terça-feira, 10 de abril de 2018

Encontro com o Ressuscitado: "tocar" nos crucificados da história

“Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado...” (Jo 20,27)


Uma grande ameaça sempre se fez presente na caminhada histórica da Igreja, qual seja, o risco de viver o seguimento de Jesus sem as suas chagas. 

Crer no Ressuscitado “asséptico”, sem as chagas em suas mãos, em seu lado e em seus pés, é desumaniza-lo. 

Crer de alguma forma em Jesus, mas um Jesus da glória, um Jesus “espiritual”, separado da vida e da entrega até à morte, é esvaziar o verdadeiro sentido da redenção. Crer no Ressuscitado sem as chagas é esquecer-se das feridas dos pobres, da morte dos oprimidos; é não tocar as chagas da humanidade sofrida, quebrada... Crer no Ressuscitado com as chagas nos compromete em fazer descer da Cruz todos os crucificados da história.

Neste sentido, o evangelho deste 2º domingo da Páscoa, nos apresenta uma profunda experiência pascal da Igreja a partir da “conversão de Tomé”, que é a imagem daquele que aceita a ressurreição de Jesus, mas a entende como uma experiência intimista, sem compromisso de comunhão e sem solidariedade com os mais excluídos e sofredores.

Tomé é aquele que vive isolado, anda solto por aí, sem vínculo comunitário. Enquanto os outros se fecham, ele vive sem comunidade, sem compromisso social, dedicado à sua mística particular. Morreu Jesus, mas não lhe importa as chagas d’Ele, nem o sofrimento dos outros; vive de uma espiritualidade “desencarnada”, com uma fé puramente intimista, sem a visibilidade de um corpo morto, sem a necessidade de precisar tocar as chagas d’Aquele que morreu pelos outros, as chagas de todos os mortos.  

Custava-lhe tocar as pegadas e feridas de Jesus crucificado; para ele, é como se Jesus não tivesse sofrido e não trouxesse em suas chagas as chagas da humanidade. Possivelmente, Tomé tivesse uma fé de tipo “new age”, de puras melodias interiores, que não se visibiliza no serviço e no cuidado aos outros.

Jesus respondeu à incredulidade de Tomé mostrando suas feridas; só assim, em contato de corporalidade a corporalidade, em encontro com a Vida triunfante de Cristo, pode realizar-se a experiência de Páscoa.

“Tocar o Verbo de Deus”, tocando as chagas dos crucificados: este é o tema deste domingo. Isto é o que devemos todos fazer, se cremos na Ressurreição. Sem chagas do Crucificado não há Páscoa. Sem corporalidade do Ressuscitado não existe cristianismo.

Muitos de nós preferimos continuar buscando uma Igreja bela, de glória, fechada em si mesma, de espaços sem ar de liberdade, preocupada somente com sua doutrina, seus ritos e liturgias celestiais, mas separada da comunidade dos pobres e sofredores ... Temos medo de compartilhar a vida e de “tocar” a ferida de Jesus, que são suas chagas, as chagas da igreja e da humanidade. Se esquecemos isto, esquecemos a Páscoa.

Por isso, o Senhor ressuscitado continua sendo Aquele que traz em suas mãos e lado as feridas de sua entrega, os sinais de seu amor crucificado em favor da humanidade. O Senhor ressuscitado continua sendo Aquele que sofre em todos os sofredores do mundo.

Certamente, nós cristãos podemos e devemos afirmar que “tocamos” o Jesus ressuscitado com as mãos da fé, em um espaço novo de “corporalidade mística”. Mas não podemos tocá-Lo só em um plano de “ideias”, de belas experiências interiores, senão na realidade da carne, da vida concreta: temos que tocar as chagas dos crucificados, na vida concreta dos rejeitados da sociedade. Ali está Jesus como Aquele que vem ao nosso encontro como promessa de vida.

Os mesmos sinais de morte (cravos que ataram as mãos e pés de Jesus no madeiro, lança que perfurou seu coração) revelam-se como sinais de vida, mas não para esquecermos deles, senão para tê-los sempre presentes na vida da comunidade, nas experiências de amor ativo que nos leva a descobrir o caminho pascal em todos os sofredores e chagados da história.

Tomé viu, tocou e apalpou as chagas da entrega radical de Jesus. E justamente ali, naquilo que entra pelos sentidos, Tomé se deu de cara com a fé: “Meu Senhor e meu Deus”. Hoje a presença de Jesus está ali onde os que lhe buscam, encontram chagas de dor e morte. Se, em lugar disso, encontram poder, pompa, prestígio, não poderão dizer: “Meu Senhor e meu Deus”.

O Ressuscitado, ao conservar e mostrar as feridas abertas nas suas mãos e no seu lado, quer que saibamos que se apropriou também das nossas feridas; nas feridas do Crucificado, somos movidos a mostrar nossas feridas; porque carregou nossas dores, nossas feridas Lhe pertencem; assim, nossas feridas, sanadas pelas chagas de Jesus, se convertem em sinal de vida, porque abrem possibilidades de futuro.

As feridas são tudo aquilo que é vulnerado, fragilizado e debilitado, que permanece em nós depois de situações de sofrimento, de frustração ou de perda. Há antigas feridas, velhas e enraizadas, que parasitam nossas forças impedindo o fluir de nossa vida. São como sabotadoras que vão fragilizando nossa estrutura interna e tornando a vida amarga. Sua aparição é típica nos momentos de crise.

É no meio das feridas, pessoais e coletivas, que o Ressuscitado se faz presente, exercendo o “ofício do consolador” (S. Inácio). O “ofício de consolar” é a marca do Ressuscitado, é força recriadora e reconstrutora de vidas despedaçadas. Jesus “toca” as feridas e “ressuscita” cada um dos seus amigos e amigas, ativando neles(as) o sentido da vida, reconstruindo os laços comunitários rompidos, e sobretudo, oferecendo solo firme a quem estava sem chão, sem direção...

A partir da experiência do encontro com o Ressuscitado podemos recuperar a dimensão do tato como possibilidade de viver de forma mais humanizadora e plena. Os sentidos, e de maneira especial o tato, nos fazem mais humanos, nos tornam mais sensíveis, nos ajudam na descoberta do corpo ferido do outro, fazem palpável o amor, nos ajudam a reavivar a beleza do transcendente em cada pessoa.

Jesus sabia deste tocar bem concreto: através de suas mãos fez presente o amor do Pai ao tocar com ternura os corpos das pessoas excluídas, violentadas, consideradas indignas de serem tocadas, nem amadas. O mesmo Jesus se deixa tocar em um momento de grande vulnerabilidade: numa situação de angústia e temor, recebe o contato, a proximidade e a carícia de uma mulher que o unge com perfume (Jo. 12, 1-8).

Ressuscitar o tato é sentir-se próximo, acolhedor, terno... Mas, antes é preciso deixar cair as barreiras; nosso mundo está cheio de alambrados, valas, muros e fronteiras; assim nos defendemos daqueles que são de outra raça, cor, religião, classe social... Comecemos apagando nossos preconceitos antes de tentar tocar.

Ninguém toca ninguém “de longe”. Estaremos “tocando o Ressuscitado” quando nos aproximamos d’Ele com uma visita, um telefonema, uma mensagem, uma saudação na rua, um favor, um serviço prestado com amor. Há templos famosos pela liturgia da oração tátil: orfanatos, hospitais, cárceres, periferias, sanatórios, asilos, favelas... Não deixemos de frequentá-los, pois é ali que “tocamos a carne de Cristo”.

Que Tomé e todos nós toquemos o lado aberto de Jesus e suas mãos feridas, de maneira que o contato com o sofrimento do mundo nos transforme e nos faça capazes de expandir a vida de Deus.

Texto bíblico:  Jo 20,19-31

Na oração: contemplar o Ressuscitado significa também “ressuscitar nossos sentidos”, torná-los mais oblativos e abertos para se deixarem impactar pela realidade crucificada.

- À Luz da Páscoa, como você reage diante de tantos crucificados, vítimas de intolerância, preconceito, violência verbal, indiferença?

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