O cardeal belga, Leo Josepf Suenens, falecido em 1996, escreveu um livro em 1985, intitulado Culto do Eu e Ser Cristão.
Neste livro o cardeal mostra com clareza o pior problema de nossos
tempos atuais: a substituição de Deus pelo Eu; o que, de maneira
prática, desemboca na filosofia da “morte de Deus”. É a “idolatria do
Eu”; do humano acima do divino, a grande geradora do neoindividualismo
doentio de nosso mundo atual. Estamos diante de um homem que se adora
como se fosse o próprio deus.
A corrente filosófica terrível, que é mãe desta egolatria, em
detrimento da adoração do Único e verdadeiro Deus, é o chamado
Naturalismo, que impregna a mentalidade de nossos tempos. Parte do
princípio que o homem é “intacto”, sem feridas, sem pecado, um ser
autônomo, cujo EU soberano dita de maneira exclusiva o seu agir. Ele é a
própria lei; deve viver independente de Deus, se é que este existe. Tal
teoria, perversa e desequilibrada, é a morte do sobrenatural.
Lamentavelmente o Naturalismo influenciou, e tem influenciado,
inúmeros pensadores contemporâneos, a tal ponto, como diz o cardeal
Suenens, que hoje “vivemos em um mundo estranho onde o culto de Deus deu
lugar ao culto do EU”. Esse tornou-se o “centro de referência de toda
conduta moral”, rejeitando a Lei de Deus. É a própria encarnação da
teoria do filósofo grego Protágoras, que ensinava que “o homem é a
medida de todas as coisas”, como se fossemos nós os criadores do céu e
da terra.
Mais
do que “medida” de todas as coisas, o homem é colocado como o “centro”
de tudo. Rompe definitivamente sua referência a Deus e coloca em si
mesmo a “nova” referência para justificar e motivar o seu comportamento.
Tal egocentrismo fornece ao homem uma “nova religião”, na qual o
absoluto é ele mesmo, e não mais Deus. No fundo, é o próprio pecado
original, que faz com que o homem tire os olhos de Deus para voltá-los
para a criatura, como disse o Papa João Paulo II.
O Cardeal mostra em seu livro que os ancestrais desse terrível “Culto
do Eu”, estão na base do ateísmo moderno, cujo pai é Feuerbach, que
teve a insana ousadia de proclamar para o mundo: “o homem é o Deus do
homem” (homo hominis deus).
Foi esta teoria tenebrosa que influenciou Carl Marx (a religião é o
ópio do povo), Rogers, Nietzsche, Huxley, Maslow, e muitos pensadores,
segundo o Cardeal Suenens. Esses são os “profetas” dos novos tempos que
prometeram a “felicidade” aos homens, libertados para sempre de toda
“alienação” religiosa. São João Paulo II disse que o Século XX deu
ouvidos aos falsos profetas; por isso, foi o “Século das mortes” mais
que os anteriores.
Essa teoria enlouquecida, levou muitos jovens e adultos ao desânimo,
ao desespero e ao suicídio. A conclusão é fácil, afirma o Cardeal: “se
meu Eu é a minha regra suprema de vida, porque devo respeitar essa vida
que me foi dada sem meu consentimento?”
Nesta linha perigosa, o homem se acha o “senhor” da vida e da morte,
pronto a decretá-la sem quaisquer limites divinos. É o que hoje
presenciamos a cada dia. A consequência disso é aquilo que o Santo Padre
tem chamado de “a cultura da morte”, que ele tanto condena na Encíclica
O Evangelho da Vida, exatamente o oposto à “Civilização do amor”, tão
desejada por Paulo VI. A prática desenfreada do aborto, dos crimes de
morte, estupros, da eutanásia, das esterilizações, da limitação da
natalidade a qualquer custo, da falsificação da família, dos
linchamentos, etc., estão aí para comprovar toda essa insanidade.
Enfim, toda essa sorte de mazelas são, em última instância, o fruto
de uma mentalidade eivada de soberba até o seu último grau, para a qual,
o EU é a referência suprema para definir o bem e o mal. Sobre esse
gravíssimo perigo nos alertou o Papa São João Paulo II em sua Encíclica O
Esplendor da Verdade:
“A Revelação ensina que não pertence ao homem o poder de decidir o
bem e o mal, mas somente a Deus… A liberdade do homem encontra a sua
plena e verdadeira revelação na lei moral que Deus dá ao homem” (n. 35).
É relevante notar que o Catecismo da Igreja Católica, quando fala da
provação derradeira pela qual a Igreja deve passar, antes do advento de
Cristo, e que abalará a fé de muitos crentes, afirma que: “A impostura
religiosa suprema é a do Anti-Cristo, isto é, a de um pseudo-messianismo
em que o homem se glorifica a si mesmo em lugar de Deus e do seu
Messias que veio na carne” (n.675).
É aí que está o problema: nesse “pseudo-messianismo em que o homem se glorifica a si mesmo”, no lugar de Deus.
A grande tentação do homem é sempre aquela que a serpente soprou no
ouvido de Eva no paraíso: “sereis como deuses” (Gen 3,5). Santo
Agostinho resumia esta má tendência dizendo, na sua Civitá Dei:
“Dois amores fundaram, pois, duas cidades, a saber: o amor próprio,
levado ao desprezo de Deus, a terrena; o amor a Deus, levado ao desprezo
de si próprio, a celestial”.
A Palavra de Deus é muito clara quando nos manda humilhar perante
Deus. Só Ele é “Aquele que É” (Ex 3,15). Cada um de nós é “aquele que
não é”; isto é, Deus é o Tudo, nós somos o Nada. Ele é o Criador; nós
somos apenas criaturas que Ele chamou do nada à existência.
“Humilhai-vos, pois, debaixo da poderosa mão de Deus, para que ele
vos exalte no tempo oportuno” (1 Pe 5,6). “Deus resiste aos soberbos,
mas dá a sua graça ao humildes” (Prov 3,34).
Diz o nosso Catecismo que: “O homem sem Deus se esvai”; isto é experimenta o vazio, a angústia, a tristeza.
São Tomás de Aquino dizia: “Quanto mais o homem se afasta de Deus, mais se aproxima do nada”.
Felizes seremos se não esquecermos essas palavras:
“Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós. O ramo não pode dar
fruto por si mesmo, se não permanecer na videira. Assim também vós: não
podeis tampouco dar fruto, se não permanecerdes em mim…Sem mim nada
podeis fazer” (Jo 15,4-5).
Toda esta reflexão não quer dizer que devemos desprezar o homem e os
seus talentos. Sabemos que é dever cristão multiplicá-los, e colocá-los a
serviço dos outros. O que devemos ter sempre muito claro, é a infinita
distância entre a Onipotência de Deus e a pequenez do homem. Sabemos que
a graça de Deus opera sobre a natureza do homem, não a dispensa, nem a
destrói, como ensinou Santo Agostinho. Mas a criatura só será feliz se
reconhecer, amar, servir e adorar o seu Criador.
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