Por Dom Alberto Taveira Corrêa
Nos últimos dias, manifestações
multitudinárias pelas ruas de várias cidades do país chamaram a atenção
de toda a sociedade. Líderes autênticos ou forjados, bandeiras que
começam no preço das passagens dos coletivos, passam pelos gastos com a
construção de estádios, chegam à chaga da corrupção e da impunidade e
incluem o justo reclamo por verbas para a educação e a saúde, um leque
aberto e muito complexo.
Busca-se entender o que elas
significam, pois aparentemente tudo andava bem e os detentores do poder
não cessam de defender os ganhos econômicos e sociais. Não dá para fazer
ouvido de mercador diante de tantos e insistentes gritos!
Os argumentos são diversos, mas
todos convergem para uma insatisfação crescente. O descrédito
generalizado dos diversos poderes que se envolvem no jogo político e
social causa forte impressão. Repete-se o ciclo, independente dos partidos que governam, para voltar à insegurança quanto ao futuro.
O que acontece? O que fazemos
com todos os recursos postos à nossa disposição? Afinal, já somos livres
e todos podem fazer e falar o que querem? É que não basta ter moeda
mais forte, políticas compensatórias, viagens, aparelhos eletrônicos de
todo tipo ou sonhos de consumo que depois se revelam bolhas fugazes.
Muito cedo as pessoas percebem que apenas o ter, o poder e o prazer não
as realizam. Ainda mais, são expressivos os sinais de que passaremos
por frustrações semelhantes a outras partes do mundo e que as pessoas
não se transformaram automaticamente em gente feliz.
Os pretensos “paraísos terrestres” construídos por mãos humanas desmoronam logo.
De fato, não se trata apenas de
um país, mas de transformações globais e radicais, como bem identificou
a Quinta Conferência do Episcopado latino-americano e caribenho:
“Vivemos uma mudança de época cujo nível mais profundo é o cultural. Dissolve-se
a concepção integral do ser humano, sua relação com o mundo e com Deus;
aqui está precisamente o grande erro das tendências dominantes do
último século que excluem Deus de seu horizonte, falsificam o conceito
da realidade e só podem terminar em caminhos equivocados e com receitas
destrutivas. Surge hoje, com grande força, uma sobrevalorização da subjetividade individual. Independentemente de sua forma, a liberdade e a dignidade da pessoa são reconhecidas. O
individualismo enfraquece os vínculos comunitários e propõe uma radical
transformação do tempo e do espaço, dando um papel primordial à
imaginação. Os fenômenos sociais, econômicos e tecnológicos estão na
base da profunda vivência do tempo, que se concebe fixado no próprio
presente, trazendo concepções de inconsistência e instabilidade.
Deixa-se de lado a preocupação pelo bem comum para dar lugar à
realização imediata dos desejos dos indivíduos, à criação de novos e,
muitas vezes, arbitrários direitos individuais, aos problemas da
sexualidade, da família, das enfermidades e da morte” (Documento de Aparecida, 44).
Cabe ao cristão participar da
vida social e política, compartilhar esperanças, abraçar e semear
valores consistentes, dialogar com as diversas forças do tecido social,
aprender com quem pensa diferente e oferecer com clareza e maturidade o
que lhe é próprio. E aqui nasce uma pergunta crucial sobre o que é
próprio do ser cristão diante dos desafios do tempo presente, que nada
tem de cristandade dominante. Ao contrário, este é um tempo de indiferentismo, relativismo e de ateísmo que se espalha.
Com os primeiros cristãos,
podemos aprender muito para responder a tal pergunta. No ambiente
desafiador do Império Romano, alguns dos discípulos de Jesus chegaram a
Antioquia e começaram a pregar também aos gregos, anunciando-lhes a
Boa-Nova do Senhor Jesus, na qual muitos acreditaram e se converteram.
Então enviaram Barnabé a Antioquia e uma grande multidão aderiu ao
Senhor. Barnabé partiu para Tarso, à procura de Saulo e o levou a
Antioquia. Passaram um ano inteiro trabalhando juntos naquela Igreja, e
instruíram uma numerosa multidão. Em Antioquia, os discípulos foram,
pela primeira vez, chamados com o nome de “cristãos” (Cf. At 11, 19-30).
Em Atenas, “de pé, no meio do
Areópago, Paulo tomou a palavra: “Atenienses, em tudo eu vejo que sois
extremamente religiosos. Com efeito, observando, ao passar, as vossas
imagens sagradas, encontrei até um altar com esta inscrição: ‘A um deus
desconhecido’. Pois bem, aquilo que adorais sem conhecer, eu vos
anuncio. O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo Senhor
do céu e da terra, não habita em templos feitos por mão humana” (At 17,
22-24). Num ambiente pagão, os seguidores do “caminho” (Cf. At 9,2),
malgrado perseguições e incompreensões, espalharam a Boa-Nova e são
muitas outras as missões empreendidas.
De
lá para cá, esta é a nossa época, é a nossa vez! Nosso tempo é o melhor
que existe para empreender a mesma aventura, sem medo! Trata-se de ser
coerentes e fiéis a Jesus Cristo (Cf. Lc 9, 23-24). Renunciar a
si mesmos, tomar a Cruz e seguir! Renunciar é deixar de lado o apego
egoísta aos próprios interesses e a tudo o que é supérfluo, olhar ao
redor e ver o bem comum. Cruz, instrumento de salvação, antes de ser
caminho de dor é opção pelo amor, o mais importante no Sacrifício de
Cristo. Seguimento é percorrer os mesmos passos do Senhor, com a
sabedoria para enxergar com lucidez as novas situações que se
apresentam.
Ao analisar os fatos e decidir o
posicionamento a ser tomado, passa na frente a Verdade, que tem nome
(”Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” – Jo 14,6). No diálogo com as
pessoas, não vale o medo de viver de acordo como Evangelho, pois cada
cristão autêntico há de relacionar-se com todos, com a qualidade do amor
que recebeu de Jesus Cristo. A
participação nos diversos grupos da sociedade, para quem quer ser sal,
luz e fermento, faz a diferença de forma positiva, com a escuta sincera
das razões das pessoas, sejam quais forem as situações em que se
encontrem. Suas mãos e sua “ficha” hão de se manter limpas, mesmo
com as eventuais vantagens que possam ser oferecidas por um mundo
corrompido. Cabe-lhe sempre a iniciativa e a criatividade na busca de
soluções para os problemas sociais. Sua marca há de ser a alegria, fruto
da ação do Espírito Santo que conduz a Igreja, a quem pedimos,
tornando-nos todos jovens, unidos à Jornada Mundial da Juventude: “Ó
Espírito Santo, Amor do Pai e do Filho, com o esplendor da tua Verdade e
com o fogo do teu Amor, envia tua Luz sobre todos os jovens para que,
impulsionados pela Jornada Mundial da Juventude, levem aos quatro cantos
do mundo a fé, a esperança e a caridade, tornando-se grandes
construtores da cultura da vida e da paz e os protagonistas de um mundo
novo”.
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