Como a chamada "heresia das obras" está destruindo a fé católica
A enxurrada de más notícias divulgadas pelos jornais e tantos outros meios de comunicação faz o católico, muitas vezes, se sentir impotente diante da maldade. É quase comum uma reação de desânimo, letargia e desespero. Ainda mais quando o ambiente em que se vive não está enraizado naquela fé viva, o fundamento da esperança e a certeza do que não se vê (Cf. Hb 11, 1), da qual falava São Paulo. Não obstante, outra atitude igualmente motivada pela falta de fé na graça divina é a do ativismo pessoal. São os auto-suficientes, os que se acham bons demais para perderem algumas horas na Igreja rezando.
Provavelmente, muitos já escutaram de algum amigo, parente ou mesmo dentro da Igreja que a oração não passa de perda de tempo. Qual o propósito de rezar enquanto tantos sofrem, agonizam e passam fome? Não seria melhor alimentá-los, retirá-los da rua, ao invés de ficar diante um crucifixo repetindo palavras? Ora, não é preciso muito esforço para perceber a mediocridade desse tipo de pensamento. Uma pessoa que defenda tamanha estupidez tem uma visão muito míope sobre apostolado cristão e caridade. É evidente de que se trata de um indivíduo sem fé e materialista, mesmo que não perceba.
É óbvio que aqui não se defende o fideísmo de Lutero ou qualquer heresia do gênero. Não! A Igreja sabe muito bem da necessidade de se esforçar para entrar pela porta estreita. Sabe que o verdadeiro amor gera frutos e boas obras, mas essas boas obras só nascem de um diálogo profundo e amigável com Deus, um diálogo radicado na cruz. Com efeito, "toda árvore que não der bom fruto será cortada e lançada ao fogo" (Cf. Mt 7, 19). Fica claro, assim, que tanto a fé sem obras quanto as obras sem fé são coisas abomináveis.
Um livro muito importante para a espiritualidade cristã, chamado "A alma de todo apostolado", fez questão de abordar esse tema em um de seus capítulos. A obra foi escrita por Dom Chautard, abade cisterciense, e foi o livro de cabeceira do Papa São Pio X.
"Se quereis que Deus abençõe e torne fecundo o vosso apostolado, empreendido para a sua glória, impregnai-vos bem do espírito de Jesus Cristo, procurando adquirir uma intensa vida interior. Para este fim, nao vos posso indicar melhor guia do que "A alma de todo o apostolado" de Dom Chautard, abade cisterciense. Recomendo-vos, calorosamente, esta obra, que estimo particularmente, e da qual fiz o meu próprio livro de cabeceira." (Palavras de São Pio X, durante a visita ad limina dos bispos do Canadá, em 1914)
Dom Jean-Baptiste Chautard
No capítulo II, o abade recorda um ensinamento de um cardeal da época sobre a "heresia das obras". "Com esta expressão", diz Dom Chautard, o cardeal estigmatizava "a aberração de um apóstolo que, esquecendo‑se do seu papel secundário e subordinado"- ou seja, que Cristo é o protagonista, não ele - "unicamente esperasse o bom êxito do seu apostolado, da sua atividade pessoal e dos seus talentos".
O abade lembra Cristo como o autor e princípio da vida. Desse modo, os apóstolos jamais podem perder de vista a seguinte verdade: "que, para participar dessa vida e comunicá‑la aos outros, hão mister de ser enxertados no Homem‑Deus". Os discípulos de Jesus devem se reconhecer como "modestos canais" da graça do Senhor, não como seus autores. Por conseguinte, aqueles que menosprezam Deus e a oração caem em terrível desgraça, nas palavras de Dom Chautard, numa "atividade febril". Ademais, todas as suas obras estão fadadas ao fracasso, pois não foram edificadas na rocha, mas na areia:
"Salvo em tudo o que opera sobre as almas ex opere operato, Deus deve ao Redentor o subtrair ao apóstolo, cheio de arrogância, as suas melhores bênçãos para reservá‑las ao ramo que humildemente reconhece que somente pode haurir a sua seiva no tronco divino. De outra sorte, se abençoasse com resultados profundos e duradouros uma atividade envenenada por esse vírus a que chamamos heresia das obras, Deus dava mostras de animar essa desordem e permitir seu contágio".
Palavras fortes e, ao mesmo tempo, tão atuais. Como não reconhecê-las em tantos católicos que enxergam a fé apenas como um pressuposto, como dizia Bento XVI na Carta Apostólica Porta Fidei, e se lançam às obras negociando princípios que sob hipótese alguma poderiam ser negociados? Como não enxergá-las em tantos discursos ideológicos que propõem reflexões totalmente absurdas e contrárias à sã doutrina a pretexto de um mundo melhor, de um mundo onde todos sejam "iguais"? Se um apostolado vai mal, pode-se dizer quase com certeza divina, que se trata de um apostolado sem Deus ou que já O esqueceu. Ou se muda isso, ou corre-se o risco de transformar a Igreja naquilo que o Santo Padre Francisco denunciou tão sabiamente na sua primeira homilia, "numa ONG piedosa".
Por: Equipe Christo Nihil Praeponere
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