As leituras
deste domingo nos proporcionam a oportunidade de refletir quem é Deus, onde ele
mora e qual o seu plano para a humanidade. O rei Salomão constrói um grandioso
templo em Jerusalém como habitação para Deus. Neste lugar, pelo que se percebe
na oração de Salomão, todos os povos teriam oportunidade de conhecer o nome de
Deus conforme revelado ao povo de Israel. (I leitura). A abertura a todos os
povos completa-se com a vinda de Jesus. Ele (e não mais o templo) é a fonte e o
caminho de salvação universal. Jesus é “Deus conosco”, independente do templo.
Ele revela o verdadeiro nome de Deus que não se circunscreve num recinto
sagrado, mas comunica-se no lugar social das pessoas necessitadas,
libertando-as (evangelho). Deus não faz acepção de pessoas, ultrapassa
barreiras culturais e manifesta-se a todos os povos oferecendo-lhes
gratuitamente a salvação em Jesus Cristo. Este é o evangelho assumido e pregado
pelo apóstolo Paulo. Na defesa desta boa notícia da salvação gratuita, Paulo
enfrenta toda espécie de conflitos (2ª leitura). Para nós hoje, como discípulos
missionários de Jesus, é importante compreender, acolher e anunciar com ousadia
o Evangelho da vida plena para todos, sem exclusão.
1ª leitura
(1Rs. 8,41-43): A grandeza do nome de Deus
Esta pequena
oração de Salomão situa-se no contexto da festa da Dedicação do Templo de
Jerusalém. Lendo todo o capítulo 8 de 1Reis, percebe-se que a Arca da Aliança
que acompanhou o povo de Israel desde a sua saída da escravidão no Egito, é
agora transportada para dentro do templo num cerimonial de grande pompa.
Salomão, além de rei, exerce a função de sacerdote. Declara que edificou uma
casa para residência eterna de Deus (8,13), cumprindo-se assim a promessa feita
ao seu pai Davi. Em sua oração, o rei Salomão exalta o templo como o centro
gravitacional de todos os povos. Apesar de confessar que nem “os céus dos céus
podem conter Deus” (8,27), é para o templo de Jerusalém que os estrangeiros
poderão acorrer para reconhecer “a grandeza do vosso nome, a força de vossa mão
e o poder do vosso braço”, conforme expressa o texto deste domingo. Ainda mais,
é a partir deste lugar que “todos os povos da terra conhecerão o vosso nome,
vos temerão como o vosso povo de Israel e saberão que o vosso nome é invocado
sobre esta casa que edifiquei”.
Sabe-se que
a construção do templo e a centralização do culto em Jerusalém tiveram por
objetivo legitimar o poder monárquico e, mais tarde, o sistema sacerdotal de
pureza que excluiu a maioria das pessoas da pertença ao povo eleito. No
entanto, a teologia do texto indica uma abertura universal. A experiência
religiosa de Israel não pode ser exclusivista. Deve irradiá-la a todos os
povos. O Deus da vida pode ser conhecido e invocado por judeus e estrangeiros.
Afinal, todos são seus filhos e filhas.
Evangelho
(Lc. 7,1-10): Jesus e a fé de um estrangeiro
Deus
encarnou-se em Jesus de Nazaré. Fez sua morada no meio da humanidade.
Solidarizou-se com as vítimas do sistema religioso de pureza organizado pela
casta sacerdotal do templo de Jerusalém. Ao invés de promover a abertura
universalista segundo a vocação que Deus dera a Israel, a elite religiosa
fechou-se em suas concepções de pureza e impureza, mantendo o povo sob o jugo
de um emaranhado de leis.
A prática de
Jesus, porém, não corresponde à doutrina disseminada pelos doutores da lei.
Enquanto estes consideram os pobres e estrangeiros como impuros e excluídos do
povo santo de Deus, Jesus promove a vida sem exclusão, como se constata no
relato evangélico deste domingo. Um centurião romano dirige-se a Jesus, cheio
de confiança, para fazer-lhe um pedido a favor de um servo. Os centuriões
normalmente não eram bem vistos pelos judeus. Representavam a opressão que o
império romano exercia sobre o povo. Aquele centurião, porém, sabia manter boas
relações com a população de Cafarnaum e manifestava simpatia pela própria
religião judaica. Não só construiu uma sinagoga, mas interessou-se pelo que
diziam de Jesus.
Este
centurião, segundo o evangelho de Lucas, não vai pessoalmente ao encontro de
Jesus. Envia anciãos judeus para fazer-lhe um pedido. Na versão de Marcos
(8,5-13) é o próprio centurião que se dirige a Jesus. Temos a impressão de que
Lucas enfatiza a consciência de “indignidade” manifestada pelo centurião diante
da grandeza do nome de Jesus que ele ouvira falar.
O centurião
representa aqui o povo gentio. A mediação dos anciãos judeus resgata a vocação
de Israel de promover a inclusão também dos estrangeiros na graça libertadora
de Deus. A missão de Jesus não se restringe ao povo de Israel. Ele veio para todos.
Tem o coração aberto para acolher e valorizar o testemunho de amor, de
humildade, de respeito e de fé dado por um estrangeiro. Testemunho de amor
porque o centurião manifesta cuidado pela vida de um servo; de humildade porque
se sente indigno de achegar-se a Jesus; de respeito porque sabe que um judeu
ficaria impuro se entrasse na casa de um pagão; e finalmente o testemunho de fé
porque, a partir de sua própria experiência de obedecer e de dar ordens,
reconhece o poder das palavras. Pelo que ele ouviu falar de Jesus, tem certeza
da eficácia de suas palavras. Jesus impressiona-se com a atitude daquele
centurião. Volta-se para o povo e declara: “Em verdade vos digo: nem mesmo em
Israel encontrei tamanha fé”.
O texto
enfatiza a importância da Palavra de Jesus. As comunidades cristãs, organizadas
após a morte e a ressurreição de Jesus, alimentam-se essencialmente da Palavra.
“Dize somente uma palavra e meu servo será curado”. As comunidades de fé e de
amor são o novo templo, o lugar da presença libertadora de Jesus. Nelas não
pode haver discriminação de pessoas. Judeus e estrangeiros são igualmente
portadores da Boa Notícia da vida em plenitude. É missão dos cristãos difundir
o evangelho pelo mundo afora. Lucas vai dedicar o livro de Atos dos Apóstolos
para mostrar a trajetória da Palavra, “de Jerusalém aos confins do mundo” (At
1,8). A Palavra que liberta não tem fronteiras. Não é um sistema religioso, nem
os laços de sangue que determinam a pertença ao Reino de Deus e sim a prática
da justiça, como vai expressar o apóstolo Pedro na casa de outro centurião,
chamado Cornélio: “De fato, estou compreendendo que Deus não faz discriminação
entre as pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça,
qualquer que seja a nação a que pertença” (At. 10,34-35).
2ª leitura
(Gl. 1,1-2.6-10): Não há dois evangelhos
Paulo, após
seu encontro com Jesus ressuscitado, entregou-se por inteiro na missão de
evangelizar os povos. Entre os diversos problemas pelos quais ele passou está o
conflito com os chamados “judaizantes” que pregavam a necessidade da
circuncisão e do cumprimento de outras leis judaicas para os cristãos provindos
do paganismo. Muitos se deixavam influenciar por estes judaizantes. A
autoridade de Paulo, como apóstolo e fundador daquelas comunidades cristãs,
estava sendo desprestigiada. Ao ser informado destas coisas, Paulo fica muito
indignado. A indignação é manifestada até mesmo no modo como escreve a carta:
não começa com a costumeira ação de graças e nem termina com a bênção. Ele
escreve num tom de muita firmeza, gravidade e convicção. Já de início esclarece
que seu apostolado não é por uma decisão humana, mas “por Jesus Cristo e por
Deus Pai que o ressuscitou dos mortos”. Portanto, a carta aos Gálatas se
reveste de uma profunda seriedade. Caracteriza-se como uma forte advertência
com a intenção de fazer que aquelas comunidades cristãs retomem o caminho do
único evangelho.
A que
evangelho Paulo se refere? No conjunto da carta constata-se que se refere ao
“evangelho da liberdade” que se baseia na certeza de que a salvação é obra
gratuita de Deus por Jesus Cristo. Não tem mais sentido a obrigatoriedade da
circuncisão nem do legalismo. Não tem mais sentido as barreiras entre povos.
Agora todos fazem parte do corpo de Cristo: “Não há mais diferença entre judeu
e grego, entre pessoa escrava e livre, entre homem e mulher, pois todos vocês
são um só em Jesus Cristo” (3,28). Cristo uniu a todos numa única família e
concedeu a todos a verdadeira liberdade: “É para sermos livres que Cristo nos
libertou. Portanto, fiquem firmes e não se submetam de novo ao jugo da
escravidão” (5,1).
Para Paulo é
fundamental compreender e assumir este evangelho que torna as pessoas maduras,
convictas, responsáveis e não mais dependentes de normas externas. É uma vida
pautada segundo o Espírito de Deus. Não há outro evangelho. Caso contrário
coloca-se a perder o significado da vida, da morte e da ressurreição de Jesus
Cristo.
Pistas para
reflexão
Deus
revelou-se na história do povo de Israel como aquele que liberta os oprimidos de
todo tipo de escravidão. A aliança que fez com o seu povo visou abranger toda a
humanidade. A vocação de Israel é irradiar o nome do Deus da vida e da
libertação para todos os povos.
Apesar das tentativas de centralização e de
exclusividade da eleição do povo de Israel, Deus sempre manifestou através dos
movimentos proféticos e sapienciais o seu plano de salvação universal. Enviou o
seu filho, Jesus Cristo, cuja proposta de Reino de Deus visa a inclusão de
todos na vida em plenitude. O episódio do evangelho deste domingo – Jesus e o
centurião romano – caracteriza-se como um apelo a todos os discípulos de Jesus,
no sentido de abrir-se ao “outro”, acolhendo e valorizando sua fé. Outro dado
importante é a autoridade da Palavra de Jesus: o que ele diz acontece. A
Palavra de Deus é viva e eficaz! Jesus rompe com as barreiras impostas pelo
sistema do templo, supera o legalismo, ensina com autoridade e oferece seu amor
e salvação a todos.
A salvação
gratuita de Deus a todos os povos – ofertada através da vida, morte e
ressurreição de Jesus - foi assumida pelo apóstolo Paulo como “único
evangelho”. O seu testemunho de total entrega por esta causa de inclusão de
todos os povos no plano de salvação de Deus, ilumina e fortalece a nossa missão
hoje como discípulos missionários de Jesus.
► Pode-se
ligar a Palavra de Deus da liturgia deste domingo com a primeira urgência da
ação evangelizadora da Igreja no Brasil: Igreja em estado permanente de missão
(cf. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil, 2011-2015)
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