírito Santo», não se quer dizer que o Espírito Santo desempenhou o papel de pai, pois Ele é puro espírito. Também isto nada tem que ver com os relatos mitológicos dos semideuses, filhos dum deus e duma mulher. Além do mais, é evidente o caráter semítico e o substrato judaico e vétero-testamentário das narrativas da infância de Jesus em Mateus e Lucas; ora, nas línguas semíticas a palavra «espírito» não é masculina, mas sim feminina. Isto chegava para fazer afastar toda a suspeita de dependência do relato relativamente aos mitos pagãos. Por outro lado, na Sagrada Escritura, Deus nunca intervém na geração à maneira humana, pois é espiritual e transcendente: Deus não gera criaturas, Deus cria-as. As narrativas de Mateus e Lucas têm tal originalidade que excluem qualquer dependência dos mitos.
 
19 - «Mas José, seu esposo…». Partindo do fato real e indiscutível da concepção virginal de Jesus, aqui apresentamos uma das muitas explicações dadas para o que se passou. A verdade é que não dispomos da crônica dos fatos, pois a intenção do Evangelista era primordialmente teológica, embora sem inventar histórias, pois em face dos dados das suas fontes nem sequer disso precisava. Do texto parece depreender-se que Maria nada tinha revelado a José do mistério que nela se passava. José vem a saber da gravidez de Maria por si mesmo ou pelas felicitações do paraninfo (o «amigo do esposo»), e o que devia ser para José uma grande alegria tornou-se o mais cruel tormento. Em circunstâncias idênticas, qualquer outro homem teria atuado drasticamente, denunciando a noiva ao tribunal como adúltera. Mas José era um santo, «justo», por isso, não condenava ninguém sem ter as provas evidentes da culpa. E aqui não as tinha e, conhecendo a santidade singular de Maria, não admite a mais leve suspeita, mas pressente que está perante o sobrenatural, já sentido por Isabel… (ou não teria tido alguma iluminação divina acerca da profecia de Isaías 7,14). Então só lhe restava deixar Maria, para não se intrometer num mistério em que julga não lhe competir ter parte alguma. É assim que «resolveu repudiá-la em segredo», evitando, assim, «difamá-la» (colocá-la numa situação infamante) ou simplesmente «tornar público» o mistério messiânico. Mas podemos perguntar: porque não interrogava antes Maria para ser ela esclarecer o assunto? É que pedir uma explicação já seria mostrar dúvida, ofendendo Maria; a sua delicadeza extrema levá-lo-ia a não a humilhar ou deixar embaraçada. E porque razão é que Maria não falou, se José tinha direito de saber do sucedido? Mas como é que Maria podia falar de coisas tão colossalmente extraordinárias e inauditas?! Como podia provar a José a Anunciação do Anjo? Maria calava, sofria e punha nas mãos de Deus a sua honra e as angústias por que José iria passar por sua causa; e Deus, que tinha revelado já a Isabel o mistério da sua concepção, podia igualmente vir a revelá-lo a José. De tudo isto fica para nós o exemplo de Maria e de José: não admitir suspeitas temerárias e confiar sempre em Deus.
20 - «Não temas receber Maria, tua esposa». O Anjo não diz: «não desconfies», mas: «não temas». Segundo a explicação anterior, José deveria andar amedrontado com algo de divino e misterioso que pressentia: julga-se indigno de Maria e decide não se imiscuir num mistério que o transcende. Como explica são Bernardo, são José «foi tomado dum assombro sagrado perante a novidade de tão grande milagre, perante a proximidade de tão grande mistério, que a quis deixar ocultamente… José tinha-se, por indigno…». Segundo alguns exegetas modernos (Zerwick), o texto sagrado poderia mesmo traduzir-se: «embora o que nela foi gerado seja do Espírito Santo, Ela dar(-te-)á à luz um filho ao qual porás o nome de Jesus, exercendo assim para Ele a missão de pai». Assim, o Anjo não só elucida José, como também lhe diz que ele tem uma missão a cumprir no mistério da Encarnação, a missão e a dignidade de pai do Salvador. Comenta santo Agostinho: «A José não só se lhe deve o nome de pai, mas este é-lhe devido mais do que a qualquer outro. Como era pai? Tanto mais profundamente pai, quanto mais casta foi a sua paternidade… O Senhor não nasceu do germe de José. Mas à piedade e amor de José nasceu um filho da Virgem Maria, que era Filho de Deus».
23 - «Será chamado Emanuel». No original hebraico de Isaías 7,14, temos o verbo no singular (forma aramaica para a 3ª pessoa do singular feminino: weqara’t referido a virgem, que é a que põe o nome = «e ela chamará»). Mateus, porém, usa o plural, que não aparece na tradução litúrgica, (kai kalésousin: «e chamarão»), um plural de generalização, a fim de que o texto possa ser aplicado a José, para pôr em evidência a missão de José, como pai «legal» de Jesus (notar que a célebre profecia isaiana, ao dizer que seria a virgem a pôr o nome ao seu filho até parece prestar-se a significar que este não nasceria de germe paterno). Mateus, em face do papel providencial desempenhado por são José, não receia adaptar o texto à realidade maravilhosa muito mais rica do que a letra do anúncio profético. Contudo, esta técnica do Evangelista para «atualizar» um texto antigo (chamada deraxe) não é arbitrária, pois baseia-se na regra hermenêutica rabínica chamada al-tiqrey («não leias»), a qual consiste em não ler um texto consonântico com umas vogais, mas com outras (o hebraico escrevia-se sem vogais). Neste caso, trata-se de «não ler» as consoantes do verbo com as vogais que correspondem à forma feminina (tanto da 3ª pessoa do singular na forma aramaica, como da 2ª pessoa do singular da tradução dos LXX: weqara’t «e tu chamarás»), mas de ler com as vogais que correspondem à 2ª pessoa do singular masculino (weqara’ta «e tu chamarás» – em hebraico há diferentes formas masculina e feminina para as 2ª e 3ª pessoas dos verbos). Como pensa Alexandre Díez Macho, «com este deraxe oculto, mas real, Mateus confirma as palavras do anjo do Senhor no v. 21: «e (tu, José) o chamarás».
Eis, a propósito, o maravilhoso comentário de são João Crisóstomo, apresentando Deus a falar a José: «Não penses que, por ser a concepção de Cristo obra do Espírito Santo, tu és alheio ao serviço desta divina economia; porque, se é certo que não tens nenhuma parte na geração e a Virgem permanece intacta, não obstante, tudo o que pertence ao ofício de pai, sem atentar contra a dignidade da virgindade, tudo to entrego a ti, o pôr o nome ao filho. (…) Tu lhe farás as vezes de pai, por isso, começando pela imposição do nome, Eu te uno intimamente com Aquele que vai nascer» (Homil. in Mt, 4).
25 - «E não a tinha conhecido…». Mateus pretende realçar que Jesus nasceu sem prévias relações conjugais, mas por um milagre de Deus. Quanto à posterior virgindade o Evangelista não só não a nega, como até a parece insinuar no original grego, ao usar o imperfeito de duração («não a conhecia») em vez do chamado aoristo complexivo como seria de esperar, caso quisesse abranger apenas o tempo até ao parto (Zerwick). Uma tradução mais à letra seria «até que Ela deu à luz», em vez de: «quando Ela deu à luz». De qualquer modo, esta afirmação não significa que depois já não se verificasse o que até este momento acontecera, como é o caso de Jo 9, 18.

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