A
Quarta-feira de Cinzas foi instituída há muito tempo na Igreja; marca o
início da Quaresma, tempo de penitência e oração mais intensa.
Para os antigo judeus sentar sobre as
cinzas já significava arrependimento dos pecados e voltar para Deus. As
Cinzas bentas e colocadas sobre as nossas cabeças nos fazem lembrar que
vamos morrer; que somos pó e que ao pó da terra voltaremos (Gn 3, 19)
para que nosso corpo seja refeito por Deus de maneira gloriosa para não
mais perecer.
A intenção deste sacramental é levar-nos ao arrependimento dos
pecados, marcando o início da Quaresma; e fazer-nos lembrar que não
podemos nos apegar a esta vida achando que a felicidade plena possa ser
construída aqui. É uma ilusão perigosa. A morada definitiva é o céu.
A maioria das pessoas, mesmo os cristãos, passam a vida lutando para
“construir o céu na terra”. É um grande engano. Jamais construiremos o
céu na terra; jamais a felicidade será perfeita no vale em que o pecado
transformou num vale de lágrimas. Devemos sim lutar para deixar a vida
na terra cada vez melhor, mas sem a ilusão de que ficaremos sempre aqui.
Deus dispôs tudo de modo que nada fosse sem fim aqui nesta vida. Qual
seria o desígnio de Deus nisso? A cada dia de nossa vida temos de
renovar uma série de procedimentos: dormir, tomar banho, alimentar-nos,
etc.. Tudo é precário, nada é duradouro, tudo deve ser repetido todos os
dias. A própria manutenção da vida depende do bater interminável do
coração e do respirar contínuo dos pulmões. Todo o organismo repete sem
cessar suas operações para a vida se manter. Tudo é transitório… nada
eterno. Toda criança se tornará um dia adulta e, depois, idosa. Toda
flor que se abre logo estará murcha, Todo dia que nasce logo se esvai… e
assim tudo passa, tudo é transitório, Por que será? Qual a razão de
nada ser duradouro? Compra-se uma camisa nova, e logo já está surrada;
compra-se um carro novo, e logo ele estará bastante rodado e vencido por
novos modelos.., e assim por diante.
A razão inexorável dessa precariedade das coisas também está nos
planos de Deus. A marca da vida é a renovação. Tudo nasce, cresce, vive,
amadurece e morre. A razão profunda dessa realidade tão transitória é a
lição cotidiana que Deus nos quer dar de que esta vida é apenas uma
passagem, um aperfeiçoamento, em busca de uma vida duradoura, eterna,
perene.
Em cada flor que murcha e em cada homem que falece, sinto Deus nos
dizer: “Não se prendam a esta vida transitória. Preparem-se para aquela
que é eterna, quando tudo será duradouro, e nada precisará ser renovado
dia a dia”.
E isto mostra-nos também que a vida está em nós, mas não é nossa.
Quando vemos uma bela rosa murchar, é como se ela estivesse nos dizendo
que a beleza está nela, mas não lhe pertence.
Ainda assim, mesmo com essa lição permanente que Deus nos dá, muitos
de nós somos levados a viver como aquele homem rico da parábola narrada
por Jesus. Ele abarrotou seus celeiros de víveres e disse à sua alma:
“Descansa, come, bebe e regala-te” (Lc 12,19b) ao que Deus lhe disse:
“Insensato! Nesta noite ainda exigirão de ti a tua alma” (Lc 12,20).
A efemeridade das coisas é a maneira mais prática e constante que
Deus encontrou para nos dizer a cada momento que aquilo que não passa,
que não se esvai, que não morre, é aquilo de bom que fazemos para nós
mesmos e, principalmente, para os outros. Os talentos multiplicados no
dia-a-dia, a perfeição da alma buscada na longa caminhada de uma vida de
meditação, de oração, de piedade, essas são as coisas que não passam,
que o vento do tempo não leva e que, finalmente, nos abrirão as portas
da vida eterna e definitiva, quando “Deus será tudo em todos” (cf. 1 Cor
15,28).
A transitoriedade de tudo o que está sob os nossos olhos deve nos
convencer de que só viveremos bem esta vida, se a vivermos para os
outros e para Deus. São João Bosco dizia que “Deus nos fez para os
outros”. Só o amor; a caridade, o oposto do egoísmo, pode nos levar a
compreender a verdadeira dimensão da vida e a necessidade da efemeridade
terrena.
Se a vida na terra fosse incorruptível, muitos de nós jamais
pensaríamos em Deus e no céu. Acontece que Ele tem para nós algo mais
excelente, aquela vida que levou São Paulo a exclamar:
“Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração
humano imaginou (Is 64,4) tais são os bens que Deus tem preparado para
aqueles que o amam” (1 Cor 2,9).
A corruptibilidade das coisas da vida deve nos convencer de que Deus
quer para nós uma vida muito melhor do que esta – uma vida junto d’Ele.
E, para tal, Ele não quer que nos acostumemos com esta, mas que
busquemos a outra com alegria, onde não haverá mais sol porque o próprio
Deus será a luz, e não haverá mais choro nem lágrimas.
Aqueles que não creem na eternidade jamais se conformarão com a
precariedade desta vida terrena, pois sempre sonharão com a construção
do céu nesta terra. Para os que creem, a efemeridade tem sentido: a vida
“não será tirada, mas transformada”; o “corpo corruptível se revestirá
da incorruptibilidade” (cf 1Cor 15,54) em Jesus Cristo.
Santa Teresinha não se cansava de exclamar:
“Tenho sede do Céu, dessa mansão bem-aventurada, onde se amará Jesus
sem restrições. Mas, para lá chegar é preciso sofrer e chorar; pois bem!
Quero sofrer tudo o que aprouver a meu Bem Amado, quero deixar que Ele
faça de sua bolinha o que ele quiser”.
São Paulo lembrou aos filipenses: “Nós somos cidadãos do Céu!. É de
lá que também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Ele
transformará nosso corpo miserável, para que seja conforme o seu corpo
glorioso, em virtude do poder que tem de submeter a si toda a criatura”
(Fl 3, 20-21).
A esperança do Céu e da sua glória fazia o Apóstolo dizer:
“Os olhos não viram, nem ouvidos ouviram, nem o coração humano
imaginou (Is 64,4), o que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (1
Cor 2,9).
E essa esperança lhe dava as forças necessárias para vencer as
tribulações: “Tenho para mim que os sofrimentos da vida presente não têm
proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada” (Rom
8,18).
Este é o sentido das Cinzas.
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