Ó
Senhor, vós sois bom, sois clemente e fiel
A história de Israel foi guiada pela
sabedoria de Deus. O Senhor agiu com justiça e misericórdia ao punir os
inimigos de seu povo. E para que ninguém acuse a Deus de ser um juiz injusto ou
de ter eliminado criaturas por ele criadas, o escritor sagrado compõe uma
espécie de hino à onipotência justa e misericordiosa de Deus. O poder do Senhor
jamais é causa de injustiça. O agir poderoso de Deus tem finalidade pedagógica.
Ele espera pacientemente que o pecador se arrependa do seu pecado (primeira
leitura). O apóstolo Paulo nos apresenta o terceiro gemido: o do Espírito. A
eficácia da oração cristã se fundamenta na ação do Espírito. É no Espírito que
oramos como filhos de Deus.
A atuação do Espírito em nosso interior
gera a harmonia e orienta a vontade de Deus (2ª leitura). Para animar as
comunidades o texto do Evangelho de hoje propõe (Mt. 13,24-43) as parábolas: do
trigo e do joio, do grão de mostarda e do fermento na massa. “O Reino do céu é
como um homem que semeou boa semente.” Crescem o trigo e o joio. Como eles são
parecidos, só na hora da colheita é possível fazer a separação. Na comunidade
convivem o trigo e o joio. Há que se tolerar a convivência do bom e do mau. Na
construção do Reino é preciso ter paciência e esperar a hora certa para o
discernimento adequado. “O Reino do céu é como uma semente de mostarda”; “O
Reino do céu é como o fermento...”. Ressalta o contraste entre início pequeno e
insignificante e o final excepcionalmente grande. As parábolas são uma crítica
ao triunfalismo messiânico e àqueles que esperam uma manifestação espetacular
de Jesus. Deus age, pacientemente, a partir dos pequenos e dos insignificantes.
O Reino de Deus se expande e chegará à sua plenitude, apesar das confusões,
das incertezas e dos obstáculos
(Evangelho). Hoje, como no domingo anterior, o Evangelho, recolhendo três
fragmentos do capítulo 13 de Mateus, continua expondo o mistério do Reino do
céu, não a partir da Lei, mas da perspectiva do novo povo - as comunidades das
primeiras gerações de cristãos. Como nós, hoje, os discípulos de Jesus queriam
ter as coisas claras. Para eles, provavelmente, o Reino anunciado por Jesus, na
prática, não era claro nem sua realização era transparente. Esperavam que o
Mestre definisse os limites e esclarecesse as opiniões. Todavia, Jesus não só
não faz o que eles esperam, como também diz que Deus não o faz nem o quer
fazer. Afirma que o Reino do Céu é um campo em que tudo está misturado. A
separação só será possível no
momento da colheita, e não antes. Não
nos cabe, em nome de Deus, afirmar que somos bons e os outros maus; que somos
do Reino e os outros, do maligno. A paciência de Deus espera até que a
plantação esteja madura para fazer a separação do trigo e do joio no juízo
final (a ceifa é imagem do juízo final). Ali aparecerá a verdade da comunidade:
quem é justo e quem é pecador. No tempo do crescimento e do amadurecimento, justos
e pecadores convivem, mas no final a sorte será diferente.
Quantas vezes, em determinadas
situações da comunidade ou da sociedade, nós queremos fazer justiça com as
próprias mãos: “Queres que arranquemos o joio?”. À paciência de Deus devem
corresponder a tolerância e a não-violência entre os humanos. Compreender o
dinamismo incontido do Reino de Deus é dom do Espírito, que intercede por nós
com gemidos que as palavras não explicam. Por sua inspiração, crescemos na fé e
na esperança de que um dia o Reino chegará à plenitude. Todo batizado é chamado
a ser missionário do Reino. Como agimos diante das dificuldades na missão em
nossa comunidade?
A liturgia do 16º domingo do tempo
comum convida-nos a descobrir o Deus paciente e cheio de misericórdia, a quem não
interessa a marginalização do pecador, mas a sua integração na comunidade do
“Reino”; e convida-nos, sobretudo, a interiorizar essa “lógica” de Deus,
deixando que ela marque o olhar que lançamos sobre o mundo e sobre os homens.
A primeira leitura fala-nos de um Deus
que, apesar da sua força e onipotência, é indulgente e misericordioso para com
os homens – mesmo quando eles praticam o mal. Agindo dessa forma, Deus convida
os seus filhos a serem “humanos”, isto é, a terem um coração tão misericordioso
e tão indulgente como o coração de Deus.
O Evangelho garante a presença
irreversível no mundo do “Reino de Deus”. Esse “Reino” não é um clube exclusivo
de “bons” e de “santos”: nele todos os homens – bons e maus – encontram a
possibilidade de crescer, de amadurecer as suas escolhas, de serem tocados pela
graça, até ao momento final da opção definitiva.
A segunda leitura sublinha, doutra
forma, a bondade e a misericórdia de Deus. Afirma que o Espírito Santo – dom de
Deus – vem em auxílio da nossa fragilidade, guiando-nos no caminho para a vida
plena.
1ª
Leitura – Sb. 12,13.16-19 – AMBIENTE
O “Livro da Sabedoria” é o mais recente
de todos os livros do Antigo Testamento (aparece durante a primeira metade do
séc. I a.C.). O seu autor – um judeu de língua grega, provavelmente nascido e
educado na Diáspora (Alexandria?) – exprimindo-se em termos e concepções do
mundo helênico, faz o elogio da “sabedoria” israelita, traça o quadro da sorte
que espera o justo e o ímpio no mais-além e descreve (com exemplos tirados da história
do Êxodo) as sortes diversas que tiveram os pagãos (idólatras) e os hebreus
(fiéis a Jahwéh). O seu objetivo é duplo: dirigindo-se aos seus compatriotas
judeus (mergulhados no paganismo, na idolatria, na imoralidade), convida-os a
redescobrirem a fé dos pais e os valores judaicos; dirigindo-se aos pagãos,
convida-os a constatar o absurdo da idolatria e a aderir a Jahwéh, o verdadeiro
e único Deus… Para uns e para outros, só Jahwéh garante a verdadeira
“sabedoria” e a verdadeira felicidade.
O texto que nos é proposto pertence à
terceira parte do livro (cf. Sb. 10,1-19,22). Nessa parte, recorrendo,
sobretudo, à técnica do midrash, o autor faz a comparação entre os castigos que
Deus lançou contra os “ímpios” (os pagãos) e a salvação reservada aos “justos”
(o Povo de Deus).
O autor começa por mostrar como a
“sabedoria” de Deus se manifestou na história de Israel (cf. Sb. 10,1-11,14).
Em contraste, vai descrever como é que Deus tratou os egípcios (cf. Sb.
11,15-20) e os idólatras cananeus (cf. Sb. 12,3-19). O texto que nos é proposto
faz parte desta última perícope.
Os cananeus eram, na perspectiva dos
israelitas, uma raça maldita e perversa, que cometiam crimes especialmente
hediondos: “praticavam obras detestáveis, ritos ímpios, e eram cruéis
assassinos dos seus filhos” (Sab 12,4-5). Deus podia tê-los eliminado
rapidamente (cf. Sb. 12,9); no entanto, retardou o mais possível o castigo (cf.
Sb.1 12,8), dando-lhes várias oportunidades de se arrependerem e de mudarem de
vida (cf. Sb. 12,10).
MENSAGEM
Nessas circunstâncias, Jahwéh deu
provas de extrema moderação e manifestou a sua bondade, a sua misericórdia, a
sua justiça. Deus não tinha que provar nada a ninguém, pois ninguém lhe podia
pedir contas; se agiu dessa forma equilibrada e moderada, é porque é um Deus
justo. A “justiça” não é, no Antigo Testamento, a estrita aplicação da lei; mas
é, sobretudo, a fidelidade à própria essência. Ora, a essência de Deus é amor,
bondade e misericórdia; por isso, ser justo equivale, para Deus, a revelar
amor, benevolência e bondade na sua atitude para com os homens.
O que é mais significativo aqui é que a
“justiça de Deus” não se exerce sobre o Povo de Deus, mas sobre um povo “de má
estirpe” e de “maldade congênita” (Sb. 12,10): é a universalidade da salvação
que assim é sugerida.
Por outro lado, o autor vê neste
comportamento “justo” de Deus uma lição para Israel. Que é que, desta forma,
Deus ensina ao seu Povo?
Ensina, em primeiro lugar, que Deus não
quer a morte do pecador, mas sim que ele se converta e viva; por isso, “fecha
os olhos” diante do pecado do homem, a fim de o convidar ao arrependimento.
Ensina, em segundo lugar, que “o justo
deve ser amigo dos homens” (Sb. 12,19): se a lógica de Deus é uma lógica de
perdão e de misericórdia, o Povo de Deus deve adotar a mesma lógica e assumir
atitudes de bondade, de amor, de misericórdia, de tolerância, nas suas relações
comunitárias. Mais: a bondade e a compreensão não devem ser reservadas para
aqueles que são bons, mas também para aqueles que fazem insistentemente o mal.
ATUALIZAÇÃO
• O nosso texto apresenta-nos um Deus
tolerante e justo, em quem a bondade e a misericórdia se sobrepõem à vontade de
castigar. Ele não quer a destruição do pecador, mas a sua conversão; Ele ama
todos os homens que criou, mesmo aqueles que praticam ações erradas. Ora, todos
nós conhecemos bem este quadro de Deus, pois ele aparece-nos a par e passo na
Palavra revelada… Mas já o interiorizamos suficientemente?
• Interiorizar esta “fotografia” de
Deus significa “empapar-nos” da lógica do amor e da misericórdia e deixar que
ela transpareça em gestos para com os nossos irmãos. Isso acontece realmente?
Qual a nossa atitude para com aqueles que nos fizeram mal, ou cujos
comportamentos nos desafiam e incomodam? Faz sentido catalogar os homens em
bons e maus e defendermos uma justiça implacável para com aqueles que praticam
ações erradas?
• Muitas vezes, percebemos certos males
que nos incomodam como “castigos” de Deus pelo nosso mau proceder. No entanto,
este texto deixa claro que Deus não está interessado em castigar os pecadores…
Quando muito, procura fazer-nos perceber, com a pedagogia de um pai cheio de
amor, o sem sentido de certas opções e o mal que nos fazem certos caminhos que
escolhemos.
2ª
Leitura – Rm. 8,26-27 – AMBIENTE
Há já alguns domingos que Paulo nos vem
propondo uma catequese sobre o caminho a seguir para poder acolher a salvação
que Deus oferece. A salvação é um dom de Deus, dom gratuito que é fruto da
bondade e do amor de Deus (cf. Rm. 3,21-5,11). Essa salvação chega-nos através
de Jesus Cristo (cf. Rm. 5,12-8,39); e atua em nós pelo Espírito que Jesus
derrama sobre aqueles que aderem ao seu projeto e entram na sua comunidade (cf.
Rom 8,1-39) – a comunidade do Reino.
No passado domingo, Paulo convidava os
crentes a decidirem-se pela vida “segundo o Espírito”. Dizia-nos que essa opção
terá uma dimensão cósmica e que ajudará a vencer os desequilíbrios e
desarmonias que destroem a criação de Deus. Trata-se, no entanto, segundo
Paulo, de um caminho difícil, que exige padecimentos, renúncias, purificações,
renovação da vida.
Como é que o cristão pode fazer essa
opção? Como é que ele percebe, claramente, qual é o caminho? Donde recebe ele a
força para viver “segundo o Espírito”?
MENSAGEM
É Deus que nos dá a força de viver
“segundo o Espírito”. No entanto, devemos continuamente pedir a Deus, nosso
Pai, essa graça.
Na verdade, nem sempre sabemos o que
devemos pedir, pois nem sempre conseguimos discernir entre a vida “segundo a
carne” e a vida “segundo o Espírito”. No entanto, o próprio Espírito Santo “vem
em auxílio da nossa fraqueza” (v. 26a). O que é que Ele faz? Como é que Paulo
entende a intervenção do Espírito a este propósito?
O texto não é explícito. Segundo uma
interpretação, nós temos dificuldade em articular devidamente os nossos desejos
e necessidades e é o Espírito que se encarrega de formulá-los em nosso lugar.
Segundo outra interpretação, o Espírito junta a sua intercessão “inefável” aos
nossos gemidos, fazendo com que a nossa oração chegue até Deus.
Num e noutro caso, o Espírito faz de mediador
eficaz no nosso diálogo com Deus. Ele é nosso “intérprete” e intercessor,
elevando-nos ao Deus que conhece o coração. E esta oração (que o Espírito
dirige em nosso lugar, ou que o Espírito “apóia”) é sempre acolhida por Deus,
pois está em conformidade com os planos e os projetos de Deus (v. 27).
ATUALIZAÇÃO
• Antes de mais, há neste texto um
convite implícito a tomarmos consciência do amor que Deus nos dedica e da sua
preocupação com a nossa salvação, com a nossa realização plena. Não somos minúsculos
grãos de areia abandonados ao sabor das tempestades cósmicas num universo sem
fim; somos filhos amados de Deus, a quem Ele não desiste de indicar, todos os
dias, os caminhos da felicidade e da vida definitiva. Nos momentos de crise, de
derrota, de falência, é preciso conservar os olhos postos nesta certeza: Deus
ama-nos; por isso, oferece-nos, de forma gratuita e incondicional, a salvação.
• O Espírito de Deus, vivo e atuante na
história do mundo e na vida de cada homem ou mulher é a “prova provada” do amor
de Deus por nós. O Espírito oferece-nos cada dia a vida de Deus, leva-nos ao
encontro de Deus, faz com que a nossa voz chegue ao coração de Deus. É preciso,
no entanto, disponibilidade para o acolher e atenção aos sinais através dos
quais Ele nos conduz ao encontro de Deus. Acolher o Espírito é sair do egoísmo,
do orgulho, da auto-suficiência e procurar descobrir, com humildade e
simplicidade, os caminhos de Deus, os desafios de Deus.
• O ritmo da vida moderna é
estonteante… As exigências profissionais, os problemas familiares, o inferno do
trânsito, a necessidade de ganhar a vida atiram-nos de corrida em corrida,
sempre ocupados, sempre cansados, sempre carregados de stress, prisioneiros de
uma máquina que nos desumaniza e que não nos deixa centrar a nossa atenção no
essencial, reequacionar os nossos valores e prioridades. É preciso, no entanto,
encontrar tempo e espaço para refletir, para redefinir o sentido da nossa
existência, para perceber se estamos a conduzir a nossa vida “segundo a carne” ou
“segundo o Espírito”.
• O verdadeiro crente é o que vive em
comunhão com Deus. Não prescinde desses momentos de diálogo, de partilha, de
escuta, de louvor a que chamamos oração. É nesse diálogo intenso, verdadeiro,
diário que o crente, através do Espírito, intui a lógica de Deus, a sua
verdade, o projeto que Ele tem para cada homem e para o mundo. Esforço-me por
encontrar espaço para o diálogo com Deus e para fortalecer a minha intimidade
com Ele?
Evangelho
– Mt 13,24-43 – AMBIENTE
Naquele tempo, 24Jesus contou outra parábola à multidão: “O Reino dos Céus é como um homem que semeou boa semente no seu campo. 25Enquanto todos dormiam, veio seu inimigo, semeou joio no meio do trigo, e foi embora. 26Quando o trigo cresceu e as espigas começaram a se formar, apareceu também o joio. 27Os empregados foram procurar o dono e lhe disseram: ‘Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde veio então o joio?’
28O dono respondeu: ‘Foi algum inimigo que fez isso’. Os empregados lhe perguntaram: ‘Queres que vamos arrancar o joio?’
29O dono respondeu: ‘Não! Pode acontecer que, arrancando o joio, arranqueis também o trigo. 30Deixai
crescer um e outro até a colheita! E, no tempo da colheita, direi aos
que cortam o trigo: arrancai primeiro o joio e amarrai-o em feixes para
ser queimado! Recolhei, porém, o trigo no meu celeiro!’”
31Jesus contou-lhes outra parábola: “O Reino dos Céus é como uma semente de mostarda que um homem pega e semeia no seu campo. 32Embora
ela seja a menor de todas as sementes, quando cresce, fica maior do que
as outras plantas. E torna-se uma árvore, de modo que os pássaros vêm e
fazem ninhos em seus ramos”.
33Jesus
contou-lhes ainda uma outra parábola: “O Reino dos Céus é como o
fermento que uma mulher pega e mistura com três porções de farinha, até
que tudo fique fermentado”.
34Tudo isso Jesus falava em parábolas às multidões. Nada lhes falava sem usar parábolas, 35para
se cumprir o que foi dito pelo profeta: “Abrirei a boca para falar em
parábolas; vou proclamar coisas escondidas desde a criação do mundo”.
36Então
Jesus deixou as multidões e foi para casa. Seus discípulos
aproximaram-se dele e disseram: “Explica-nos a parábola do joio!”
37Jesus respondeu: “Aquele que semeia a boa semente é o Filho do Homem. 38O campo é o mundo. A boa semente são os que pertencem ao Reino. O joio são os que pertencem ao Maligno. 39O inimigo que semeou o joio é o diabo. A colheita é o fim dos tempos. Os ceifeiros são os anjos. 40Como o joio é recolhido e queimado ao fogo, assim também acontecerá no fim dos tempos: 41o Filho do Homem enviará seus anjos, e eles retirarão do seu Reino todos os que fazem outros pecar e os que praticam o mal; 42e depois os lançarão na fornalha de fogo. Aí haverá choro e ranger de dentes.
43Então os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai. Quem tem ouvidos, ouça”.
Continuamos em contacto com as
“parábolas do Reino”. O Evangelho deste domingo apresenta-nos mais um bloco de
três imagens ou comparações (“parábolas”) que pretendem revelar aos discípulos
e às multidões que rodeiam Jesus, a realidade do “Reino”.
Já vimos, no passado domingo, porque é
que Jesus pregava por “parábolas”: porque a linguagem parabólica é uma
linguagem rica, expressiva, questionante; porque a “parábola” é uma excelente
arma de controvérsia, muito útil em contextos polêmicos; porque a “parábola”
faz as pessoas pensar e incita-as à procura da verdade. Por tudo isto, as
“parábolas” são uma linguagem privilegiada para apresentar o Reino, para
incitar as pessoas a descobrir o Reino e para as levar a aderir ao Reino.
Das três parábolas que nos são hoje
propostas, duas (o grão de mostarda e o fermento) procedem da tradição
sinóptica; a outra (a parábola do trigo e do joio) só aparece em Mateus (além
de aparecer também numa antiga coleção de “ditos” de Jesus, conhecida como
“Evangelho de Tomé”).
Também desta vez percebe-se – tanto nas
parábolas, como nas explicações que as acompanham – a preocupação “pastoral” de
Mateus: ele não é um jornalista a transcrever o que Jesus disse; mas é um
“pastor” que procura exortar, animar, ensinar e fortalecer a fé dessa
comunidade cristã a que o Evangelho se dirige.
MENSAGEM
A primeira parábola que nos é proposta
é a parábola do trigo e do joio (vs. 24-30). Trata-se de um quadro da vida
quotidiana: há um “senhor” que semeia boa semente no seu campo, um “inimigo”
que semeia o joio (nome de uma erva gramínea que nasce entre o trigo e o
danifica) e “servos” dedicados, preocupados com o futuro da colheita. Tudo
parece normal; o anormal é a reação do “senhor” à “crise”: dá ordens para que
deixem crescer trigo e joio lado a lado e que só na altura da ceifa seja feita
a seleção do bom e do mal, do que é para queimar e do que é para guardar nos
celeiros.
A parábola deve ser entendida no
contexto do ministério de Jesus. Ele conviveu com os pecadores, com os
marginais, com os que levavam vidas moralmente condenáveis. Sentou-se à mesa
com gente desclassificada, deixou-se tocar por pecadoras públicas, convidou um
publicano a integrar o seu grupo de discípulos… Com esse comportamento
“escandaloso”, Ele quis dizer a todos esses que a religião oficial excluía, que
Deus os amava e que os convidava a fazer parte da sua família, a integrar a
comunidade da salvação, a serem membros de pleno direito da comunidade do
“Reino”.
Os fariseus consideravam inaceitável a
atitude de Jesus. Para eles, quem não cumpria a Lei tinha de ser excluído do
Povo santo de Deus e não tinha o direito de fazer parte do “campo” de Deus. A
“lógica” dos fariseus condiz com a “lógica” de Deus?
Nesta parábola, Jesus pretende dar-nos
uma lição sobre a “lógica” de Deus. Sugere que a “lógica” de Deus não é uma
“lógica” de destruição, de segregação, de exclusão, mas é uma “lógica” de amor,
de misericórdia, de tolerância. O Deus de Jesus Cristo é um Deus paciente e
misericordioso, lento para a ira e rico de misericórdia, que dá sempre ao homem
todas as oportunidades para refazer a existência e para integrar plenamente a
comunidade do “Reino”. Ele tem um plano de salvação e de graça que oferece
gratuitamente a todos os homens, bons e maus; depois, no tempo oportuno,
ver-se-á quem são os maus e quem são os bons. De resto, não é muito fácil
separar o bom e o mau, porque as duas realidades coexistem em todos os
“campos”, em todos os corações.
O “senhor” da parábola é esse Deus
paciente, que dá ao homem todas as oportunidades, que não quer a morte do
pecador, mas que ele se converta e viva.
Os “servos” com excesso de zelo são os
crentes (que trabalham no campo do “senhor”) rígidos e intolerantes, incapazes
de olhar o mundo e o coração dos homens com a bondade, a serenidade e a
paciência de Deus.
O “campo” é o mundo e a história, onde
coexistem o trigo (os sinais de esperança, de vida, de amor que tornam este
mundo mais belo e mais feliz) e o joio (os sinais de morte, responsáveis pelo
sofrimento, pela opressão, pela escravidão). É também o coração de cada homem e
de cada mulher, capaz de opções de vida e capazes de opções de morte.
Jesus garante: os métodos de Deus não
passam pelo castigo imediato, pela intolerância face às opções dos homens, pela
incompreensão dos erros dos seus filhos; os métodos de Deus passam por deixar
os homens crescer em liberdade, integrando a comunidade dos filhos de Deus.
Nos vers. 36-43, temos a aplicação que
Mateus faz da parábola do trigo e do joio à vida da sua comunidade.
Nesta “explicação”, o eixo central da
parábola original passa a ser outro. A problema já não é se na “lógica” de Deus
o trigo e o joio podem crescer juntos, mas é a questão do “juízo” que espera
bons e maus: Mateus insiste que, no “dia da colheita” (imagem que, nos
profetas, se identifica com o dia do “juízo de Deus” sobre os homens e o
mundo), os bons receberão a recompensa e os maus receberão o castigo.
Estamos nos finais do séc. I (década de
80). Já passou o entusiasmo dos primeiros anos; a vida das comunidades cristãs
é marcada pela monotonia, pela falta de entusiasmo e empenho, pela
mediocridade, pelo laxismo. Os cristãos aburguesaram-se e nem sempre vivem de
forma empenhada e comprometida a sua fé. Como despertar de novo nos crentes o
entusiasmo inicial?
Mateus vai usar os métodos dos
pregadores do seu tempo… Recorrendo à linguagem e aos símbolos da apocalíptica,
Mateus lembra aos cristãos da sua comunidade o juízo futuro de Deus. Os
símbolos utilizados (o joio queimado no fogo, a fornalha ardente, o choro e o
ranger de dentes) destinam-se a impressionar os crentes, a obrigá-los a
inflectir os seus esquemas de vida e a voltar à fidelidade ao Evangelho.
Portanto, não temos aqui uma descrição de como será o “fim do mundo”; o que
temos aqui é um convite urgente e emocionado à conversão, ao aprofundamento do
compromisso com Jesus e com o Evangelho.
O Evangelho deste domingo propõe-nos
ainda duas outras parábolas: a parábola do grão de mostarda (vs. 31-32) e a
parábola do fermento (v. 33). São duas parábolas muito semelhantes, quer quanto
ao conteúdo, quer quanto à forma.
Numa e noutra, o quadro é o mesmo:
sublinha-se a desproporção entre o início e o resultado final. O grão de
mostarda é uma semente muito pequena, que no entanto pode dar origem a um
arbusto de razoáveis dimensões; o fermento apresenta um aspecto perfeitamente
insignificante, mas tem a capacidade de fermentar uma grande quantidade de
massa. Estas duas comparações servem para apresentar o dinamismo do “Reino”. O
“Reino” anunciado por Jesus compara-se ao grão de mostarda e ao fermento:
parece algo insignificante, que tem inícios muito modestos e humildes, mas
contém potencialidades para encher o mundo, para o transformar e renovar.
Trata-se de um dinamismo de vida nova que começa como uma pequena semente
lançada à terra numa província obscura e insignificante do império romano, mas
que vai lançar as suas raízes, invadir história dos homens e potenciar o
aparecimento de um mundo novo.
Com estas parábolas, Jesus responde às
objeções daqueles que não acreditavam que da mensagem de um carpinteiro de
Nazaré, pudesse surgir uma proposta de vida, capaz de fermentar o mundo e a
história. Ele garante-nos que o “Reino” é uma realidade irreversível, que veio
para ficar e para transformar o mundo. Escutar estas parábolas é receber uma
injeção de ânimo e de esperança, capaz de levar a um compromisso mais sério e
mais exigente com o “Reino”.
ATUALIZAÇÃO
• O Evangelho deste domingo
garante-nos, antes de mais, que o “Reino” é uma realidade irreversível, que
está em processo de crescimento no mundo. É verdade que é difícil perceber essa
semente a crescer ou esse fermento a levedar a massa, quando vemos
multiplicarem-se as violências, as injustiças, as prepotências, as escravidões…
É difícil acreditar que o “Reino” está em processo de construção, quando o
materialismo, a futilidade, o comodismo, a procura da facilidade, o efêmero
sobressaem, de forma tão marcada, na vida de grande parte dos homens e das
mulheres do nosso tempo… A Palavra de Deus convida-nos, contudo, a não perder a
confiança e a esperança. Apesar das aparências, o dinamismo do “Reino” está
presente, minando positivamente a história e a vida dos homens.
• Na verdade, falar do “Reino” não
significa falarmos de um “condomínio fechado”, ao qual só tem acesso um grupo
privilegiado constituído pelos “bons”, pelos “puros”, pelos perfeitos”, e de
onde está ausente o mal, o egoísmo e o pecado… Falar do “Reino” é falar de uma
realidade em processo de construção, onde cada homem e cada mulher têm o
direito de crescer ao seu ritmo, de fazer as suas escolhas, de acolher ou não o
dom de Deus, até à opção final e definitiva. É falarmos de uma realidade onde o
amor de Deus, vivo e atuante, vai introduzindo no coração do homem um dinamismo
de conversão, de transformação, de renascimento, de vida nova.
• Neste Evangelho temos também uma
lição muito sugestiva sobre a atitude de Deus face ao mal e aos que fazem o
mal. Na parábola do trigo e do joio, Jesus garante-nos que os esquemas de Deus
não prevêem a destruição do pecador, a segregação dos maus, a exclusão dos
culpados. O Deus de Jesus Cristo é um Deus de amor e de misericórdia, sem
pressa para castigar, que dá ao homem “todo o tempo do mundo” para crescer,
para descobrir o dom de Deus e para fazer as suas escolhas. Não percamos nunca
de vista a “paciência” de Deus para com os pecadores: talvez evitemos ter de
carregar sentimentos de culpa que oprimem e amarguram a nossa breve caminhada
nesta terra.
• A “paciência de Deus” com o joio
convida-nos também a rejeitarmos as atitudes de rigidez, de intolerância, de
incompreensão, de vingança, nas nossas relações com os nossos irmãos. O
“senhor” da parábola não aceita a intolerância, a impaciência, o radicalismo
dos “servos” que pretendem “cortar o mal pela raiz” e arrancar o mal (correndo
o risco de serem injustos, de se enganarem e de meterem mal e bem no mesmo
saco). Às vezes, somos demasiados ligeiros em julgar e condenar, como se as
coisas fossem claras e tudo fosse, sem discussão, claro ou escuro… A Palavra de
Deus convida-nos a moderar a nossa dureza, a nossa intolerância, a nossa intransigência
e a contemplar os irmãos (com as suas falhas, defeitos, diferenças,
comportamentos religiosa ou socialmente incorretos) com os olhos benevolentes,
compreensivos e pacientes de Deus.
• Convém termos sempre presente o
seguinte: não há o mal quimicamente puro de um lado e o bem quimicamente puro
do outro… Mal e bem misturam-se no mundo, na vida e no coração de cada um de
nós. Dividir as nações em boas (as que têm uma política que serve os nossos
interesses) e más (as que têm uma política que lesa os nossos interesses), os
grupos sociais em bons (os que defendem valores com os quais concordamos) e
maus (os que defendem valores que não são os nossos), os indivíduos em bons (os
amigos, aqueles que nos apóiam e que estão sempre de acordo conosco) e maus
(aqueles que nos fazem frente, que nos dizem verdades que são difíceis de
escutar, que não concordam conosco)… é uma atitude simplista, que nos leva
frequentemente a assumir atitudes injustas, que geram exclusão, marginalização,
sofrimento e morte. Mais uma vez: saibamos olhar para o mundo, para os grupos,
para as pessoas sem preconceitos, com a mesma bondade, compreensão e tolerância
que Deus manifesta face a cada homem e a cada mulher, independentemente das
suas escolhas e do seu ritmo de caminhada.
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