sábado, 12 de julho de 2014

15º DOMINGO DO TEMPO COMUM - O SEMEADOR.

A liturgia do 15º domingo do tempo comum convida-nos a tomar consciência da importância da Palavra de Deus e da centralidade que ela deve assumir na vida dos crentes.
A primeira leitura garante-nos que a Palavra de Deus é verdadeiramente fecunda e criadora de vida. Ela dá-nos esperança, indica-nos os caminhos que devemos percorrer e dá-nos o ânimo para intervirmos no mundo. É sempre eficaz e produz sempre efeito, embora não atue sempre de acordo com os nossos interesses e critérios.
O Evangelho propõe-nos, em primeiro lugar, uma reflexão sobre a forma como acolhemos a Palavra e exorta-nos a ser uma “boa terra”, disponível para escutar as propostas de Jesus, para as acolher e para deixar que elas dêem abundantes frutos na nossa vida de cada dia. Garante-nos também que o “Reino” proposto por Jesus será uma realidade imparável, onde se manifestará em todo o seu esplendor e fecundidade a vida de Deus.
A segunda leitura apresenta uma temática (a solidariedade entre o homem e o resto da criação) que, à primeira vista, não está relacionada com o tema deste domingo – a Palavra de Deus. Podemos, no entanto, dizer que a Palavra de Deus é que fornece os critérios para que o homem possa viver “segundo o Espírito” e para que ele possa construir o “novo céu e a nova terra” com que sonhamos.
1ª leitura – Is. 55,10-11 – AMBIENTE
O Deutero-Isaías, autor deste texto, é um profeta que exerce a sua missão entre os exilados da Babilônia, procurando consolar e manter acesa a esperança no meio de um povo amargurado, desiludido e decepcionado. Os capítulos que recolhem a sua mensagem (Is 40-55) chamam-se, por isso, “livro da Consolação”.
Na primeira parte desse livro (cf. Is. 40-48), o profeta anuncia aos exilados a libertação do cativeiro e um “novo êxodo” do Povo de Deus rumo à Terra Prometida; na segunda parte (cf. Is 49-55), o profeta fala da reconstrução e da restauração de Jerusalém.
Estes três versículos que a primeira leitura de hoje nos propõem aparecem no final do “Livro da Consolação”. Depois de convidar o Povo (que ainda está na Babilônia) a buscar e invocar o Senhor (cf. Is. 55,6-9), o profeta relembra a eficácia da Palavra de Deus que acabou de ser proclamada aos exilados (cf. Is. 55,10-11).
Estamos na fase final do Exílio (à volta de 550/540 a.C.). A comunidade exilada está farta de belas palavras e de promessas de libertação que tardam a concretizar-se… A impaciência, a dúvida, o cepticismo vão minando lentamente a resistência e a fé dos exilados… Será que as promessas de Deus se concretizarão? Deus não está a ser demasiado lento, em relação a algo que exige uma intervenção imediata? Deus ter-se-á esquecido da situação do seu Povo?
MENSAGEM
Não – diz o profeta – Deus não se esqueceu do seu Povo. A sua Palavra não deixará de se concretizar, pois Deus é eternamente fiel às suas promessas. A Palavra de Deus é eficaz, transformadora, geradora de vida. Ela nunca falha.
Para expressar a idéia da eficácia da Palavra de Deus, o profeta utiliza o exemplo da chuva e da neve: assim como a chuva e a neve que descem do céu fecundam a terra e multiplicam a vida nos campos, assim a Palavra de Jahwéh não deixará de se concretizar e de criar vida plena para o Povo de Deus.
A imagem é extremamente sugestiva. Devia lembrar aos judeus exilados na Babilônia as chuvas que caem no norte de Israel e as neves do monte Hermon. Essa água caída do céu alimenta o rio Jordão; e este, por sua vez, corre por toda a terra de Israel, deixando um rasto de vida e de fecundidade.
A Palavra de Deus é como essa água bendita caída do céu que, inevitavelmente, gera essa vida que alimenta o Povo de Deus.
ATUALIZAÇÃO
• Quando escutamos a Palavra de Deus, sentimo-nos confiantes, otimistas, com o coração a transbordar de esperança; sentimos que o caminho que Deus nos indica é, efetivamente, um caminho de felicidade e de vida plena… “Que bom é estarmos aqui” – dizemos… Depois, voltamos à nossa vida do dia a dia e reencontramos a monotonia, os problemas, o desencanto; constatamos que os maus, os corruptos, os violentos, parecem triunfar sempre e nunca são castigados pelo seu egoísmo e prepotência, enquanto que os bons, os justos, os humildes, os pacíficos são continuamente vencidos, magoados, humilhados… Então perguntamos: podemos confiar nas promessas de Deus? Não estaremos a ser enganados? A Palavra de Deus que hoje nos é proposta responde a estas dúvidas. Ela garante-nos: a Palavra de Deus não falha; ela indica sempre caminhos de vida plena, de vida verdadeira, de liberdade, de felicidade, de paz sem fim.
• A Palavra de Deus não poderá ser uma espécie de ópio do Povo, no sentido de que projeta em Deus as esperanças e os sonhos que nos competem a nós concretizar? Atenção: é preciso estarmos bem conscientes de que Deus não prescinde de nós para atuar na história humana… A sua Palavra dá-nos esperança, indica-nos os caminhos que devemos percorrer e dá-nos o ânimo para intervirmos no mundo. A Palavra de Deus não só não adormece a nossa vontade de agir, mas revela-nos os projetos de Deus para o mundo e para os homens e convida-nos ao compromisso com a transformação e a renovação do mundo.
• Vivemos na era do relógio. “Tempo é dinheiro” – dizemos. Passamos a vida numa correria louca, contando os minutos, sem tempo para as pessoas, sem tempo para Deus, sem tempo para nós. Tornamo-nos impacientes e exigentes; achamos que ser eficiente é ter feito ontem aquilo que é pedido para hoje… E achamos que Deus também deve seguir os nossos ritmos. Queremos que Ele aja imediatamente, que nos resolva logo os problemas, que atue de imediato, ao sabor dos nossos desejos e projetos. É preciso, no entanto, aprender a respeitar o ritmo de Deus, o tempo de Deus. Não nos basta saber que a Palavra de Deus é sempre eficaz (embora não tenha os nossos prazos) e que não volta sem ter produzido o seu efeito, sem ter cumprido a vontade de Deus, sem ter realizado a sua missão?
2ª leitura – Rom 8,18-23 – AMBIENTE
Paulo continua a oferecer-nos a sua catequese sobre o caminho que é preciso seguir para se poder acolher a salvação que Deus oferece. A salvação é um dom de Deus, dom gratuito, que é fruto da bondade e do amor de Deus (cf. Rm. 3,1-5,11). Essa salvação chega-nos através de Jesus Cristo (cf. Rm. 5,12-8,39); e atua em nós pelo Espírito que Jesus derrama sobre aqueles que aderem ao seu projeto e entram na sua comunidade (cf. Rm. 8,1-39).
Nos versículos anteriores ao texto que hoje nos é proposto (cf. Rm. 8,1-17), Paulo mostrou aos crentes o exemplo de Cristo e convidou os cristãos a seguirem o mesmo percurso. De forma especial, disse-lhes que seguir o exemplo de Cristo implica deixar a vida “segundo a carne” (isto é, a vida do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência) e aderir à vida “segundo o Espírito” (isto é, a vida de escuta de Deus, de obediência aos projetos de Deus, de doação aos homens).
MENSAGEM
Na perspectiva de Paulo, o homem não é o único interessado na opção por uma vida “segundo o Espírito”: toda a criação está dependente das escolhas que o homem faz. O que é que isto significa?
Como resultado do pecado do homem, a criação inteira ficou submetida ao império do egoísmo e da desordem (cf. Gn. 3,17) e está condenada à finitude e à caducidade. Se o homem aderir a Cristo e passar a viver “segundo o Espírito”, superará o destino de maldição e de morte em que o pecado o tinha lançado; então, também o resto da criação será libertado e nascerá o novo céu e a nova terra. É o tema da solidariedade entre o homem, os outros animais e a natureza, tão enraizado na Bíblia (cf. Gn. 9,12-13; Col. 1,20; 2Pe. 3,13; Ap. 21,1-15).
Portanto, toda a criação aguarda ansiosamente que o homem escolha a vida “segundo o Espírito”. Até lá, vai nascendo – no meio da dificuldade e da dor – esse Homem Novo, bem como esse Novo Céu e Nova Terra com que todos sonhamos. Porquê na dificuldade e na dor? Porque a vida “segundo o Espírito” supõe a renúncia ao egoísmo, aos interesses mesquinhos, ao comodismo, ao orgulho e a opção por um caminho de entrega e de dom da própria vida a Deus e aos outros. Paulo utiliza até o exemplo das dores do parto, para iluminar a mensagem que pretende transmitir… O nascimento de uma criança dá-se sempre através da dor; no entanto, essa dor é o caminho obrigatório para o nascimento de uma nova vida.
De resto, vale a pena viver “segundo o Espírito”. Os “padecimentos”, as renúncias, as dificuldades, não são nada, em comparação com a felicidade sem fim que espera os crentes no final do caminho.
ATUALIZAÇÃO
• Antes de mais, Paulo exorta os crentes a decidirem-se por uma vida “segundo o Espírito”. Essa opção terá uma dimensão cósmica e afetará a relação do homem com os outros homens e com toda a criação. Uma vida conduzida de acordo com critérios de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de pecado, gera escravidão, injustiça, arbitrariedade, morte, sofrimento, que se refletem na vida de todos os outros seres criados e criam desequilíbrios que desfeiam este mundo que Deus quis “bom”… Ao contrário, uma vida conduzida de acordo com os critérios de Deus gera respeito, amor, solidariedade, que se refletem na vida dos outros seres criados e criam harmonia, equilíbrio, bem-estar, felicidade. Tenho consciência de que as minhas opções afetam os outros meus irmãos, bem como o mundo que me rodeia? Tenho consciência de que o mundo será melhor ou pior, de acordo com as opções que eu fizer?
• No nosso tempo manifesta-se, cada vez mais, uma preocupação séria com a forma como usamos o mundo que Deus nos ofereceu. O homem de hoje já descobriu que a criação não é para ser explorada, violentada, usada de acordo com critérios de egoísmo e de exploração. Aquilo que nos deve mover, no entanto, não é a simples preocupação com o esgotamento dos recursos, ou com a destruição das condições de habitabilidade do nosso planeta; mas o que nos deve mover é a idéia da fraternidade que deve unir o homem e as outras coisas criadas por Deus. Só quando se instalar essa consciência de fraternidade, podemos libertar toda a criação do egoísmo e da exploração em que o homem a encerrou e fazer aparecer o “novo céu e a nova terra”.
• Muitas vezes sentimo-nos confusos com certas novidades que nos desconcertam e que parecem pôr em causa os velhos esquemas sobre os quais o mundo se tem edificado. Criticamos os mais jovens pela sua ousadia, pelos seus valores, pelas suas preocupações, pela sua visão do mundo… Não sabemos para onde vamos e parece que nada faz sentido… Sentimo-nos abalados e inseguros; lamentamo-nos porque tudo parece ir de mal a pior e não sabemos “onde isto vai parar”. Não é possível que, em muitos casos, a nossa rigidez esconda o comodismo, a instalação, o aburguesamento de quem tem medo da novidade?
• Aconteça o que acontecer, somos convidados a olhar para o futuro do mundo e da humanidade com os óculos da esperança. Não caminhamos para o holocausto, para a destruição, para o nada, mas para o “novo céu e a nova terra”, que já estão em gérmen presentes na nossa história e que, cada dia, se manifestam um pouco mais.
• Atenção: esse “novo céu e nova terra” não podem ser projetados para um futuro ideal, no céu… Eles estão já a construir-se na terra, na nossa história, sempre que os seguidores de Jesus aceitam o seu convite e se dispõem a viver “segundo o Espírito”.
Evangelho – Mt. 13,1-23 - AMBIENTE
1Naquele dia, Jesus saiu de casa e foi sentar-se às margens do mar da Galileia.
2Uma grande multidão reuniu-se em volta dele. Por isso, Jesus entrou numa barca e sentou-se, enquanto a multidão ficava de pé, na praia.
3E disse-lhes muitas coisas em parábolas: “O semeador saiu para semear. 4Enquanto semeava, algumas sementes caíram à beira do caminho, e os pássaros vieram e as comeram.
5Outras sementes caíram em terreno pedregoso, onde não havia muita terra. As sementes logo brotaram, porque a terra não era profunda. 6Mas, quando o sol apareceu, as plantas ficaram queimadas e secaram, porque não tinham raiz.
7Outras sementes caíram no meio dos espinhos. Os espinhos cresceram e sufocaram as plantas.
8Outras sementes, porém, caíram em terra boa, e produziram à base de cem, de sessenta e de trinta frutos por semente. 9Quem tem ouvidos, ouça!”
10Os discípulos aproximaram-se e disseram a Jesus: “Por que falas ao povo em parábolas?”
11Jesus respondeu: “Porque a vós foi dado o conhecimento dos mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não é dado. 12Pois à pessoa que tem será dado ainda mais, e terá em abundância; mas à pessoa que não tem será tirado até o pouco que tem.
13É por isso que eu lhes falo em parábolas: porque olhando, eles não veem, e ouvindo, eles não escutam nem compreendem. 14Desse modo se cumpre neles a profecia de Isaías: ‘Havereis de ouvir, sem nada entender. Havereis de olhar, sem nada ver. 15Porque o coração deste povo se tornou insensível. Eles ouviram com má vontade e fecharam seus olhos, para não ver com os olhos, nem ouvir com os ouvidos, nem compreender com o coração, de modo que se convertam e eu os cure’.
16Felizes sois vós, porque vossos olhos veem e vossos ouvidos ouvem. 17Em verdade vos digo, muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes, e não viram, desejaram ouvir o que ouvis, e não ouviram.
18Ouvi, portanto, a parábola do semeador: 19Todo aquele que ouve a palavra do Reino e não a compreende, vem o Maligno e rouba o que foi semeado em seu coração. Este é o que foi semeado à beira do caminho.
20A semente que caiu em terreno pedregoso é aquele que ouve a palavra e logo a recebe com alegria; 21mas ele não tem raiz em si mesmo, é de momento; quando chega o sofrimento ou a perseguição, por causa da palavra, ele desiste logo.
22A semente que caiu no meio dos espinhos é aquele que ouve a palavra, mas as preocupações do mundo e a ilusão da riqueza sufocam a palavra, e ele não dá fruto.
23A semente que caiu em terra boa é aquele que ouve a palavra e a compreende. Esse produz fruto. Um dá cem, outro sessenta e outro trinta”.
 
Hoje e nos próximos dois domingos, o Evangelho apresenta-nos parábolas de Jesus. A “parábola” é uma imagem ou comparação, através da qual se ilustra uma determinada mensagem ou ensinamento.
A linguagem parabólica não foi inventada por Jesus. É uma linguagem habitual na literatura dos povos do Médio Oriente: o gênio oriental gosta mais de falar e de instruir através de imagens, de comparações e de alegorias, do que através dos discursos lógicos, frios e racionais, típicos da civilização ocidental.
A linguagem parabólica tem várias vantagens em relação a um discurso mais lógico e impositivo. Em primeiro lugar, porque a imagem ou comparação que caracteriza a linguagem parabólica é muito mais rica em força de comunicação e em poder de evocação, do que a simples exposição teórica: é mais profunda, mais carregada de sentido, mais evocadora e, por isso, mexe mais com os ouvintes. Em segundo lugar, porque é uma excelente arma de controvérsia: a linguagem figurada permite levar o interlocutor a admitir certos pontos que, de outro modo, nunca mereceriam a sua concordância. Em terceiro lugar, porque é um verdadeiro método pedagógico, que ensina as pessoas a refletir, a medir os prós e os contras, a encontrar soluções para os dilemas que a vida põe: espicaça a curiosidade, incita à busca, convida a descobrir a verdade.
No capítulo 13 do seu Evangelho, Mateus apresenta-nos sete parábolas, através das quais Jesus revela aos discípulos a realidade do “Reino”: são as “parábolas do Reino”.
Dessas sete parábolas, três procedem da tradição sinóptica (o semeador, o grão de mostarda, o fermento); as outras quatro (o trigo e o joio, o tesouro escondido, a pérola preciosa, a rede) não se encontram nem em Marcos, nem em Lucas. Provavelmente, são originárias da antiga fonte dos “ditos” de Jesus, que Mateus usou abundantemente na composição do seu Evangelho.
A preocupação do evangelista Mateus é sempre a vida da sua comunidade. Nestas sete parábolas e na interpretação que as acompanha, percebe-se a preocupação de um pastor que procura exortar, animar, ensinar e fortalecer a fé desses crentes a quem o Evangelho se destina.
MENSAGEM
A parábola que hoje nos é proposta – a do semeador e da semente – é uma das mais conhecidas e emblemáticas das parábolas de Jesus. No entanto, o texto do Evangelho de hoje vai um pouco mais além da parábola em si… Apresenta três partes: a parábola (vs. 1-9), um conjunto de “ditos” sobre a função das parábolas (vs. 10-17) e a explicação da parábola (vs. 18-23).
Na primeira parte temos, pois, a parábola propriamente dita (vs. 1-9). O quadro apresentado supõe as técnicas agrícolas usadas na Palestina de então: primeiro, o agricultor lançava a semente à terra; depois, é que passava a arar o terreno. Assim compreende-se porque é que uma parte da semente pôde cair “à beira do caminho”, outra em “sítios pedregosos onde não havia muita terra” e outra “entre os espinhos”.
Evidentemente, as diferenças do terreno significam, nesta “comparação”, as diferentes formas como é acolhida a semente. No entanto, nem sequer é isso que é mais significativo: o que aqui é verdadeiramente significativo é a quantidade espantosa de frutos que a semente lançada na “boa terra” produz… Tendo em conta que, na época, uma colheita de sete por um era considerada farta, os cem, sessenta e trinta por um deviam parecer aos ouvintes de Jesus algo de surpreendente, de exagerado, de milagroso…
Mateus coloca esta parábola num contexto em que a proposta de Jesus parece condenada ao malogro. As cidades do lago (Corozaim, Betsaida, Cafarnaum) tinham rejeitado a sua pregação (cf. Mt. 11,20-24); os fariseus atacavam-no por Ele não respeitar o sábado e queriam matá-l’O (cf. Mt 12,1-14); acusavam-n’O, além disso, de agir, não pelo poder de Deus, mas pelo poder de Belzebu, príncipe dos demônios (cf. Mt. 12,22-29); não acreditavam nas suas palavras e exigiam d’Ele “sinais” (cf. Mt. 12,38-45). O “Reino” anunciado sofria grande contestação e parecia, pois, encaminhar-se para um rotundo fracasso…
É muito possível que esta parábola tenha sido apresentada por Jesus neste contexto de “crise”. Àqueles que manifestavam desânimo e desconfiança em relação ao êxito do projeto do “Reino”, Jesus fala de um resultado final grandioso. Com esta parábola, Jesus diz aos discípulos desiludidos: “coragem! Não desanimeis, pois apesar do aparente fracasso, o ‘Reino’ é uma realidade imparável; e o resultado final será algo de surpreendente, de maravilhoso, de inimaginável”.
Na segunda parte temos uma reflexão sobre a função das parábolas (vs. 10-17). O ponto de partida é uma questão posta pelos discípulos: porque é que Jesus fala em parábolas?
Mateus vê nas parábolas a ocasião para que apareçam, com nitidez, o acolhimento e a recusa da mensagem proposta por Jesus. Que quer isto dizer?
As parábolas apresentam a proposta do “Reino” numa linguagem sugestiva, rica, clara, concreta, questionante, interpeladora… Tornam tudo claro e evidente para os ouvintes; por isso, após escutar a mensagem apresentada nas parábolas, só não aceita a mensagem quem tiver o coração endurecido e não estiver mesmo interessado na proposta. As parábolas são, portanto, o fator decisivo: propõem clara e inequivocamente a realidade do “Reino”. Quem acolher essa mensagem, receberá mais e “terá em abundância” (quer dizer, irá entrando, cada vez mais, na dinâmica do “Reino”); mas quem não a acolher (apesar da clareza e da acessibilidade da mensagem), está a rejeitar o “Reino” e a possibilidade de integrar a comunidade da salvação. Nos que rejeitam a proposta de Jesus, cumpre-se a profecia de Isaías: o profeta fala de um povo de coração endurecido, que quanto mais ouve a pregação profética, mais se irrita, agravando cada vez mais a sua culpa (cf. Is 6,9-10).
Os discípulos são aqueles que escutam a proposta do “Reino” e estão dispostos a acolhê-la. Eles compreendem, portanto, as parábolas e aceitam a realidade que elas propõem. Eles são “felizes”, porque abriram o coração às propostas de Jesus, escutaram as suas palavras, viram e entenderam os seus gestos e sinais; são “felizes” porque (ao contrário daqueles que endureceram o coração e fecharam os ouvidos à proposta de Jesus) já integram o “Reino”.
Na terceira parte, temos a explicação da parábola (vs. 18-23). Alguns indícios presentes no texto levam a pensar que esta explicação não fazia parte da parábola original, mas é uma adaptação posterior, que aplica a parábola à vida dos cristãos.
A explicação desloca, de forma evidente, o “centro de interesse”. Nessa explicação, a parábola deixa de ser uma apresentação da forma grandiosa como o “Reino” se vai manifestar, para passar a ser uma reflexão sobre as diversas atitudes com que a comunidade acolhe a Palavra de Jesus (na verdade, é essa a grande preocupação das comunidades cristãs).
Na perspectiva dos catequistas que prepararam esta aplicação da parábola, o acolhimento do Evangelho não depende, nem da semente, nem de quem semeia; mas depende da qualidade da terra.
Diante da Palavra de Jesus, há várias atitudes… Há aqueles que têm um coração duro como o chão de terra batida dos caminhos: a Palavra de Jesus não poderá penetrar nessa terra e dar fruto. Há aqueles que têm um coração inconstante, capaz de se entusiasmar instantaneamente, mas também de desanimar perante as primeiras dificuldades: a Palavra de Jesus não pode aí criar raízes. Há aqueles que têm um coração materialista, que dá sempre prioridade à riqueza e aos bens deste mundo: a Palavra de Jesus é aí facilmente sufocada por esses outros interesses dominantes. Há também aqueles que têm um coração disponível e bom, aberto aos desafios de Deus: a Palavra de Jesus é aí acolhida e dá muito fruto. Os verdadeiros discípulos (a “boa terra”) identificam-se com aqueles que escutam as parábolas, as entendem e acolhem a proposta do “Reino”.
Temos aqui, portanto, uma exortação aos cristãos no sentido de acolherem a Palavra de Jesus, sem deixarem que as dificuldades, os acidentes da vida, os outros valores a afoguem e a tornem uma semente estéril, sem vida.
ATUALIZAÇÃO
• No seu “estado atual”, a parábola do semeador e da semente é, sobretudo, um convite a refletir sobre a importância e o significado da Palavra de Jesus. É verdade que, nas nossas comunidades cristãs, a Palavra de Jesus é a referência fundamental, à volta do qual se constrói a vida da comunidade e dos crentes? Temos consciência de que é a Palavra anunciada, proclamada, meditada, partilhada, celebrada, que cria a comunidade e que a alimenta no dia a dia?
• A semente que caiu em terrenos duros, de terra batida, faz-nos pensar em corações insensíveis, egoístas, orgulhosos, onde não há lugar para a Palavra de Jesus e para os valores do “Reino”. É a realidade de tantos homens e mulheres que vêem no Evangelho um caminho para fracos e vencidos, e que preferem um caminho de independência e de auto-suficiência, à margem de Deus e das suas propostas. Este caminho de orgulho e de auto-suficiência alguma vez foi “o meu caminho”?
• A semente que caiu em sítios pedregosos, que brota nessa pequena camada de terra que aí há, mas que morre rapidamente por falta de raízes profundas, faz-nos pensar em corações inconstantes, capazes de se entusiasmarem com o “Reino”, mas incapazes de suportarem as contrariedades, as dificuldades, as perseguições. É a realidade de tantos homens e mulheres que vêem em Jesus uma verdadeira proposta de salvação e que a ela aderem, mas que rapidamente perdem a coragem e entram num jogo de cedências e de meias tintas quando são confrontados com a radicalidade do Evangelho. A Palavra de Deus é, para mim, uma realidade que eu levo a sério, ou algo que eu deixo cair quando me dá jeito?
• A semente que caiu entre os espinhos e que foi sufocada por eles, faz-nos pensar em corações materialistas, comodistas, instalados, para quem a proposta do “Reino” não é a prioridade fundamental. É a realidade de tantos homens e mulheres que, sem rejeitarem a proposta de Jesus (muitas vezes são “muito religiosos” e têm “a sua fé”) fazem do dinheiro, do poder, da fama, do êxito profissional ou social o verdadeiro Deus a que tudo sacrificam. As propostas de Jesus são a referência fundamental à volta da qual a minha vida se constrói, ou deixo que outros interesses e valores sufoquem os valores do Evangelho?
• A semente que caiu em boa terra e que deu fruto abundante faz-nos pensar em corações sensíveis e bons, capazes de aderirem às propostas de Jesus e de embarcarem na aventura do “Reino”. É a realidade de tantos homens e mulheres que encontraram na proposta de Jesus um caminho de libertação e de vida plena e que, como Jesus, aceitam fazer da sua vida uma entrega a Deus e um dom aos homens. Este é o quadro ideal do verdadeiro discípulo; e é esta a proposta que o Evangelho de hoje me faz.
• A parábola, na sua forma original (vs. 1-9) refere-se à inevitável erupção do “Reino”, à sua força e aos resultados maravilhosos que o “Reino” alcançará… Com frequência, olhamos o mundo que nos rodeia e ficamos desanimados com o materialismo, a futilidade, os falsos valores que marcam a vida de muitos homens e mulheres do nosso tempo. Perguntamo-nos se vale a pena anunciar a proposta libertadora de Jesus num mundo que vive obcecado com as riquezas, com os prazeres, com os valores materiais… O Evangelho de hoje responde: “coragem! Não desanimeis pois, apesar do aparente fracasso, o ‘Reino’ é uma realidade imparável; e o resultado final será algo de surpreendente, de maravilhoso, de inimaginável”.
 
 
 
 
 
 
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho

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