«Pedófilos não são excomungados, mas eu fui!», choramingou o sacerdote, em um arroubo patético de apelo sentimental vazio. http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/04/30/pedofilos-nao-sao-excomungados-mas-eu-fui-desabafa-padre-de-bauru-sp.htm
É bem pouco provável que o padre Beto realmente não entenda o porquê das coisas serem assim; o mais verossímil é que ele esteja fazendo uma chantagem emocional barata, para posar de coitadinho ao mesmo tempo em que lança sobre a Igreja a pecha de intransigente e contraditória. (…) Exponhamos o discurso do óbvio e expliquemos ao reverendo sacerdote por que sua situação é diferente da dos ditos “padres pedófilos”.Convém ter em mente, antes de qualquer coisa, que a excomunhão não é um passaporte irrevogável para o inferno. Trata-se de uma pena eclesiástica, em última instância orientada – como aliás todas as penas eclesiásticas – para a salvação das almas. De que maneira?
Ora, os pecados não se dividem em leves, graves e “excomungantes”. Há somente os leves (ou veniais) e graves (ou mortais), e só. Os primeiros são os que mantém a alma em estado de graça e, os últimos, são os que fazem perder a graça santificante; aqueles permitem que se vá ao Céu passando pelo Purgatório e, estes, conduzem ao Inferno. Não há na alma de um assassino (ou adúltero ou ladrão) mais graça santificante do que na de um médico punido com excomunhão, e nem vai menos para o Inferno um católico impenitente do que um herege excomungado. Excomunhão não é, portanto, simples qualificador agravante de condutas pecaminosas. Que coisa é ela, então?
A excomunhão é uma espécie de censura eclesiástica ao mesmo tempo grave e branda. Grave, porque rompe no foro externo a comunhão com o Corpo Místico de Cristo que é a Igreja; branda, porque para ser retirada exige somente um pedido de perdão do excomungado. E os pecados punidos com excomunhão têm geralmente também essa curiosa antinomia: são, ao mesmo tempo, graves em si mesmos e negligenciados por quem os comete. Vejamos alguns exemplos.
Quem é este excomungado? Henrique VIII da Inglaterra. Que crime cometeu? O de separar a igreja anglicana da Igreja Católica. Que importância lhe deu? Nenhuma. Como se sentia? Julgava-se vítima das absurdas pretensões papais sobre o seu casamento, sobre o futuro da família real inglesa.
Quem são estes excomungados? Dom Marcel Lefebvre, Dom Antônio de Castro Mayer e os quatro bispos por eles sagrados sem mandato pontifício. Que importância deram à sagração episcopal ilícita? Nenhuma, pois se julgavam vítimas da Roma Modernista.
Quem é este excomungado? O pe. Roy Bourgeois. O que ele fez? Participou de uma tentativa de “ordenação feminina”. Que importância deu ao fato? Nenhuma, pois se julgava vítima da misoginia da hierarquia católica, do secular machismo eclesiástico.
Quem são estes excomungados? Os médicos que realizaram um aborto numa menina de nove anos aqui no Recife. Como se sentiam? Heróis injustiçados que salvaram uma criança dos obtusos e medievais dogmas da Igreja Católica.
Quem, por fim, é este excomungado? O padre Beto, que falsificou a doutrina da Igreja, corrompeu a juventude e, agora, adota um discurso vitimista, nem por instante se arrependendo do escândalo que suas atitudes provocaram e continuam provocando entre católicos e não-católicos.
O que todas essas coisas têm em comum? São pecados graves, em primeiro lugar; cometidos não por impulso, mas friamente pensados e executados, insistidos mesmo após as admoestações e súplicas da Igreja, em segundo; e, em terceiro, considerados de pouca importância (às vezes nem percebidos como pecados!) por aqueles que os cometem e pelos que lhes são próximos. Em geral, são estas características e não outras as que a Igreja observa quando decide excomungar alguém.
A excomunhão é, assim, uma espada brandida pela Igreja com fins duplamente pedagógicos. Primeiro, para que se arrependa o excomungado, uma vez que os pecados punidos com excomunhão costumam ser de tal natureza que repelem o arrependimento e debilitam a vontade de se reconciliar com a Igreja; e, segundo, para que as outras pessoas percebam-lhes a gravidade (geralmente escondida sob a aparência de heroísmo, martírio, louvável resistência ou coisa análoga) e não se deixem seduzir por eles. E esta finalidade pedagógica da excomunhão se vê com clareza quando se considera que ela encontra o seu término no Tribunal do Sacramento da Penitência, ao qual o excomungado pode acorrer sempre que desejar.
A excomunhão, assim, só persiste enquanto o excomungado não se volta para a Igreja. Aliás, pode-se dizer que ela existe precisamente para constranger quem a recebe a voltar-se para a Igreja. Voltemos, enfim, ao caso atual. Foi excomungado o padre Beto? Mas, ora, se ele quiser, pode perfeitamente ter a sua pena remitida hoje mesmo, bastando para isso correr ao seu bispo e dizer-lhe que aceita, sim, integralmente, a Doutrina da Igreja Católica. No entanto, ele não o faz. Prefere continuar aferrado às suas próprias “reflexões” a se render à clareza da Verdade que refulge no ensino da Esposa de Cristo. Está excomungado porque quer ser excomungado, essa é a grande verdade que convém não ser esquecida aqui.
Coisa totalmente diversa ocorre com o padre que viola o sagrado celibato. Primeiro porque o abuso sexual de crianças é em si mesmo coisa horrenda e repulsiva, sem que haja ninguém que o justifique ou defenda. Segundo, porque jamais se teve notícia de algum padre pedófilo que tivesse anunciado “é, eu sou pedófilo mesmo, a pedofilia é uma coisa boa e a Igreja devia refletir melhor sobre isso, porque os tempos mudaram e a gente tem mais é que ser pedófilo mesmo,etc.” – se o fizesse, é certíssimo que seria excomungado tão rapidamente quanto o padre Beto o foi, e pela mesmíssima razão. Querer no entanto equiparar um crime oculto e infame a um pecado glamouroso cometido pública e impenitentemente não passa de um sofisma grosseiro. Não se sabe a quem o padre Beto quer enganar com esse espantalho ridículo; mas o recurso a tal expediente desonesto por parte de um homem presumivelmente inteligente já diz muito sobre o seu caráter.
Como os padres pedófilos não saem por aí alardeando em público a sua pedofilia da mesma maneira que o padre Beto parece ter um prazer depravado em confessar-se publicamente herege, é impossível que ambas as coisas sejam punidas igualmente. Os pedófilos, portanto, só podem ser punidos ao final de um processo canônico próprio.
E eles o são: as normae de gravioribus delictisda Santa Sé prevêem que os padres que pecam contra a castidade com menores de dezoito anos ou que recorrem a material pornográfico de menores de catorze anos «seja[m] punido[s] segundo a gravidade do crime, não excluída a demissão ou a deposição». E a demissão [do estado clerical] é mais dura do que a excomunhão, uma vez que esta é retirada pelo simples pedido de perdão do condenado e, aquela, não. Ou seja: o padre Beto pode levantar a sua excomunhão hoje mesmo, mas um padre pedófilo demitido do estado clerical “não pode ser reintegrado entre os clérigos a não ser por rescrito da Sé Apostólica” [CIC 293]! Para o padre Beto voltar a exercer as suas funções basta-lhe confessar-se com o seu bispo (coisa que, repito, ele pode fazer agora mesmo), enquanto que um padre que cometeu pedofilia só volta ao sacerdócio com autorização explícita da Santa Sé.
A excomunhão não é meramente um indicador de gravidade dos pecados, e sim a censura dos orgulhosos. Existe não para dizer que aquele monstro vermelho e chifrudo é o diabo, mas para desmascarar Satanás travestido de anjo de luz. É empregada não para coroar a maldade dos pecados que já são abjetos por natureza, mas para revelar a malícia escondida sob aqueles que parecem inofensivos ou mesmo virtuosos.
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