Aturdido e sem rumo, Barrabás caminha pelas ruas de Jerusalém quando, de
repente, escuta o lúgubre rufar de tambores anunciando uma crucifixão. E
pensa: "Bem poderia ter sido eu..."
Barrabás, famoso ladrão e assassino, o pior
criminoso que Israel conhecera, encontra-se encarcerado na Torre
Antônia, em Jerusalém. Era então costume entre os judeus, por ocasião da
Páscoa, conceder a liberdade a algum preso, em memória da saída dos
israelitas do cativeiro no Egito. O procurador romano na Judeia,
Pôncio Pilatos, propõe dois nomes para o povo escolher: Barrabás ou
Jesus.
Símbolo
da ilegalidade, motivo de terror para todos, cujo
aprisionamento constituía o alívio e a segurança da região, o
maior malfeitor da época é contraposto Àquele que perdoava os
pecados, curava leprosos, cegos e paralíticos, ressuscitava mortos e andara “por toda a parte, fazendo o bem” (At 10, 38)?
Ora, qual a gratidão suscitada por tantos ensinamentos, favores e milagres? O populacho, a uma voz, prefere Barrabás…
Surpresa e pânico do bandido
Podemos
conjecturar a reação do chefe da prisão ao receber a ordem do
magistrado romano de liberar naquele mesmo dia o terrível bandido.
—
Soltar esse homem por causa de um absurdo costume judaico? Esse
criminoso vai repetir suas loucuras! Vão se arrepender… Mas,
enfim, cabe-me só cumprir ordens. Vamos! Desce até o calabouço do
Pretório e introduz a chave na fechadura de uma cela. Rangendo, abre-se
a porta do repugnante recinto e o carcereiro chama:
— Barrabás!
Com os cabelos desalinhados, o olhar desvairado e cheio de terror, balbucia o delinquente:
— Vou ser crucificado?!
— Não! Fora daqui! — responde o guarda com rudeza e desgosto.
— Mas… o que vão fazer comigo?
— Fora!
Saindo, trêmulo, ainda indaga:
— O que aconteceu?
— Estás livre! Vá para a rua!
— Eu, livre? Eu, que já sentia as cordas nas minhas mãos e experimentava prematuramente a asfixia
da crucifixão pela qual iria morrer! Eu, solto depois de tudo o que fiz? Eu, Barrabás, homicida detestado por todo o mundo?… Vou cobrir um pouco a cabeça para não ser reconhecido na rua… Preciso me disfarçar para sair, pois podem me matar. Mas… estou livre! Será possível? Eu me apalpo e vejo que… é verdade!
da crucifixão pela qual iria morrer! Eu, solto depois de tudo o que fiz? Eu, Barrabás, homicida detestado por todo o mundo?… Vou cobrir um pouco a cabeça para não ser reconhecido na rua… Preciso me disfarçar para sair, pois podem me matar. Mas… estou livre! Será possível? Eu me apalpo e vejo que… é verdade!
Sem
rumo fixo, caminha aturdido pelas ruas de Jerusalém quando, de repente,
escuta não muito longínquo o lúgubre rufar de tambores:
— O que é isso? O anúncio de uma crucifixão? Estão levando alguém para o suplício!
Experimentando um calafrio de pavor, suspira:
— Poderia ter sido eu… Oh, horror!
Continua
em direção à turbamulta, que está quase chegando no Monte Calvário. Ao
se aproximar, percebe a identidade do condenado: é Jesus de Nazaré… e
vai ser crucificado!
A “oitava Palavra”
Se
uma graça fulgurante de arrependimento rasgasse a sordidez de sua alma
endurecida e nela penetrasse, Barrabás, cheio de compunção, ter-se-ia
lançado aos pés de Nosso Senhor Jesus Cristo, já deitado sobre o madeiro da Cruz.
Nesse
momento, o Divino Redentor estaria experimentando em suas divinas mãos e
adoráveis pés as inenarráveis dores ocasionadas pela perfuração dos
pregos. Mas isso não O impediria de pousar seu sacratíssimo olhar na
figura horrenda daquele a quem a perfídia dos homens tinha preferido a Ele, Jesus, o Filho de Deus, a Beleza Infinita.
Sob o influxo de tal graça, o criminoso, ajoelhado, diria:
—
Senhor, eu deveria estar sendo crucificado e não Vós! Vós ireis morrer
por mim quando sou eu, infame, merecedor desse castigo por meus pecados!
Senhor, perdão por tanta maldade! Senhor, eu me arrependo, detesto meus
crimes e quero me assemelhar a Vós!
E
o Salvador teria pronunciado aí a primeira das Palavras, que não mais
seriam sete, como registram os Evangelhos, mas oito; de seus divinos
lábios brotaria esta manifestação de poder, bondade e amor infinitos:
—
Meu filho, vá porque teus pecados estão perdoados! Vá porque soubeste
aceitar as graças de penitência e de arrependimento que Eu mesmo para ti
suscitei! Vá e não peques mais!
Somos também “barrabases”
A
História não conta qual foi o destino de Barrabás uma vez fora da
prisão. Ignoramos se continuou na esteira dos crimes e desvarios que o
caracterizavam, enchendo novamente de sobressalto e pavor o povo que
clamara por sua libertação, ou se houve uma conversão semelhante à que
acabamos de imaginar.
Uma
coisa é certa: a cada ano, na liturgia da Semana Santa, ao
ser mencionado o nome do bandido na leitura da Paixão segundo São
João, vibram os corações e ardem em desejos de vingar e reparar
tamanha ignomínia.
É
justo, porém, descarregarmos toda a nossa ira sobre o terrível
criminoso, esquecendo que fomos nós também “barrabases” em algum momento
da vida? Não ofendemos brutalmente o Coração de Jesus ao cometer um
pecado ou ao apegar-nos a um vício? E não agimos como o povo judeu
escolhendo o famoso malfeitor, ao trocar a obediência aos Mandamentos
por uma transgressão grave e voluntária à Lei?
Se
alguma vez pecamos gravemente contra algum Mandamento da Lei de Deus,
somos comparáveis a Barrabás e àqueles que o preferiram a Jesus!
Deveríamos estar sendo crucificados, quando é Ele, ao contrário, que
sofre por nós! Que terrível verdade: ao pecar, prefiro Barrabás como meu
amigo e crucifico a Jesus em minha alma!
Em
vista disso, o que farei? Formular essa pergunta é fruto de uma graça
que parte de Jesus em direção a mim. Diante dela só cabe uma súplica à
Mãe do perdão e da divina graça, cujos rogos me obtiveram esse
benefício:
“Oh, Virgem Santíssima, minha Mãe, dai-me a convicção de que só existem dois caminhos: um é o de Barrabás e outro, o de Jesus.
Crucifixão – Igreja Matriz de Matosinhos – Portugal |
“Quando vosso Divino Filho voltar no fim dos tempos para exercer
o julgamento de todos os homens, reunidos no Vale de Josafá e não
mais no Pretório de Pilatos, a
humanidade estará dividida entre os que O quiseram crucificar e se
entregaram ao pecado, e aqueles que aceitaram o convite de seu divino e
arrebatador olhar, e quiseram viver sempre na sua graça e na prática da
virtude.
“Pelos méritos infinitos da Paixão, fazei que eu esteja entre estes últimos!
“E
se tiver a desgraça de Vos ofender, que eu me aproxime, com toda
pressa, do Sacramento da Penitência e possa, arrependido e
humilhado, ouvir aquela ‘oitava Palavra’ dirigida ao hipotético Barrabás
convertido: ‘Vá, meu filho, minha filha, teus pecados estão
perdoados!'”.
Adaptação da palestra pronunciada por Mons. João
Scognamiglio
Clá Dias, EP, em 27/5/1990 – (Revista Arautos do Evangelho, Março/2015, n. 159, p. 16 à 18)
Nenhum comentário:
Postar um comentário