José Frazão Correia, sj |
Que provas dá a Igreja da existência de Deus?, perguntaram-me há dias.
Como responder a uma pergunta, imagino que sincera, mas, em si mesma, tão insidiosa? Que dizer de significativo se, à partida, Deus fosse colocado como simples objeto de uma prova científica ou como demonstração de tipo matemático?
Como responder a uma pergunta, imagino que sincera, mas, em si mesma, tão insidiosa? Que dizer de significativo se, à partida, Deus fosse colocado como simples objeto de uma prova científica ou como demonstração de tipo matemático?
Existirá, na história do cristianismo, uma única pessoa que
tenha chegado à fé, só porque alguém, particularmente inteligente e
claro, lhe provou que Deus, de fato, existe? Ou, ao invés, haverá alguém
que deixe de crer, simplesmente porque outro, igualmente inteligente e
muito esclarecido, lhe prova que Deus, afinal, não existe?
Bastaria abrir uma só vez qualquer página da Escritura para perceber que, na tradição hebraico-cristã, a existência de Deus se coloca num registo totalmente diferente. Antes de mais, porque é o Deus de um povo, de homens e de mulheres de carne e osso.
Bastaria abrir uma só vez qualquer página da Escritura para perceber que, na tradição hebraico-cristã, a existência de Deus se coloca num registo totalmente diferente. Antes de mais, porque é o Deus de um povo, de homens e de mulheres de carne e osso.
Ou
bastaria recordar que o cristianismo não se compreende sem a encarnação
de Deus na história de Jesus. Portanto, que Deus não diz de Si senão
enquanto Se dá a nós, dando-Se a reconhecer por dentro dos cumes e dos
abismos da nossa humanidade, das nossas linguagens, dos nossos ritmos e
lugares.
A
fé cristã não professa simplesmente que Deus existe (seria tão pouco ou
quase nada), mas, sim, que a Sua existência é radicalmente relevante
para a nossa. Em Jesus, sim, professa que Deus existe, mas
enquanto existe desde sempre para nós e que é para sempre connosco. Deus
é enquanto Se dá e dá-Se enquanto Se dá ao reconhecimento dos nossos
afetos e da nossa inteligência. No fundo, da nossa liberdade.
É verdade que o tema das provas da existência de Deus é muito antigo no pensamento cristão.
Diz respeito ao «conjunto de procedimentos intelectuais pelos quais a
razão humana se eleva até à formulação de Deus». Sobre ele escreveram
pensadores de tanta relevância como S. Agostinho, S. Anselmo, S. Tomás,
Kant ou Hegel.
Em 1870, foi um Concílio, o Vaticano I, a afirmar que
Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido e,
portanto, demonstrado a partir «das obras visíveis da criação», tal como
uma causa é conhecida pelos seus efeitos. Não
é pouco o que aqui se declara. Trata-se da relação íntima e inseparável
que, no cristianismo, se estabelece entre criação, fé, inteligência e
procura da verdade. Ou, de outro modo, da afirmação de que Deus,
Aquele que na fé Se professa e Se adora, não é estranho à razão que
partilhamos enquanto seres humanos.
O Papa Bento XVI não se tem cansado de o recordar. Sabemos, porém, que colocar, hoje, a questão de Deus em termos de provas irrefutáveis, ilude, antes de mais, a dinâmica e a
fecundidade existencial da fé que é sempre visceral e dramática. Sendo questão de vida, não pode não implicar a totalidade de uma vida e uma vida toda. Além disso, não é difícil encontrar quem, por meio de provas irrefutáveis, pretenda argumentar a não existência de Deus. Basta recordar R. Dawkins (A ilusão de Deus) – autor que recentemente escreveu sobre as «razões para não crer». Colocando-se no campo das provas, pretendeu provar, finalmente, que Deus é apenas uma ilusão. Mas, dito isto, sobre Deus e sobre a fé, não ficou ainda (quase) tudo por dizer?
fecundidade existencial da fé que é sempre visceral e dramática. Sendo questão de vida, não pode não implicar a totalidade de uma vida e uma vida toda. Além disso, não é difícil encontrar quem, por meio de provas irrefutáveis, pretenda argumentar a não existência de Deus. Basta recordar R. Dawkins (A ilusão de Deus) – autor que recentemente escreveu sobre as «razões para não crer». Colocando-se no campo das provas, pretendeu provar, finalmente, que Deus é apenas uma ilusão. Mas, dito isto, sobre Deus e sobre a fé, não ficou ainda (quase) tudo por dizer?
Voltando à pergunta inicial – que provas dá a Igreja da existência de Deus? – responderei que a Igreja não prova, testemunha. A
primeira testemunha é o próprio Jesus que, na história da sua vida
entre nós, realiza a reciprocidade mais perfeita que um homem pode
desejar ter com a sua própria origem. A esta chamou Pai. Assim é para
cada cristão. Pela configuração da sua vida ao Evangelho de Jesus, cada
qual, segundo a sua medida, diz quem Deus é, garantindo que quer ser
para nós, mas não sem implicar a nossa liberdade. Depois, por serem
testemunhas, nem os cristãos, nem os mártires entre eles, são cópias ou
repetidores. Por darem uma configuração particular e única à «verdade
que é a vida de todos e de sempre»; por lhe darem corpo e biografia,
cada qual testemunhará sempre a originalidade de um encontro único,
dizendo, por isso, algo de singular sobre a infinita riqueza de Deus que
é para nós.
Para aprofundar este tema:
J. I. G. FAUS – I. SOTELO, Deus e a Fé, Casa das Letras, 2005.
E. SALMANN, La palabra partida: Cristianismo y cultura postmoderna, PPC, 1999.
P. SEQUERI, La idea de la fé, Sigueme, 2007.
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