É importante todo católico saber do que se trata a última carta publicada pela Congregação para a doutrina da fé: PLACUIT DEO
O Papa Francisco aprovou a Carta “Placuit Deo” (Aprouve a Deus) da
Sagrada Congregação para a doutrina da fé (SCDF), em 22/2/2018, Festa da
Cátedra de São Pedro, onde esclarece o significado da verdadeira
salvação cristã, uma vez que “o mundo contemporâneo questiona a
confissão de fé cristã, que proclama Jesus o único Salvador de todo o
homem e da humanidade inteira (cf. At 4,12; Rom 3,23-24; 1 Tm 2,4-5; Tit
2,11-15)”. [DI, 5-8]. (n.1). Ela faz eco a anterior “Dominus Iesus”,
aprovada por Bento XVI.
Basicamente a Carta da SCDF alerta para o perigo do individualismo
que “tende a ver o homem como um ser cuja realização depende somente das
suas forças” [Evangelii gaudium, 64]. Ou seja, que ele não precisa de
Deus, que ele se basta. Este individualismo leva a ver Cristo mais como
um modelo de boas ações, do que “Aquele que transforma a condição
humana, incorporando-nos numa nova existência reconciliada com o Pai e
entre nós, mediante o Espírito” (cf. 2 Cor 5,19; Ef 2,18).
A Carta, que exprime bem o pensamento do Papa Francisco, destaca o
perigo de dois desvios relacionados com duas antigas heresias: o
pelagianismo e o gnosticismo, que ele vê atuando hoje em nova forma.
O perigo de um neopelagianismo
O pelagianismo, de Pelágio, famoso monge gaulês, no século V, negava o
pecado original, afirmando que o homem não precisa da graça de Deus
para fazer o bem e se salvar. Foi combatido fortemente por Santo
Agostinho e condenado pelo Papa Inocêncio I (401-417); foi quando o
Santo pronunciou a frase que ficou célebre: “Roma locuta, causa finita!”
(Roma falou, encerrada a questão!).
Diz a Carta da SCDF:
“Prolifera em nossos tempos um neopelagianismo em que o homem, radicalmente autônomo, pretende salvar-se a si mesmo sem reconhecer que ele depende, no mais profundo do seu ser, de Deus e dos outros. A salvação é então confiada às forças do indivíduo ou a estruturas meramente humanas, incapazes de acolher a novidade do Espírito de Deus”.
Para o pelagianismo o homem, para cumprir os mandamentos de Deus e
ser salvo, não precisa da graça como uma sanação e regeneração da
liberdade, sem mérito prévio, para que ele possa realizar o bem e
alcançar a vida eterna.
O perigo do neognosticismo
O outro perigo atual na teologia, que a Carta mostra, é de “um certo
neo-gnosticismo, que apresenta uma salvação meramente interior, fechada
no subjetivismo” [“Evangelii gaudium” (n.94)]. O Papa Francisco já falou
antes desse «fascínio do gnosticismo”, que se caracteriza por um
racionalismo baseado em conhecimentos que levam a pessoa a desprezar a
salvação em Jesus Cristo.
O que é o gnosticismo?
O gnosticismo surgiu nos séculos I e II, e manifestou-se de formas
muito diferentes. Em geral, os gnósticos acreditavam que a salvação é
obtida através de um conhecimento esotérico ou “gnose”. Esta gnose
revelaria ao gnóstico sua essência verdadeira, isto é, uma centelha do
Espírito divino que habita em sua interioridade, que deve ser libertada
do corpo, estranho à sua verdadeira humanidade. Somente assim o gnóstico
retornaria ao seu ser originário em Deus, de quem ele afastou-se pela
queda original.
A gnose (= conhecimento) apresenta o conhecimento, reservado a alguns
iluminados, desprezando a Revelação de Deus. Disse o Papa na encíclica
“Lumen fidei” (n. 47), que essa “salvação” apresentada pelo gnosticismo
consiste no elevar-se «com o intelecto para além da carne de Jesus rumo
aos mistérios da divindade desconhecida».
O gnosticismo é dualista; isto é, acredita em dois deuses; um bom que
teria gerado as coisas espirituais e outro mal que teria criado os
seres materiais; que, por isso, são considerados maus, inclusive o corpo
humano. Por isso os gnósticos negavam a Encarnação do Verbo
(docetismo), proibiam o casamento, etc., anulando a salvação trazida por
Cristo.
É a racionalização dos mistérios da fé, que influencia hoje certas
“teologias”. Consequentemente, a salvação é vista como libertação do
corpo e das relações concretas que a pessoa vive. Pelo contrário –
afirma a Carta da SCDF – como somos salvos «por meio da oferta do corpo
de Jesus Cristo» (Heb 10,10; cf. Col 1,22), a verdadeira salvação, longe
de ser libertação do corpo, compreende também a sua santificação” (cf.
Rom 12,1).
Assim, a salvação no gnosticismo – diz o Papa – consiste em “libertar
a pessoa do corpo e do mundo material, nos quais não se descobrem mais
os vestígios da mão providente do Criador…”.
São Paulo condenou o gnosticismo na Carta aos colossenses, ao se
referir às “vãs e enganosas filosofias” (Col 2,8). E condenou também na
1ª Carta a Timóteo, quando fala daqueles que “proíbem o casamento, assim
como o uso de alimentos” (1Tm 4,1-3). São João, em sua primeira Carta,
se referia aos gnósticos como o Anticristo: “todo espírito que não
proclama Jesus Cristo encarnado não é de Deus, mas é o espírito do
Anticristo de cuja vinda tendes ouvido, e já está agora no mundo.” (1
João 4,2-3)
O gnosticismo foi condenado pelo Papa o Papa Higino (138-142) e outros.
A Carta da SCF pergunta:
“Como poderia Cristo mediar a Aliança da família humana inteira, se o homem fosse um indivíduo isolado, que se autorrealiza somente com as suas forças, como propõe o neo-pelagianismo? E como poderia chegar até nós a salvação mediante a Encarnação de Jesus, a sua vida, morte e ressurreição no seu verdadeiro corpo, se aquilo que conta fosse somente libertar a interioridade do homem dos limites do corpo e da matéria, segundo a visão neo-gnóstica? Diante destas tendências, esta Carta pretende reafirmar que, a salvação consiste na nossa união com Cristo, que, com a sua Encarnação, vida, morte e ressurreição, gerou uma nova ordem de relações com o Pai e entre os homens, e nos introduziu nesta ordem graças ao dom do seu Espírito, para que possamos unir-nos ao Pai como filhos no Filho, e formar um só corpo no «primogênito de muitos irmãos» (Rom 8,29)”. (n. 4)
A Carta diz que a salvação plena da pessoa “não consiste nas coisas
que o homem poderia obter por si mesmo, como o ter ou o bem-estar
material, a ciência ou a técnica, o poder ou a influência sobre os
outros, a boa fama ou a autor realização”. «A vocação última de todos os
homens é realmente uma só, a divina». “O nosso coração permanecerá
inquieto até que não repouse Nele” [Santo Agostinho].
A Sagrada Congregação recorda que “o mundo inteiro é bom, enquanto
criado por Deus (cf. Gen 1,31; Sab 1,13-14; 1Tim 4,4), e que o mal que
mais prejudica o homem é aquele que provém do seu coração (cf. Mt
15,18-19; Gen 3,1-19)”. É o pecado que gera a separação de Deus e que
leva à perda de harmonia entre os homens, introduzindo a desintegração e
a morte (cf. Rom 5,12). “O salário do pecado é a morte!” (Rom 6,23).
É a Igreja onde recebemos a salvação trazida pelo Cristo
Por fim o Documento da SCDF reafirma que:
“a salvação para todos os povos começa com o acolhimento de Jesus: «Hoje veio a salvação a esta casa» (Lc 19,9). A Boa Nova da salvação tem um nome e um rosto: Jesus Cristo, Filho de Deus Salvador. «Eu sou o caminho» (Jo 14,6… Ele é, ao mesmo tempo, o Salvador e a Salvação”.
Além do que:
“O lugar onde recebemos a salvação trazida por Jesus é a Igreja, onde se pode receber a plenitude do Espírito de Cristo (cf. Rom 8,9). Compreender esta mediação salvífica da Igreja é uma ajuda essencial para superar qualquer tendência reducionista”. A salvação que Deus nos oferece não é alcançada apenas pelas forças individuais, “mas através das relações nascidas do Filho de Deus encarnado e que formam a comunhão da Igreja”. (n.12)
Enfim, a mediação salvífica da Igreja, «sacramento universal de
salvação» [LG, 48] assegura-nos que a salvação não consiste na auto
realização do indivíduo isolado [pelagianismo], e, muito menos, na sua
fusão interior com o divino [gnosticismo], mas na incorporação em uma
comunhão de pessoas, que participa na comunhão da Trindade.
“A participação, na Igreja, à nova ordem de relações inauguradas por Jesus realiza-se por meio dos sacramentos, entre eles, o Batismo que é a porta e a Eucaristia que é fonte e o ápice”. (n.13)
“Pela graça dos Sacramentos, os fiéis crescem e se regeneram, mesmo nas mais difíceis lutas e as quedas não faltam”. (n. 14)
O Documento termina dizendo que a nossa salvação só será plena depois
de ter sido vencido o último inimigo, a morte (cf 1 Cor 15,26); então,
participaremos plenamente da glória de Cristo ressuscitado (n. 15).
Você pode ler este documento na íntegra direto no site do Vaticano clicando neste link:
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