“Quem não encontrar mestre que lhe ensine oração, tome ao glorioso São José por mestre e não errará no caminho.”
“Quem não encontrar mestre que lhe ensine oração, tome a este glorioso Santo por mestre e não errará no caminho” [1]: isso é Santa Teresa d’Ávila, grande doutora da Igreja, falando de São José, pai virginal de Jesus.
Comecemos por procurar entender o que significa a recomendação desta
santa, de ter São José como “mestre de oração”. Se nos fosse dado o
conselho de ouvir talvez um apóstolo, cujos atos estão
pormenorizadamente narrados na Bíblia; ou ler os escritos de um santo
doutor, como Agostinho ou Afonso de Ligório, pouca dificuldade teríamos
em aceitá-lo. Afinal de contas, é ofício do mestre ensinar, seja oralmente, como fizeram os primeiros discípulos de Cristo, seja por escrito, como fizeram tantos outros depois deles.
De São José, no entanto, se é possível aprender com alguns dos poucos atos de sua vida relatados nos Evangelhos (cf. Mt 1, 16.18-24; 13, 55; Lc 2, 41-51; 3, 23), de sua boca não temos nenhuma palavra, nem uma sequer, que nos tenha chegado ao conhecimento. Trata-se, sem dúvida, de uma das personagens mais importantes do Novo Testamento, mas também uma das quais mais pouco se fala.
Por isso, outra conclusão não podemos tirar das palavras de Santa Teresa, a não ser que São José, diferentemente da maioria dos mestres, tem algo a ensinar-nos não tanto com suas palavras, mas justamente com seu silêncio.
Esse silêncio de que queremos falar, porém, não é tanto a ausência de
palavras, ou um “simples mutismo”, como se manter-se de boca fechada
fosse, por si só, prova e indicativo de virtude. O silêncio de São José só nos ensina se considerarmos a grandeza do mistério que o circunda.
Nas palavras do pe. Federico Suárez Verdeguer, em “José, esposo de Maria”:
José encontra-se perante um mistério de um Deus feito homem, de uma Virgem que concebe sem obra de varão, e de uma eleição — a que Deus fez dele — para velar o mistério e proteger os seus protagonistas. Que ia ele dizer ante semelhante prodígio, um homem simples, um artesão de uma aldeia perdida num canto do Império, ao ver-se não somente espectador do mais maravilhoso sucesso ocorrido desde a criação do mundo mas implicado nele, por um particular desígnio de Deus?
Não se fala quando se está imerso na contemplação do divino, quando a grandeza do que se está a contemplar é tal que qualquer palavra se torna trivial, uma vez que o acontecimento ultrapassa completamente a pessoa e o que ela pode dizer. [2]
Para ilustrar esta verdade, de que “não se fala quando se está imerso na contemplação do divino”, tomemos como exemplo negativo a reação de São Pedro à Transfiguração do Senhor, narrada há poucos dias na liturgia.
Diante do mistério de Jesus Cristo glorioso, com as roupas brancas e
resplandecentes, e com Elias e Moisés a conversar com Ele, Pedro faz ao
Senhor um comentário totalmente despropositado: “Mestre, é bom ficarmos
aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra
para Elias.”
É claro que nada do que está na Bíblia foi escrito e chegou até nós em vão. Mas que Pedro “nem sabia o que estava dizendo” é o próprio evangelista São Lucas quem o declara (9, 33).
Disso aprendemos que, diante de um acontecimento que “ultrapassa completamente a pessoa e o que ela pode dizer”, melhor resposta não há do que silenciar-se, deter-se diante do que se está a contemplar e guardar o que se tem diante dos olhos bem no fundo do coração: Secretum meum mihi, “o meu segredo para mim” (Is 24, 16 na Vulgata).
São Pedro naturalmente mudaria muito depois deste episódio
no monte Tabor. Ao longo de sua vida apostólica, até o martírio, ele
certamente ainda pararia muitas vezes para meditar sobre aquele grande
milagre que havia presenciado. São José, no entanto, desde o começo fez aquilo que os Apóstolos só começariam a fazer de fato em Pentecostes. Ele, a exemplo de Maria de Nazaré, guardava todas as coisas de Deus em seu coração (cf. Lc 2, 19). Ele, a exemplo de Maria de Betânia, tinha escolhido a melhor parte (cf. Lc 10, 42). Daí a conveniência de lhe chamarmos “mestre de oração”: com seu silêncio, S. José aponta-nos para o grande “porteiro da vida interior” [3], sem o qual é absolutamente impossível ter intimidade com Deus.
“Enxame de banalidades”
Para haver verdadeiro e frutuoso silêncio em nossas vidas, no
entanto, não basta que procuremos nos recolher um momento ou outro de
nosso dia, voltando depois a incontáveis barulhos e agitações
voluntárias. “Não há nada que perturbe tanto a clara visão da alma como a
turbulência provocada pelas preocupações triviais e pelo enxame de banalidades que atraem a nossa atenção e que tornam o homem tão ligeiro como inconstante” [4].
“Enxame de banalidades” nada mais é do que aquele zumbido que nos atazana o dia inteiro, comprometendo até mesmo a nossa vida de oração;
aquele monte de informações jogadas ao mesmo tempo nas redes sociais e
que vamos absorvendo superficialmente de tudo um pouco, sem nos aprofundarmos em nada; aquele punhado de notícias que nos mantêm aparentemente “atualizados” mas que nos vão tornando espiritualmente defasados, mornos, imprestáveis.
Talvez esteja na hora de nos retirarmos um pouco mais do mundo frenético da internet e nos recolhermos no santuário de nossa alma, onde Deus habita e quer falar conosco.
Este é o único conhecimento verdadeiramente necessário; todos os
outros, por mais elevados que pareçam, não passam de “vaidade das
vaidades” (Ecle 1, 2). “Todos os homens naturalmente desejam saber”, diz a Imitação de Cristo. “Mas para que serve a ciência sem o temor de Deus?” E ainda: “É preferível o humilde camponês que serve a Deus ao orgulhoso filósofo que observa os movimentos dos céus” [5].
Quem melhor pode representar este “humilde camponês” que São José, o artesão simples e recolhido de Nazaré?
Peçamos a ele aquilo que nos recomendava Santa Teresa d’Ávila: que ele
seja “mestre de oração” para nós. Prefiramos perder tudo, morrer
completamente para o mundo, se for preciso, ser ignorados por todas as
pessoas, longe do “enxame de banalidades” de que está cheia a internet, contanto que vivamos para Deus. “Que os homens jamais falem de nós, contanto que Jesus Cristo fale um dia.” [6]
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