A liturgia do 15º domingo do tempo
comum convida-nos a tomar consciência da importância da Palavra de Deus e da
centralidade que ela deve assumir na vida dos crentes.
A primeira leitura garante-nos que a
Palavra de Deus é verdadeiramente fecunda e criadora de vida. Ela dá-nos
esperança, indica-nos os caminhos que devemos percorrer e dá-nos o ânimo para
intervirmos no mundo. É sempre eficaz e produz sempre efeito, embora não atue
sempre de acordo com os nossos interesses e critérios.
O Evangelho propõe-nos, em primeiro
lugar, uma reflexão sobre a forma como acolhemos a Palavra e exorta-nos a ser
uma “boa terra”, disponível para escutar as propostas de Jesus, para as acolher
e para deixar que elas dêem abundantes frutos na nossa vida de cada dia.
Garante-nos também que o “Reino” proposto por Jesus será uma realidade
imparável, onde se manifestará em todo o seu esplendor e fecundidade a vida de
Deus.
A segunda leitura apresenta uma
temática (a solidariedade entre o homem e o resto da criação) que, à primeira
vista, não está relacionada com o tema deste domingo – a Palavra de Deus.
Podemos, no entanto, dizer que a Palavra de Deus é que fornece os critérios
para que o homem possa viver “segundo o Espírito” e para que ele possa
construir o “novo céu e a nova terra” com que sonhamos.
1ª
leitura – Is. 55,10-11 – AMBIENTE
O Deutero-Isaías, autor deste texto, é
um profeta que exerce a sua missão entre os exilados da Babilônia, procurando
consolar e manter acesa a esperança no meio de um povo amargurado, desiludido e
decepcionado. Os capítulos que recolhem a sua mensagem (Is 40-55) chamam-se,
por isso, “livro da Consolação”.
Na primeira parte desse livro (cf. Is.
40-48), o profeta anuncia aos exilados a libertação do cativeiro e um “novo
êxodo” do Povo de Deus rumo à Terra Prometida; na segunda parte (cf. Is 49-55),
o profeta fala da reconstrução e da restauração de Jerusalém.
Estes três versículos que a primeira
leitura de hoje nos propõem aparecem no final do “Livro da Consolação”. Depois
de convidar o Povo (que ainda está na Babilônia) a buscar e invocar o Senhor
(cf. Is. 55,6-9), o profeta relembra a eficácia da Palavra de Deus que acabou
de ser proclamada aos exilados (cf. Is. 55,10-11).
Estamos na fase final do Exílio (à
volta de 550/540 a.C.). A comunidade exilada está farta de belas palavras e de
promessas de libertação que tardam a concretizar-se… A impaciência, a dúvida, o
cepticismo vão minando lentamente a resistência e a fé dos exilados… Será que
as promessas de Deus se concretizarão? Deus não está a ser demasiado lento, em
relação a algo que exige uma intervenção imediata? Deus ter-se-á esquecido da
situação do seu Povo?
MENSAGEM
Não – diz o profeta – Deus não se
esqueceu do seu Povo. A sua Palavra não deixará de se concretizar, pois Deus é
eternamente fiel às suas promessas. A Palavra de Deus é eficaz, transformadora,
geradora de vida. Ela nunca falha.
Para expressar a idéia da eficácia da
Palavra de Deus, o profeta utiliza o exemplo da chuva e da neve: assim como a
chuva e a neve que descem do céu fecundam a terra e multiplicam a vida nos
campos, assim a Palavra de Jahwéh não deixará de se concretizar e de criar vida
plena para o Povo de Deus.
A imagem é extremamente sugestiva.
Devia lembrar aos judeus exilados na Babilônia as chuvas que caem no norte de
Israel e as neves do monte Hermon. Essa água caída do céu alimenta o rio
Jordão; e este, por sua vez, corre por toda a terra de Israel, deixando um
rasto de vida e de fecundidade.
A Palavra de Deus é como essa água
bendita caída do céu que, inevitavelmente, gera essa vida que alimenta o Povo
de Deus.
ATUALIZAÇÃO
• Quando escutamos a Palavra de Deus, sentimo-nos
confiantes, otimistas, com o coração a transbordar de esperança; sentimos que o
caminho que Deus nos indica é, efetivamente, um caminho de felicidade e de vida
plena… “Que bom é estarmos aqui” – dizemos… Depois, voltamos à nossa vida do
dia a dia e reencontramos a monotonia, os problemas, o desencanto; constatamos
que os maus, os corruptos, os violentos, parecem triunfar sempre e nunca são
castigados pelo seu egoísmo e prepotência, enquanto que os bons, os justos, os
humildes, os pacíficos são continuamente vencidos, magoados, humilhados… Então
perguntamos: podemos confiar nas promessas de Deus? Não estaremos a ser
enganados? A Palavra de Deus que hoje nos é proposta responde a estas dúvidas.
Ela garante-nos: a Palavra de Deus não falha; ela indica sempre caminhos de
vida plena, de vida verdadeira, de liberdade, de felicidade, de paz sem fim.
• A Palavra de Deus não poderá ser uma
espécie de ópio do Povo, no sentido de que projeta em Deus as esperanças e os
sonhos que nos competem a nós concretizar? Atenção: é preciso estarmos bem
conscientes de que Deus não prescinde de nós para atuar na história humana… A
sua Palavra dá-nos esperança, indica-nos os caminhos que devemos percorrer e
dá-nos o ânimo para intervirmos no mundo. A Palavra de Deus não só não adormece
a nossa vontade de agir, mas revela-nos os projetos de Deus para o mundo e para
os homens e convida-nos ao compromisso com a transformação e a renovação do
mundo.
• Vivemos na era do relógio. “Tempo é
dinheiro” – dizemos. Passamos a vida numa correria louca, contando os minutos,
sem tempo para as pessoas, sem tempo para Deus, sem tempo para nós. Tornamo-nos
impacientes e exigentes; achamos que ser eficiente é ter feito ontem aquilo que
é pedido para hoje… E achamos que Deus também deve seguir os nossos ritmos.
Queremos que Ele aja imediatamente, que nos resolva logo os problemas, que atue
de imediato, ao sabor dos nossos desejos e projetos. É preciso, no entanto,
aprender a respeitar o ritmo de Deus, o tempo de Deus. Não nos basta saber que
a Palavra de Deus é sempre eficaz (embora não tenha os nossos prazos) e que não
volta sem ter produzido o seu efeito, sem ter cumprido a vontade de Deus, sem
ter realizado a sua missão?
2ª
leitura – Rom 8,18-23 – AMBIENTE
Paulo continua a oferecer-nos a sua catequese
sobre o caminho que é preciso seguir para se poder acolher a salvação que Deus
oferece. A salvação é um dom de Deus, dom gratuito, que é fruto da bondade e do
amor de Deus (cf. Rm. 3,1-5,11). Essa salvação chega-nos através de Jesus
Cristo (cf. Rm. 5,12-8,39); e atua em nós pelo Espírito que Jesus derrama sobre
aqueles que aderem ao seu projeto e entram na sua comunidade (cf. Rm. 8,1-39).
Nos versículos anteriores ao texto que
hoje nos é proposto (cf. Rm. 8,1-17), Paulo mostrou aos crentes o exemplo de
Cristo e convidou os cristãos a seguirem o mesmo percurso. De forma especial,
disse-lhes que seguir o exemplo de Cristo implica deixar a vida “segundo a
carne” (isto é, a vida do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência) e aderir à
vida “segundo o Espírito” (isto é, a vida de escuta de Deus, de obediência aos
projetos de Deus, de doação aos homens).
MENSAGEM
Na perspectiva de Paulo, o homem não é
o único interessado na opção por uma vida “segundo o Espírito”: toda a criação
está dependente das escolhas que o homem faz. O que é que isto significa?
Como resultado do pecado do homem, a
criação inteira ficou submetida ao império do egoísmo e da desordem (cf. Gn.
3,17) e está condenada à finitude e à caducidade. Se o homem aderir a Cristo e
passar a viver “segundo o Espírito”, superará o destino de maldição e de morte
em que o pecado o tinha lançado; então, também o resto da criação será
libertado e nascerá o novo céu e a nova terra. É o tema da solidariedade entre
o homem, os outros animais e a natureza, tão enraizado na Bíblia (cf. Gn.
9,12-13; Col. 1,20; 2Pe. 3,13; Ap. 21,1-15).
Portanto, toda a criação aguarda
ansiosamente que o homem escolha a vida “segundo o Espírito”. Até lá, vai
nascendo – no meio da dificuldade e da dor – esse Homem Novo, bem como esse
Novo Céu e Nova Terra com que todos sonhamos. Porquê na dificuldade e na dor?
Porque a vida “segundo o Espírito” supõe a renúncia ao egoísmo, aos interesses
mesquinhos, ao comodismo, ao orgulho e a opção por um caminho de entrega e de
dom da própria vida a Deus e aos outros. Paulo utiliza até o exemplo das dores
do parto, para iluminar a mensagem que pretende transmitir… O nascimento de uma
criança dá-se sempre através da dor; no entanto, essa dor é o caminho
obrigatório para o nascimento de uma nova vida.
De resto, vale a pena viver “segundo o
Espírito”. Os “padecimentos”, as renúncias, as dificuldades, não são nada, em
comparação com a felicidade sem fim que espera os crentes no final do caminho.
ATUALIZAÇÃO
• Antes de mais, Paulo exorta os
crentes a decidirem-se por uma vida “segundo o Espírito”. Essa opção terá uma
dimensão cósmica e afetará a relação do homem com os outros homens e com toda a
criação. Uma vida conduzida de acordo com critérios de egoísmo, de orgulho, de
auto-suficiência, de pecado, gera escravidão, injustiça, arbitrariedade, morte,
sofrimento, que se refletem na vida de todos os outros seres criados e criam
desequilíbrios que desfeiam este mundo que Deus quis “bom”… Ao contrário, uma
vida conduzida de acordo com os critérios de Deus gera respeito, amor,
solidariedade, que se refletem na vida dos outros seres criados e criam
harmonia, equilíbrio, bem-estar, felicidade. Tenho consciência de que as minhas
opções afetam os outros meus irmãos, bem como o mundo que me rodeia? Tenho
consciência de que o mundo será melhor ou pior, de acordo com as opções que eu
fizer?
• No nosso tempo manifesta-se, cada vez
mais, uma preocupação séria com a forma como usamos o mundo que Deus nos
ofereceu. O homem de hoje já descobriu que a criação não é para ser explorada,
violentada, usada de acordo com critérios de egoísmo e de exploração. Aquilo
que nos deve mover, no entanto, não é a simples preocupação com o esgotamento
dos recursos, ou com a destruição das condições de habitabilidade do nosso
planeta; mas o que nos deve mover é a idéia da fraternidade que deve unir o
homem e as outras coisas criadas por Deus. Só quando se instalar essa
consciência de fraternidade, podemos libertar toda a criação do egoísmo e da
exploração em que o homem a encerrou e fazer aparecer o “novo céu e a nova
terra”.
• Muitas vezes sentimo-nos confusos com
certas novidades que nos desconcertam e que parecem pôr em causa os velhos
esquemas sobre os quais o mundo se tem edificado. Criticamos os mais jovens
pela sua ousadia, pelos seus valores, pelas suas preocupações, pela sua visão
do mundo… Não sabemos para onde vamos e parece que nada faz sentido…
Sentimo-nos abalados e inseguros; lamentamo-nos porque tudo parece ir de mal a
pior e não sabemos “onde isto vai parar”. Não é possível que, em muitos casos,
a nossa rigidez esconda o comodismo, a instalação, o aburguesamento de quem tem
medo da novidade?
• Aconteça o que acontecer, somos
convidados a olhar para o futuro do mundo e da humanidade com os óculos da
esperança. Não caminhamos para o holocausto, para a destruição, para o nada,
mas para o “novo céu e a nova terra”, que já estão em gérmen presentes na nossa
história e que, cada dia, se manifestam um pouco mais.
• Atenção: esse “novo céu e nova terra”
não podem ser projetados para um futuro ideal, no céu… Eles estão já a
construir-se na terra, na nossa história, sempre que os seguidores de Jesus
aceitam o seu convite e se dispõem a viver “segundo o Espírito”.
Evangelho
– Mt. 13,1-23 - AMBIENTE
1Naquele dia, Jesus saiu de casa e foi sentar-se às margens do mar da Galileia.
2Uma
grande multidão reuniu-se em volta dele. Por isso, Jesus entrou numa
barca e sentou-se, enquanto a multidão ficava de pé, na praia.
3E disse-lhes muitas coisas em parábolas: “O semeador saiu para semear. 4Enquanto semeava, algumas sementes caíram à beira do caminho, e os pássaros vieram e as comeram.
5Outras
sementes caíram em terreno pedregoso, onde não havia muita terra. As
sementes logo brotaram, porque a terra não era profunda. 6Mas, quando o sol apareceu, as plantas ficaram queimadas e secaram, porque não tinham raiz.
7Outras sementes caíram no meio dos espinhos. Os espinhos cresceram e sufocaram as plantas.
8Outras sementes, porém, caíram em terra boa, e produziram à base de cem, de sessenta e de trinta frutos por semente. 9Quem tem ouvidos, ouça!”
10Os discípulos aproximaram-se e disseram a Jesus: “Por que falas ao povo em parábolas?”
11Jesus respondeu: “Porque a vós foi dado o conhecimento dos mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não é dado. 12Pois à pessoa que tem será dado ainda mais, e terá em abundância; mas à pessoa que não tem será tirado até o pouco que tem.
13É por isso que eu lhes falo em parábolas: porque olhando, eles não veem, e ouvindo, eles não escutam nem compreendem. 14Desse modo se cumpre neles a profecia de Isaías: ‘Havereis de ouvir, sem nada entender. Havereis de olhar, sem nada ver. 15Porque
o coração deste povo se tornou insensível. Eles ouviram com má vontade e
fecharam seus olhos, para não ver com os olhos, nem ouvir com os
ouvidos, nem compreender com o coração, de modo que se convertam e eu os
cure’.
16Felizes sois vós, porque vossos olhos veem e vossos ouvidos ouvem. 17Em
verdade vos digo, muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes, e
não viram, desejaram ouvir o que ouvis, e não ouviram.
18Ouvi, portanto, a parábola do semeador: 19Todo
aquele que ouve a palavra do Reino e não a compreende, vem o Maligno e
rouba o que foi semeado em seu coração. Este é o que foi semeado à beira
do caminho.
20A semente que caiu em terreno pedregoso é aquele que ouve a palavra e logo a recebe com alegria; 21mas
ele não tem raiz em si mesmo, é de momento; quando chega o sofrimento
ou a perseguição, por causa da palavra, ele desiste logo.
22A
semente que caiu no meio dos espinhos é aquele que ouve a palavra, mas
as preocupações do mundo e a ilusão da riqueza sufocam a palavra, e ele
não dá fruto.
23A semente que
caiu em terra boa é aquele que ouve a palavra e a compreende. Esse
produz fruto. Um dá cem, outro sessenta e outro trinta”.
Hoje e nos próximos dois domingos, o
Evangelho apresenta-nos parábolas de Jesus. A “parábola” é uma imagem ou
comparação, através da qual se ilustra uma determinada mensagem ou ensinamento.
A linguagem parabólica não foi
inventada por Jesus. É uma linguagem habitual na literatura dos povos do Médio
Oriente: o gênio oriental gosta mais de falar e de instruir através de imagens,
de comparações e de alegorias, do que através dos discursos lógicos, frios e
racionais, típicos da civilização ocidental.
A linguagem parabólica tem várias
vantagens em relação a um discurso mais lógico e impositivo. Em primeiro lugar,
porque a imagem ou comparação que caracteriza a linguagem parabólica é muito
mais rica em força de comunicação e em poder de evocação, do que a simples
exposição teórica: é mais profunda, mais carregada de sentido, mais evocadora
e, por isso, mexe mais com os ouvintes. Em segundo lugar, porque é uma
excelente arma de controvérsia: a linguagem figurada permite levar o
interlocutor a admitir certos pontos que, de outro modo, nunca mereceriam a sua
concordância. Em terceiro lugar, porque é um verdadeiro método pedagógico, que
ensina as pessoas a refletir, a medir os prós e os contras, a encontrar
soluções para os dilemas que a vida põe: espicaça a curiosidade, incita à
busca, convida a descobrir a verdade.
No capítulo 13 do seu Evangelho, Mateus
apresenta-nos sete parábolas, através das quais Jesus revela aos discípulos a
realidade do “Reino”: são as “parábolas do Reino”.
Dessas sete parábolas, três procedem da
tradição sinóptica (o semeador, o grão de mostarda, o fermento); as outras
quatro (o trigo e o joio, o tesouro escondido, a pérola preciosa, a rede) não
se encontram nem em Marcos, nem em Lucas. Provavelmente, são originárias da
antiga fonte dos “ditos” de Jesus, que Mateus usou abundantemente na composição
do seu Evangelho.
A preocupação do evangelista Mateus é
sempre a vida da sua comunidade. Nestas sete parábolas e na interpretação que
as acompanha, percebe-se a preocupação de um pastor que procura exortar,
animar, ensinar e fortalecer a fé desses crentes a quem o Evangelho se destina.
MENSAGEM
A parábola que hoje nos é proposta – a
do semeador e da semente – é uma das mais conhecidas e emblemáticas das
parábolas de Jesus. No entanto, o texto do Evangelho de hoje vai um pouco mais
além da parábola em si… Apresenta três partes: a parábola (vs. 1-9), um
conjunto de “ditos” sobre a função das parábolas (vs. 10-17) e a explicação da
parábola (vs. 18-23).
Na primeira parte temos, pois, a
parábola propriamente dita (vs. 1-9). O quadro apresentado supõe as técnicas
agrícolas usadas na Palestina de então: primeiro, o agricultor lançava a
semente à terra; depois, é que passava a arar o terreno. Assim compreende-se
porque é que uma parte da semente pôde cair “à beira do caminho”, outra em
“sítios pedregosos onde não havia muita terra” e outra “entre os espinhos”.
Evidentemente, as diferenças do terreno
significam, nesta “comparação”, as diferentes formas como é acolhida a semente.
No entanto, nem sequer é isso que é mais significativo: o que aqui é verdadeiramente
significativo é a quantidade espantosa de frutos que a semente lançada na “boa
terra” produz… Tendo em conta que, na época, uma colheita de sete por um era
considerada farta, os cem, sessenta e trinta por um deviam parecer aos ouvintes
de Jesus algo de surpreendente, de exagerado, de milagroso…
Mateus coloca esta parábola num
contexto em que a proposta de Jesus parece condenada ao malogro. As cidades do
lago (Corozaim, Betsaida, Cafarnaum) tinham rejeitado a sua pregação (cf. Mt.
11,20-24); os fariseus atacavam-no por Ele não respeitar o sábado e queriam
matá-l’O (cf. Mt 12,1-14); acusavam-n’O, além disso, de agir, não pelo poder de
Deus, mas pelo poder de Belzebu, príncipe dos demônios (cf. Mt. 12,22-29); não
acreditavam nas suas palavras e exigiam d’Ele “sinais” (cf. Mt. 12,38-45). O
“Reino” anunciado sofria grande contestação e parecia, pois, encaminhar-se para
um rotundo fracasso…
É muito possível que esta parábola
tenha sido apresentada por Jesus neste contexto de “crise”. Àqueles que manifestavam
desânimo e desconfiança em relação ao êxito do projeto do “Reino”, Jesus fala
de um resultado final grandioso. Com esta parábola, Jesus diz aos discípulos
desiludidos: “coragem! Não desanimeis, pois apesar do aparente fracasso, o
‘Reino’ é uma realidade imparável; e o resultado final será algo de
surpreendente, de maravilhoso, de inimaginável”.
Na segunda parte temos uma reflexão
sobre a função das parábolas (vs. 10-17). O ponto de partida é uma questão
posta pelos discípulos: porque é que Jesus fala em parábolas?
Mateus vê nas parábolas a ocasião para
que apareçam, com nitidez, o acolhimento e a recusa da mensagem proposta por
Jesus. Que quer isto dizer?
As parábolas apresentam a proposta do
“Reino” numa linguagem sugestiva, rica, clara, concreta, questionante,
interpeladora… Tornam tudo claro e evidente para os ouvintes; por isso, após
escutar a mensagem apresentada nas parábolas, só não aceita a mensagem quem
tiver o coração endurecido e não estiver mesmo interessado na proposta. As
parábolas são, portanto, o fator decisivo: propõem clara e inequivocamente a
realidade do “Reino”. Quem acolher essa mensagem, receberá mais e “terá em
abundância” (quer dizer, irá entrando, cada vez mais, na dinâmica do “Reino”);
mas quem não a acolher (apesar da clareza e da acessibilidade da mensagem),
está a rejeitar o “Reino” e a possibilidade de integrar a comunidade da
salvação. Nos que rejeitam a proposta de Jesus, cumpre-se a profecia de Isaías:
o profeta fala de um povo de coração endurecido, que quanto mais ouve a
pregação profética, mais se irrita, agravando cada vez mais a sua culpa (cf. Is
6,9-10).
Os discípulos são aqueles que escutam a
proposta do “Reino” e estão dispostos a acolhê-la. Eles compreendem, portanto,
as parábolas e aceitam a realidade que elas propõem. Eles são “felizes”, porque
abriram o coração às propostas de Jesus, escutaram as suas palavras, viram e
entenderam os seus gestos e sinais; são “felizes” porque (ao contrário daqueles
que endureceram o coração e fecharam os ouvidos à proposta de Jesus) já
integram o “Reino”.
Na terceira parte, temos a explicação
da parábola (vs. 18-23). Alguns indícios presentes no texto levam a pensar que
esta explicação não fazia parte da parábola original, mas é uma adaptação
posterior, que aplica a parábola à vida dos cristãos.
A explicação desloca, de forma
evidente, o “centro de interesse”. Nessa explicação, a parábola deixa de ser
uma apresentação da forma grandiosa como o “Reino” se vai manifestar, para
passar a ser uma reflexão sobre as diversas atitudes com que a comunidade
acolhe a Palavra de Jesus (na verdade, é essa a grande preocupação das
comunidades cristãs).
Na perspectiva dos catequistas que
prepararam esta aplicação da parábola, o acolhimento do Evangelho não depende,
nem da semente, nem de quem semeia; mas depende da qualidade da terra.
Diante da Palavra de Jesus, há várias
atitudes… Há aqueles que têm um coração duro como o chão de terra batida dos
caminhos: a Palavra de Jesus não poderá penetrar nessa terra e dar fruto. Há
aqueles que têm um coração inconstante, capaz de se entusiasmar
instantaneamente, mas também de desanimar perante as primeiras dificuldades: a
Palavra de Jesus não pode aí criar raízes. Há aqueles que têm um coração
materialista, que dá sempre prioridade à riqueza e aos bens deste mundo: a
Palavra de Jesus é aí facilmente sufocada por esses outros interesses
dominantes. Há também aqueles que têm um coração disponível e bom, aberto aos
desafios de Deus: a Palavra de Jesus é aí acolhida e dá muito fruto. Os
verdadeiros discípulos (a “boa terra”) identificam-se com aqueles que escutam
as parábolas, as entendem e acolhem a proposta do “Reino”.
Temos aqui, portanto, uma exortação aos
cristãos no sentido de acolherem a Palavra de Jesus, sem deixarem que as
dificuldades, os acidentes da vida, os outros valores a afoguem e a tornem uma
semente estéril, sem vida.
ATUALIZAÇÃO
• No seu “estado atual”, a parábola do
semeador e da semente é, sobretudo, um convite a refletir sobre a importância e
o significado da Palavra de Jesus. É verdade que, nas nossas comunidades
cristãs, a Palavra de Jesus é a referência fundamental, à volta do qual se
constrói a vida da comunidade e dos crentes? Temos consciência de que é a
Palavra anunciada, proclamada, meditada, partilhada, celebrada, que cria a
comunidade e que a alimenta no dia a dia?
• A semente que caiu em terrenos duros,
de terra batida, faz-nos pensar em corações insensíveis, egoístas, orgulhosos,
onde não há lugar para a Palavra de Jesus e para os valores do “Reino”. É a
realidade de tantos homens e mulheres que vêem no Evangelho um caminho para
fracos e vencidos, e que preferem um caminho de independência e de
auto-suficiência, à margem de Deus e das suas propostas. Este caminho de
orgulho e de auto-suficiência alguma vez foi “o meu caminho”?
• A semente que caiu em sítios
pedregosos, que brota nessa pequena camada de terra que aí há, mas que morre
rapidamente por falta de raízes profundas, faz-nos pensar em corações
inconstantes, capazes de se entusiasmarem com o “Reino”, mas incapazes de
suportarem as contrariedades, as dificuldades, as perseguições. É a realidade
de tantos homens e mulheres que vêem em Jesus uma verdadeira proposta de
salvação e que a ela aderem, mas que rapidamente perdem a coragem e entram num
jogo de cedências e de meias tintas quando são confrontados com a radicalidade
do Evangelho. A Palavra de Deus é, para mim, uma realidade que eu levo a sério,
ou algo que eu deixo cair quando me dá jeito?
• A semente que caiu entre os espinhos
e que foi sufocada por eles, faz-nos pensar em corações materialistas,
comodistas, instalados, para quem a proposta do “Reino” não é a prioridade
fundamental. É a realidade de tantos homens e mulheres que, sem rejeitarem a
proposta de Jesus (muitas vezes são “muito religiosos” e têm “a sua fé”) fazem do
dinheiro, do poder, da fama, do êxito profissional ou social o verdadeiro Deus
a que tudo sacrificam. As propostas de Jesus são a referência fundamental à
volta da qual a minha vida se constrói, ou deixo que outros interesses e
valores sufoquem os valores do Evangelho?
• A semente que caiu em boa terra e que
deu fruto abundante faz-nos pensar em corações sensíveis e bons, capazes de
aderirem às propostas de Jesus e de embarcarem na aventura do “Reino”. É a
realidade de tantos homens e mulheres que encontraram na proposta de Jesus um
caminho de libertação e de vida plena e que, como Jesus, aceitam fazer da sua
vida uma entrega a Deus e um dom aos homens. Este é o quadro ideal do
verdadeiro discípulo; e é esta a proposta que o Evangelho de hoje me faz.
• A parábola, na sua forma original
(vs. 1-9) refere-se à inevitável erupção do “Reino”, à sua força e aos
resultados maravilhosos que o “Reino” alcançará… Com frequência, olhamos o
mundo que nos rodeia e ficamos desanimados com o materialismo, a futilidade, os
falsos valores que marcam a vida de muitos homens e mulheres do nosso tempo.
Perguntamo-nos se vale a pena anunciar a proposta libertadora de Jesus num
mundo que vive obcecado com as riquezas, com os prazeres, com os valores
materiais… O Evangelho de hoje responde: “coragem! Não desanimeis pois, apesar
do aparente fracasso, o ‘Reino’ é uma realidade imparável; e o resultado final
será algo de surpreendente, de maravilhoso, de inimaginável”.
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