“E preservai o vosso servo do
orgulho, não domine sobre mim!” ( Salmo 18b,14)
Qual de nós gostaria de ser tachado de “orgulhoso”? Ninguém! No
entanto, não há ninguém, ou praticamente ninguém, que não tenha nada de orgulho
em sua alma. Para fazermos um exame sobre se somos ou não orgulhosos, sugiro
ler o texto abaixo.
Há, sem dúvida, em todo ser humano uma tendência para as alturas, uma
nobre ambição de desenvolver todas as suas potencialidades, porque o homem foi
criado para Deus. A sua condição natural suspira por uma plenitude humana e
espiritual à altura da sua dignidade de filho de Deus. Mas com esse desejo de
crescimento mistura-se uma outra ambição, doentia, que consiste precisamente na
supervalorização do próprio eu.
Este vai adquirindo uma importância tal que acaba por suplantar a
própria realidade. Pouco a pouco, sem que o perceba, a pessoa vai deslocando o
centro gravitacional de todas as coisas, que é Deus, para colocá-lo no centro
medular da sua própria existência. Chega assim a considerar-se, na expressão de
Protágoras, "homo mensura", a medida, o critério de todas as coisas:
as coisas são altas ou baixas, são boas ou más na medida em que sejam altas ou
baixas, boas ou más para ela; as pessoas são agradáveis ou desagradáveis, idôneas
ou imprestáveis segundo tenham ou não a capacidade de integrar a máquina da sua
própria felicidade. Sem reparar, vai-se tornando para si mesmo Deus e mundo. Como
poderíamos reconhecer, em primeiro lugar, o amor-próprio? Sem dúvida, pelo alto
conceito que fazemos de nós mesmos.
Por um estranho mecanismo de autossugestão, tendemos paulatinamente a
agigantar a nossa imagem. Tiramos dela os defeitos e acrescentamos virtudes;
supervalorizamos os aspectos positivos e minimizamos os negativos. Lembro-me de
ter visto, num livro dedicado ao estudo da personalidade, o desenho de um mesmo
rosto visto de três ângulos diferentes: o da esposa, o dos filhos e
subordinados e o do próprio interessado. Não é preciso dizer que este último
era o mais agradável dos três. O primeiro parecia triste, acabrunhado; o
segundo duro, impositivo; o terceiro simpático, jovial, sorridente... Será que
sofremos nós também dessa miopia para os nossos defeitos e dessa hipermetropia
para as nossas qualidades?
Kierkegaard escrevia a um amigo estas palavras reveladoras: "A
tua principal função é a de te enganares a ti próprio e parece que o consegues
porque a tua máscara é das mais enigmáticas".
Essa função se realiza através de diversos expedientes, entre eles a
justificação das próprias falhas. Com efeito, depois de cometermos um erro,
tendemos a procurar com a imaginação as causas atenuantes ou dirimentes da
nossa responsabilidade. E pensamos: — Não, não fui eu, foram as circunstâncias;
foi o cansaço, o excesso de trabalho, a provocação dos outros, a sua falta de
compreensão...
Não observamos com frequência esse tipo de reação? O estudante
justifica diante dos pais a sua reprovação dizendo: "O professor é uma
«droga»". O profissional, diante de um fracasso, alega: "No meio
dessa corrupção generalizada, nenhuma pessoa honesta pode ser
bem-sucedida". Os pais que não se empenharam na educação dos filhos
argumentam perante os seus desvios: "O ambiente está péssimo".
Li uma vez não sei aonde um conselho de um chefe ao seu subordinado:
"Tenha sempre em mente que todos erram. O problema é que a maioria nunca
admite que a culpa foi sua, pelo menos se puder dar um jeito: acusam a esposa,
o síndico, os filhos, o cachorro, o tempo, mas nunca a si próprios. Por isso,
se você fizer uma tolice, não me venha com desculpas — vá primeiro olhar-se no
espelho. E depois venha falar comigo".
O homem dispõe para cada um dos seus atos de um arsenal de motivos que
lhe justificam o comportamento. A ciência da psicologia propagandística
demonstrou que todos os impulsos de compra, até os mais absurdos, podem ser
justificados mais tarde. Quando os homens adotam uma posição, geralmente
defendem-na por amor-próprio até o último reduto. Daí deriva um tipo de
teimosia bem característico: o das pessoas que não sabem retificar as suas
posições ainda que os argumentos contrários pareçam objetivamente certos. Não
dão, como se diz, "o braço a torcer". Quem sai lucrando com essas
falsas justificativas? Somente a nossa falsa imagem. Somente o orgulho. A
personalidade verdadeira fica lá no fundo, abafada, atrofiada, condenada ao
raquitismo pela insinceridade (Rafael Llano Cifuente, “Egoísmo e Amor”, Ed.
Quadrante, São Paulo).
Este é um sinal claro do nosso orgulho: a miopia para os nossos
defeitos e a hipermetropia para as nossas qualidades. Será que isso acontece
comigo?
Façamos o propósito de tirar todo o orgulho da nossa alma e seremos
muito mais felizes!!!
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