Um antigo hino do poeta cristão Veneziano Fortunato, Vexilla regis, exalta Jesus com estas palavras: "Regnavit a ligno Deus".
Deus reina desde o madeiro. É com esta realidade que nos confrontamos
na narrativa de São Lucas, no evangelho do último domingo - Solenidade
de Cristo, Rei do Universo. Deus surge crucificado, mas, ao mesmo tempo,
glorioso. Sua coroa são os espinhos; seu trono é a cruz; seu manto é o
seu sangue. Uma imagem desafiadora: Cristo Rei e Sacerdote a se doar por
inteiro na glória de sua paixão.
Que sentimento deve nos causar essa cena? Nós, supostamente
católicos, que todos os dias vamos à missa, estamos conscientes de que a
chave para o Reino de Deus chama-se cruz?
Duas outras imagens particulares destacam-se também no calvário. Ao
lado de Cristo vemos as figuras dos malfeitores. De um lado São Dimas, o
bom ladrão; do outro, o escarnecedor. Este blasfema contra o Céu e
contra a Terra, exigindo de Jesus um milagre que salve a Ele e os demais.
Aquele, reconhecendo a realeza do Deus que se fez vítima imolada, pede
apenas o inacreditável: uma lembrança, uma lembrança e nada mais - "Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado" (Cf. Lc 23, 42).
A realidade destes dois personagens é quase que um resumo de nossa
vida. Para um deles, o Reino de Cristo já se faz presente aqui na Terra;
para o outro, não. Ambos vivendo a mesma tragédia, a mesma
desgraça física, e somente um é capaz de experimentar já nesta vida o
reinado de Cristo, ao passo que o outro vive o inferno.
Durante todo o texto que se segue, São Lucas repete as palavras
"Cristo" e "Rei" quatro vezes. E é na boca dos que zombam de Jesus que o
evangelista as coloca. No letreiro: "rei dos judeus". Entre os algozes:
"Salve-se a si mesmo, se, de fato, é o Cristo de Deus, o Escolhido!"
(Cf. Lc 23, 36). E para o mau ladrão: "Tu não és o Cristo? Salva-te a ti
mesmo e a nós!" (Cf. Lc 23, 39).
Mais do que insultos, as palavras desses escarnecedores são preces de incrédulos: são blasfêmias.
Não por acaso elas aparecem em outra ocasião na vida de Cristo, mas
desta vez, nas tentações do diabo: "Se és o Filho de Deus, ordena que
estas pedras se transformem em pão" (Cf. Mt 4, 3).
Bento XVI, no livro Jesus de Nazaré, lembra que "esta exigência a
respeito de Deus, de Cristo e da Igreja tem sido constantemente mantida
ao longo de toda a história"01.
Trata-se de um materialismo piedoso. O homem, confrontado pela dor e
pela cruz, exige de Deus pequenos milagres que aliviem seus sofrimentos.
Ele não pensa no céu, na eternidade. Ele quer a
salvação aqui e agora. Quer transformar as pedras em pães; e por isso
mesmo acaba gerando pedras em vez de pães. Essa atitude, certamente, não
leva ao paraíso terrestre, mas conduz ao inferno que já não está muito
longe.
Em São Dimas, por outro lado, encontramos outra realidade.
Reconhecendo suas falhas e a inocência do que jaz ao seu lado, pagando
por um crime que não cometeu, pede apenas a recordação. Ele sabe que, no
meio da tragédia em que vive, uma simples lembrança de Deus é o
suficiente para apaziguar qualquer angústia e tribulação. O Pai nunca
esquece de seus filhos. Com efeito, numa intimidade bastante particular,
suplica ao Filho deste mesmo Pai que se recorde dele quando estiver em
seu reino.
"Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso"
(Cf. Lc 23, 43). É a resposta de Cristo para o bom ladrão. Com sua
simplicidade, São Dimas roubou o céu. Eis o destino de todo cristão:
viver antecipadamente aqui na Terra a salvação eterna por meio da
docilidade para com Deus, ou então, virando as costas para o céu,
praguejar contra a cruz do dia a dia, trazendo para dentro de sua casa
as chamas do inferno.
De fato, resta-nos o que diz o Senhor no livro de Deuteronômio: "Eis que hoje eu ponho diante de vós a bênção e a maldição" (Cf. Dt. 11, 26).
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Referências
- RATZINGER, Joseph. Jesus de Nazaré. São Paulo: Planeta, 2007.
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