De
modo especial “a cruz de cada dia”, aceita e assumida, “com galhardia”,
sem revolta, na fé, ainda que com muitas lágrimas – elas nunca deixam
de existir – nos santifica.
Jesus mandou tomar a nossa cruz a cada
dia e segui-lo (Lc 9,23). O que significa isso? Qual é a cruz de cada
dia? São todos os sofrimentos que nos atingem a cada dia, e que devem
ser enfrentados dia a dia. “O dia de amanhã terá as suas preocupações
próprias. A cada dia basta o seu mal” (Mt 6,34). É uma cruz para cada
dia. A sabedoria é viver um dia de cada vez.
Em primeiro lugar é preciso entender que
se Jesus manda tomar a nossa cruz a cada dia, é então, porque isso é
necessário e bom para nós, embora possa ser sofrido. Não é masoquismo.
Por quê? Há várias razões.
Antes
de tudo é preciso entender que não compreendemos o plano de Deus: “Os
caminhos de Deus não são os dos homens”, diz o Profeta (Is 55,8); a
visão que Deus tem das criaturas e da história, é muito mais completa e
perfeita do que a que nós temos. Para entender isto é preciso que não
queiramos ser nós mesmos o padrão e o critério para avaliar o bem ou o
mal. Isto é ter fé em Deus!
Não é porque alguém não vê o lado
positivo de uma desgraça, que pode afirmar que este lado bom não existe.
“Deus sabe do mal tirar o bem” (cf. Rom 8,28), diz Santo Agostinho,
senão, não teria permitido a dor nos atingir. Ele preferiu isso a
impedir o homem de ser livre e poder até errar. Sem a liberdade, até
para errar, o homem não seria sua imagem.
Cristo assumiu a dor e a morte de cada homem até as últimas
consequências. “Aquele que não conhecera o pecado, Deus o fez pecado por
nós a fim de que nos tornássemos justiça de Deus por Ele” (2Cor 5,21).
Por isso a Igreja reza: “Com a Sua morte destruiu a morte, e com a Sua
ressurreição devolveu-nos a vida” (missa do Tempo Pascal).O Senhor bebeu o cálice da dor até a última gota, para que todo o sofrimento da terra fosse resgatado, transformado e divinizado. Qualquer que seja a dor, ela é “parte da mesma dor do Senhor”, pois Ele a assumiu na Sua santa paixão. É por isso que São Paulo afirma: “Completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo” (Cl 1,24). A partir da morte de Jesus, o sofrimento humano passou a ter sentido; agora ele não é simples consequência do pecado ou castigo da justiça divina; ele foi redimido e passou a ser “matéria prima da salvação”; foi como que “reciclado”, divinizado, e por meio dele o homem pode voltar a Deus.
Quantos homens e mulheres neste mundo só
encontraram Deus e uma vida equilibrada depois de uma doença, de uma
perda grande, de uma falência!… Foram muitos: São Francisco de Assis,
São Paulo, Santo Inácio de Loyola… e talvez você mesmo! O caminho que
leva ao Reino dos Céus é estreito e apertado, em oposição ao caminho
largo e espaçoso que conduz à perdição (cf. Mt 7,13s).
Negar a existência de Deus na hora da
dor, é criar para si mesmo mais um problema, porque se perde a fé que dá
coragem e a paz para enfrentar o sofrimento. Deus é o grande sustento
para os que sofrem. São Paulo falava da “loucura da cruz para aqueles
que se perdem, mas poder de Deus para aqueles que se salvam” (1 Cor
1,18). O poder invisível de Deus se manifesta no sofrimento. Cura a
alma, salva o espírito, quebranta o orgulho, elimina a vaidade, abate a
opulência, iguala os homens…
É
no sofrimento que os homens mais se sentem irmãos, filhos do mesmo Pai.
É na hora amarga da dor que se valorizam a fraternidade e a
solidariedade. Veja, por exemplo, os momentos de tragédias, terremotos,
etc. É nessa hora sagrada que os corações se unem, as mãos se apertam e o
filho lembra-se do Pai.
Não fora o sofrimento angustiante
daquele filho pródigo do Evangelho, jamais ele teria abandonado a vida
devassa e voltado para a boa casa do Pai. Sim, o sofrimento é sagrado! É
nele que encontramos a nós mesmos e encontramos os outros, sem
máscaras, sem enfeites e sem enganos. Ele não foi criado por Deus, mas
Cristo lhe deu um enorme sentido. Somente Cristo! Lembra o Concílio do
Vaticano II: “Por Cristo e em Cristo se esclarece o enigma da dor e da
morte” (Gaudium et Spes nº 22).
Deus tinha certamente na sua
onipotência, muitos caminhos para nos redimir e salvar depois do pecado
original; mas, se escolheu o caminho do sofrimento, é porque, então, foi
o melhor que encontrou. Mas o primeiro a sofrer, terrivelmente, foi o
Seu Filho. Alguns perguntam: Onde estava Deus na hora daquela tragédia?…
A resposta é essa: “Ele estava no mesmo lugar quando seu Filho era
crucificado”.
Mas Jesus não quis salvar o mundo
sozinho. Ele formou um “Corpo Místico” Nele, que é a Igreja. Pelo
batismo passamos a fazer parte deste Seu Corpo e assumimos com Ele tudo o
que Ele faz. São Paulo diz na carta aos romanos que nos tornamos
“filhos e herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo, contanto que
soframos com ele, para que também com ele sejamos glorificados” (Rom
8,19). “Se morrermos com ele, com ele viveremos. Se soubermos
perseverar, com ele reinaremos” (2 Tm 2, 11-12).
E o Apóstolo destaca o valor
incomparável do sofrimento, depois que Cristo o assumiu: “Tenho para mim
que os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a
glória futura que nos deve ser manifestada” (Rom 8,18). Aqui São Paulo
deixa claro que o sofrimento assumido, sem lamentação e oferecido a
Deus, é salvífico, divino, não só para nós, mas também para os membros
do Corpo de Cristo. O sofrimento de um favorece a todos; assim como o
pecado de um desfavorece a todos. Elizabeth Liseur dizia: “Uma alma que
se levanta, levanta o mundo”.
De modo especial “a cruz de cada dia”,
aceita e assumida, “com galhardia”, sem revolta, na fé, ainda que com
muitas lágrimas – elas nunca deixam de existir – nos santifica.
Deus em sua sabedoria e bondade
infinitas, sabe aproveitar o próprio mal cometido pelas criaturas para
daí tirar bens maiores. O povo já se acostumou a dizer que “Deus escreve
reto por linhas tortas”, e que “as pessoas se convertem pelo amor ou
pela dor”. Muitas coisas boas acontecem depois de uma doença grave, de
um insucesso na vida… O sofrimento é uma escola para o ser humano. Ele
nos ajuda a vencer o egoísmo e ser mais sensível aos sofrimentos do
próximo. Os antigos gregos diziam: “pathos mathos” (sofrimento é
ensinamento). O sofrimento nos educa.
Quando o fruto bom do sofrimento não
ocorre é porque a criatura endureceu o coração para a graça de Deus;
então se desespera na dor. Se fechar-se numa atitude de revolta, ela se
torna impermeável à ação do Espírito Santo, e não consegue ver e
desfrutar do lado bom do sofrimento.
Um belo exemplo do valor do sacrifício
do cristão, unido ao de Cristo, foi dado, por exemplo, pelo Cardeal
Frantisek Tomasek, de Praga. Numa entrevista concedida ao periódico
italiano “II Sabato”. Falando dos graves problemas que o regime
comunista trazia para a Igreja na Tchecoslováquia (proibição de
atividades pastorais, dificuldades para a nomeação de Bispos, prisões de
sacerdotes e leigos…), antes da queda do Muro de Berlim, em 1989. O
repórter então lhe perguntou: “Eminência, não está cansado de combater
uma batalha sem êxito?”
Respondeu
o Cardeal: “Tenho sempre esperança. Digo sempre uma coisa: quem
trabalha pelo Reino de Deus, faz muito, quem reza, faz mais; quem sofre,
faz tudo. Este tudo é exatamente o pouco que fazemos entre nós, na
Tchecoslováquia”. Alguns anos depois o comunismo desabafa na
Tchecoslováquia…
O mundo precisa muito de almas
reparadoras. Deus chama muitas pessoas dispostas a se imolarem pela
salvação dos outros. No último parágrafo da Carta Apostólica sobre o
sofrimento, o Papa João Paulo II, escreveu um apelo caloroso aos que
sofrem:
“Pedimos a todos vós que sofreis, que
nos ajudeis. Precisamente a vós, que sois fracos, pedimos que vos
torneis uma fonte de força para a Igreja e para a humanidade. Na
terrível luta entre as forças do bem e do mal, de que o nosso mundo
contemporâneo nos oferece o espetáculo, que vença o vosso sofrimento em
união com a Cruz de Cristo!” (Salvifici doloris, nº 31).
Prof. Felipe Aquino
Nenhum comentário:
Postar um comentário