
As leituras de hoje se entrelaçam na
dinâmica da sabedoria divina a ser usufruída com o desejo incansável de um
pescador e de alguém que busca pérolas preciosas. O reino pregado por Jesus
exige decisão, empenho e discernimento. Caso contrário, cada um deverá pagar
pela sua opção, sendo rejeitado ao separar as coisas boas das ruins, assim como
o joio e o trigo, sobre os quais refletimos na semana anterior. A primeira
leitura e o evangelho, complementados pela segunda leitura, são de grande
simplicidade e trazem profunda mensagem de fé e esperança. Vejamos.
1ª
leitura (1Rs. 3,5.7-12)
A
sabedoria que Salomão não soube usar
Salomão ficou famoso por causa de sua
sabedoria. É muito conhecido o episódio das duas mulheres prostitutas que
brigavam por um mesmo filho (1Rs 3,16-28). Salomão solucionou o caso, mandando
partir a criança ao meio e dividi-la entre as duas mulheres. Quando uma das
mães reagiu, dizendo que ele poderia dar o filho à outra, e esta prontamente
aceitou a proposta do rei, Salomão logo concluiu que a primeira era a
verdadeira e ordenou que fosse considerada a mãe legítima. E o rei foi louvado
pela sua sabedoria ao julgar. Na leitura de hoje, Salomão pede a Deus sabedoria
para governar, julgar com equidade e bom senso ao discernir. Deus lhe concede
além do pedido: um coração sábio e inteligente, como ninguém teve antes dele e
ninguém terá depois dele (v. 12). No mundo bíblico, o coração é a sede do
pensar e do conhecimento. É isso que Deus esperava de Salomão: sabedoria para
governar. O leitor menos avisado logo pensará que Salomão, fazendo uso da
sabedoria divina, terá feito um ótimo governo em Israel. Não é bem assim.
Salomão explorou o povo com duros trabalhos, tirou o povo da roça e o levou
para Jerusalém, de modo que pudesse, por meio de trabalhos pesados, construir
um suntuoso templo em Jerusalém. Ademais, impôs-lhe um jugo pesado de impostos
(1Rs. 5,12-12,11). Quando ele morreu, o país foi dividido em dois reinos, entre
o norte e o sul, Israel e Judá, respectivamente. O povo clamou por alívio, mas
seu filho e sucessor, Roboão, prometeu governar com dureza ainda maior: “Meu
pai vos castigou com açoites, e eu vos açoitarei com escorpiões”,
respondeu-lhes. Diante disso, surge a pergunta: por que, então, a nossa
primeira leitura de hoje, 1Rs 3,5.7-12, enaltece tanto a Salomão? A resposta é
simples: o texto se refere ao início de sua atividade governamental.
Ainda em nossos dias, muitos governos
iniciam bem o mandato, mas acabam se corrompendo e explorando o povo. “Nada há
de novo debaixo do sol”, já registrou a sabedoria de Eclesiastes 1,9. Salomão
não soube usar a sabedoria que Deus lhe deu. A sabedoria de Deus é coisa boa,
mas o ser humano, assim como tantos Salomões de hoje, desvia-a para o mal, pois
não sabe discernir entre o bem e o mal. Para que isso aconteça, é preciso muita
sabedoria. É o que vemos, na sequência, no evangelho de hoje.

Evangelho
(Mt. 13,44-52)
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 44“O
Reino dos Céus é como um tesouro escondido no campo. Um homem o
encontra e o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vai, vende todos os
seus bens e compra aquele campo.
45O Reino dos Céus é também como um comprador que procura pérolas preciosas. 46Quando encontra uma pérola de grande valor, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela pérola.
47O Reino dos Céus é ainda como uma rede lançada ao mar e que apanha peixes de todo tipo. 48Quando
está cheia, os pescadores puxam a rede para a praia, sentam-se e
recolhem os peixes bons em cestos e jogam fora os que não prestam.
49Assim acontecerá no fim dos tempos: os anjos virão para separar os homens maus dos que são justos, 50e lançarão os maus na fornalha de fogo. E aí haverá choro e ranger de dentes.
51Compreendestes tudo isso?” Eles responderam: “Sim”.
52Então
Jesus acrescentou: “Assim, pois, todo o mestre da Lei, que se torna
discípulo do Reino dos Céus, é como um pai de família que tira do seu
tesouro coisas novas e velhas”.
O
reino de Deus é como um tesouro, uma pérola e uma rede
A comunidade de Mateus termina o discurso
de Jesus em parábolas com três outras comparações: o reino é como o tesouro, a
pérola e a rede. Todas elas procuram ligar a sabedoria com a busca incessante
do reino de Deus. Destaque, no entanto, para a última, explicada
alegoricamente, associando o ato do pescador de separar os peixes com o fim do
mundo.
O reino de Deus, na primeira parábola,
é comparado ao tesouro encontrado no campo por um trabalhador. Encontrá-lo,
assim como uma pérola, leva-o a comprar a terra, onde ele decide esconder o
precioso achado. Fato semelhante ocorre em nossos dias: basta encontrar minério
ou gás em terras outrora desvalorizadas, como ocorreu recentemente com o norte
de Minas Gerais, que as terras se tornam supervalorizadas da noite para o dia.
O tesouro encontrado é sinal de vida. A terra também. O sacrifício torna-se
justificável na aquisição da terra. Jesus alude à sabedoria de quem busca
incansavelmente o reino pregado por ele. Na tradição do Primeiro Testamento, o
livro dos Provérbios diz: “Feliz o homem que encontrou a sabedoria..., mais
feliz ainda é quem a retém” (Pr. 3,13-18). Reter o reino é considerá-lo como
uma pérola preciosa que o comerciante sai à procura até encontrar. Não medindo
esforços, ele vende tudo para comprá-la. O historiador Flávio Josefo, em Guerra
judaica VII, 115, informa-nos que os romanos, depois da guerra de 70 que
assolou Jerusalém, encontraram enterrados ouro, prata e objetos preciosos que
pertenciam aos judeus. Esse fato ocorreu não somente com os romanos, pois era
costume entre judeus, ante uma invasão estrangeira, enterrar os bens. O povo
simples almejava encontrá-los. Imagine, então, a repercussão da fala parabólica
de Jesus? O ensinamento de Jesus provoca encantamento no povo e desejo de
deixar tudo para sair à procura do reino.
Os rabinos contavam uma parábola
parecida. Havia um mestre que guardava em seu turbante uma pérola preciosa.
Passando em uma ponte, deixou-a cair no rio e um peixe a engoliu. O mestre,
então, passou a comprar todos os peixes na feira de sua cidade até encontrar novamente
a sua pérola.
A terceira e última comparação com o
reino de Deus é a rede que o pescador lança ao mar. Mar e rede se encontram nas
mãos de pescadores. O mar é o símbolo do mal. Dele emanava tudo que não
prestava. Nele morava o Leviatã, a força do mal opositora de Deus. Para ele se
atiraram os porcos da cidade de Gerasa, os quais receberam os demônios que
Jesus tinha expulsado (Mt 8,30-32). No episódio dos porcos, trata-se de uma
linguagem apocalíptica: os porcos representam a legião romana – o mal que devia
voltar de onde veio, o mar. Não por menos, a pesca exige separar o que presta
do que não presta. Assim será no fim dos tempos: Deus julgará a todos pelas
suas ações más e justas. Quem em vida foi sábio, procurou o reino e sua
justiça, será considerado justo e se encontrará com Deus. Para quem não agiu
assim restará a fornalha ardente e o ranger de dentes.
O evangelho termina citando uma
personagem importante na sociedade daquela época, o escriba. A comunidade
judaico-cristã de Mateus lhe confere a autoridade de seguidor do reino e de
sábio que sabe distinguir entre as coisas da tradição judaica e aquelas que
Jesus ensinava. Em outras palavras: o escriba judeu é o novo mestre dos
ensinamentos de Jesus à luz da tradição judaica. Como ele, somos chamados a ler
e atualizar sempre a palavra de Deus à luz dos acontecimentos do nosso tempo.
2ª
leitura (Rm 8,28-30)
Ser
imagem do Filho e pertencer ao reino de Deus
Complementando o que foi dito nas
leituras acima, esse pequeno trecho da carta aos Romanos, ao tratar do ser
imagem do Filho, remete-nos a um tema referencial de nossa fé judaico-cristã,
nossa criação como imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26). Imagem é ser igual a
Deus, e semelhança, um vir a ser. Nessa perspectiva, Paulo afirma que aos que
Deus chamou e ama, ele lhes confere o ser imagem do seu Filho e nele recuperar
a glória perdida.
Jesus e o reino de Deus das leituras
anteriores são, na pregação paulina, a filiação divina do ser humano e a
fraternidade universal do mundo com Deus, na justiça.
PISTAS
PARA REFLEXÃO
1. A procura pela sabedoria é um
constante desafio para cada um de nós. Uma faina diária que exige persistência.
Um caminho sempre aberto. Nessa mesma linha de pensamento, não basta aderir ao
reino pregado por Jesus. É preciso assumir com responsabilidade a sua causa, o
que implica decidir sempre.
2. Procurar demonstrar para a
comunidade que ser cristão é ser ético em todas as condições da vida. Muitos se
dizem cristãos e compactuam com a injustiça no trabalho, na vida social, na
política etc. Humanamente, estamos todos sujeitos ao erro, mas perpetuar-se
nele é perder a dinâmica do agricultor que faz de tudo para comprar o campo do
tesouro e do comerciante que procura pérolas preciosas.
3. Demonstrar para os fiéis que quem
participa da comunidade tem a sua vida mudada para melhor, pois ela, como
espaço de construção do reino, é um bem, um tesouro para quem a encontra.
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