Fonte: Reinaldo Azevedo
Vejam esta imagem do Globo Online da noite desta segunda:
É para lermos os dois títulos como um conjunto, embora remetam a textos distintos: “Arábia
Saudita faz campanha contra violência machista; enquanto isso, Igreja
excomunga em SP padre que defende amor entre bissexuais”. Vamos ver.
É uma peça de proselitismo político-ideológico. Como
costuma acontecer nesses casos, busca-se a adesão, não o convencimento;
trabalha-se com o choque, não com os fatos; apela-se à simplicidade
máxima, não aos matizes. Em síntese: trata-se de propaganda, não de informação.
Vamos
aos muitos erros. E começo pelo ex-padre. Alguém no Globo viu o que
esse rapaz andou postando no Youtube quando ainda era padre? Sim, de
fato, ele disse que não existe infidelidade quando marido e mulher
mantêm relacionamentos extraconjugais abertos. Ele tem o direito de
pensar isso, mas não como padre — porque, como padre, ele fala em nome
da Igreja, e a visão da Igreja é outra. Beto também acha que maridos
podem se apaixonar por outros homens, e mulheres, por outras mulheres.
De novo: se todos souberem de tudo, não haveria o que reclamar. Sim,
ele tem o direito de pensar isso, mas não como expressão — e um padre é
isto! — da Igreja Católica. A razão é simples. Ela pensa outra coisa.
Vamos
pegar o caso do Globo Online — que nem é uma Igreja, até onde se sabe.
Por ali, algum jornalista pode escrever uma reportagem defendendo,
deixem-me ver…, a luta armada? Isso mesmo: em nome da liberdade de
expressão, um barbudinho recalcitrante qualquer mandaria ver: “A
democracia já evidenciou ser uma falácia das elites para reproduzir a
exclusão. Chegou a hora de tomarmos nas mãos o nosso destino. E terá de
ser pela via armada”. Pode??? Ou, deixem-me ver, um jornalista da TV
Globo poderia fazer, em um de seus programas, um editorial em favor do
“controle social da mídia”? Que tal? Por que não?
Felizmente,
e espero que nem o Globo nem a Globo mudem a orientação, nada disso é
possível. Como o jornal é favorável à democracia representativa, salvo
engano, jornalistas que defendam a luta armada não escrevem por ali —
não em favor da luta armada ao menos. Como a Globo, felizmente, defende a
liberdade de opinião — dentro dos parâmetros do regime democrático —,
não teremos de assistir, na emissora, a editoriais em favor da censura.
Mais:
a Globo e o Globo têm manuais de redação e princípios de ética
jornalística. Suponho que não possam ser transgredidos e ignorados por
seus profissionais. Quem o fizer acabará, isto é metáfora,
“excomungado”. E assim porque as Organizações Globo são reacionárias?
Não! Porque são empresas privadas que se orientam segundo determinados fundamentos. Só
pertence ao grupo quem quer e quem o grupo quer. Suponho que se admita
por ali que a milenar Igreja Católica também tem o direito de fazer
algumas exigências a quem pertence à sua hierarquia.
Erro específico
O
tal Beto não foi excomungado da Igreja por defender o amor entre
bissexuais. É mentira! Em reiteradas entrevistas, ele deixou claro só
cumprir as orientações com as quais concorda. Aquelas de que discordava,
ele ignorava — anunciando isso. Mais: o dito-cujo usava o
púlpito para fazer suas pregações. Fico cá a imaginar um âncora de um
dos programas da Globo a esculhambar, no ar, os princípios que orientam a
empresa. Tudo em nome da “liberdade de expressão”! Seria aceitável?
Arábia Saudita
Em
poucos países do mundo a desigualdade de direitos entre homens e
mulheres é tão grande como na Arábia Saudita. Atenção! Isso não quer
dizer que as condições de vida da mulher saudita estejam entre as
piores do mundo! O wahabismo, variante do islamismo sunita vigente no
país, faz com que as mulheres sejam, por lei, tuteladas por homens:
pais, maridos, irmãos. Não faz tempo, ficamos sabendo que uma mulher foi
punida por dirigir um automóvel. Elas não podem sair às ruas sem a
companhia de um responsável.
Muito
bem. Um grupo de sauditas deu início a uma campanha — ATENÇÃO!!! — não
em favor da igualdade entre homens e mulheres (isso é impensável!), mas
CONTRA O ESPANCAMENTO das pobres-coitadas! Faz sentido?
Por
mais que haja um esforço mundial para esconder o que está no Al Corão e
mais ainda para provar que o Profeta era mais generoso com as mulheres
do que o judaísmo ou o cristianismo, o fato inequívoco é que a Sura 4:34
autoriza que o marido bata na
sua mulher. Se elas não for obediente, ele deve, primeiro, admoesta-la;
na segunda vez, abandonar o leito; na terceira, bater.
Um
líder religioso sunita do Baherin, ali pertinho da Arábia Saudita,
explicou que isso tem de ser feito com método, tá pessoal? Pode bater,
sim, mas sob certas condições.
Volto ao texto do Globo
Atenção!
A palavra “machista” é algo que faz sentido no mundo ocidental, na
nossa cultura. Na Arábia Saudita, há não mais do que um grupo que
resolveu se manifestar contra a agressão física às mulheres. Uma
campanha antimachista, convenham, teria como horizonte a igualdade entre
os sexos. Ou por outra: não teve inicio uma “Primavera Feminista” na
Arábia Saudita. Lembro que havia punição no Brasil para senhores que
exageravam no castigo físico aos escravos. E eles não eram
abolicionistas.
O
que a peça editorial do Globo Online sugere é que a Arábia Saudita
passaria por um momento iluminista, enquanto a Igreja Católica, por uma
fase obscurantista. O iluminismo, então, no país árabe estaria
numa inédita campanha contra o “machismo” (ISSO É FALSO!!!), e as trevas
católicas se revelariam da excomunhão de um padre favorável ao
bissexualismo (FALSO TAMBÉM).
Assim,
duas distorções — sobre a Igreja e sobre a Arábia Saudita — produziram
um terceira: uma suposta Arábia Saudita a caminho das Luzes e uma
suposta Igreja a caminho das trevas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário