Sandro Magister, publicada no sítio Chiesa,
A menção crítica que o papa Francisco fez ao IOR, o Instituto para as Obras de Religião, o “banco” vaticano, na homilia de sua missa matutina na “Domus Sanctae Marthae”tem causado” sensação” nos meios de comunicação.
“Quando a Igreja quer se vangloriar de sua quantidade e cria organizações e escritórios e torna-se um pouco burocrática, a Igreja perde sua principal substância e corre o perigo de se transformar numa ONG. E a Igreja não é uma ONG. É uma história de amor… Porém, estão os do IOR…
Perdoe-me, eh!… Tudo é necessário, os escritórios são necessários…
concordo! Contudo, são necessários até certo ponto, como uma ajuda a
esta história de amor. Entretanto, quando a organização está em primeiro
lugar, o amor desaparece e a Igreja, pobrezinha, torna-se uma ONG. E este não é o caminho”.
O papa Jorge Mario Bergoglio
improvisa totalmente estas homilias matutinas. E a frase anteriormente
citada é a transcrição literal transmitida horas depois pela Rádio Vaticana. Contudo, no mesmo dia, ao se referir de outra maneira à mesma homilia, “L’Osservatore Romano” deixou fora o inciso: “… Porém, estão os do IOR… Perdoe-me, eh!”.
Esta diferença entre a rádio e o jornal da Santa Sé
é um indício da incerteza que ainda reina no Vaticano sobre a forma
como tratar, de maneira midiática, as homilias dos dias de trabalho do Papa. Aquelas que ele pronuncia na missa das sete horas, na capela da residência onde vive.
Para
estas missas acede um público selecionado, a cada manhã, diferente. E,
no dia 24 de abril, um bom número de trabalhadores do IOR estava presente.
Estas homilias do papa são gravadas. No entanto, não seguem o procedimento de seus discursos oficiais nas partes que o Papa
improvisa durante as mesmas. Ou seja, não são transcritas a partir da
gravação de áudio, depois, são afinadas tanto do ponto de vista
linguístico, como conceitual, em seguida, submetidas ao Papa e, por último, tornam-se públicas, assim que o texto é aprovado.
O texto integral das homilias dos dias de trabalho do papa Bergoglio é secreto. Tornam-se conhecidos apenas dois resumos parciais, através da Rádio Vaticana e do “L’Osservatore Romano”, que são redigidos independentemente e, portanto, com uma maior ou menor amplitude nas citações textuais.
Não se sabe se esta prática, cujo objetivo é tanto tutelar a liberdade da palavra do Papa
como de defendê-la dos riscos da improvisação, será mantida ou se
modificará. Porém, é fato que aquilo que se sabe destas homilias
semi-públicas já é uma parte importante da oratória típica do papa Francisco.
Trata-se de uma oratória concisa, simples, coloquial, baseada em
palavras ou imagens de um grande imediatismo comunicativo. Por exemplo:
- a imagem de “Deus-spray”, usada pelo papa Francisco, no dia 18 de abril, para se colocar em vigilância diante da ideia de um Deus impessoal “que está em todas as partes, mas não se sabe quem é”;
- ou a imagem da “Igreja baby-sitter ou babá”, do dia 17 de abril, usada para condenar uma Igreja que apenas “cuida do menino, para que este durma”, ao invés de atuar como uma mãe com os seus filhos;
-
ou a fórmula de “cristãos satélites”, do dia 20 de abril, usada para
definir esses cristãos cuja conduta é ditada pelo “sentido comum” e pela
“prudência mundana”, ao invés de ser por Jesus.
Stefania Falasca, velha amiga de Bergoglio – que lhe telefonou na mesma tarde de sua eleição como Papa -, perguntou-lhe, após uma missa matutina, na “Domus Sanctae Marthae“: “Padre, como lhe ocorrem estas expressões?”
“Sua resposta foi um simples sorriso”. Segundo Falasca, a utilização destas fórmulas, por parte do Papa,
“em termos literários se chama ‘pastiche’, que é, justamente, a mistura
de palavras de diferente nível ou registro com efeitos expressionistas.
O estilo ‘pastiche’ é, atualmente, um traço típico da comunicação da
rede e da linguagem pós-moderna. Trata-se, portanto, de associações
linguísticas inéditas na história do magistério petrino”.
Num editorial, do dia 23 de abril, no jornal da Conferência Episcopal Italiana, “Avvenire”, Falasca aproximou a oratória do papa Francisco ao “sermo humilis”, teorizado por Santo Agostinho.
O papa Bergoglio também introduz este estilo nas homilias e nos discursos oficiais. Por exemplo, na homilia da missa crismal da Quinta-Feira Santa, na Basílica de São Pedro, surpreendeu sua exortação aos pastores da Igreja, bispos e sacerdotes, a terem “cheiro de ovelha”.
Outro
traço típico de sua pregação é sua conversa com a multidão,
empurrando-a para responder em coro. Fez isto pela primeira vez, e
reiteradamente, no “Regina Coeli”, no domingo 21 de abril, quando disse, por exemplo: “Muito obrigado pela saudação, mas saúdem também a Jesus. Gritem com força: ‘Jesus!’”. E, efetivamente, o grito “Jesus” subiu da Praça de São Pedro.
Em boa medida, a popularidade do papa Francisco se deve ao seu estilo de pregação e à fácil e difundida riqueza que tem os conceitos sobre os quais ele mais insiste – a misericórdia, o perdão, os pobres, as “periferias” – que são vistos refletidos em seus gestos e em sua pessoa.
É
uma popularidade que esconde outras coisas mais incômodas, que ele não
deixa de dizer – por exemplo, suas frequentes alusões ao diabo – e que
ditas por outros desencadeariam críticas, mas a ele “perdoam”.
Até agora, efetivamente, os meios de comunicação cobriram com indulgência e silêncio, não apenas as referências do atual Papa ao demônio, mas também toda uma série de outros pronunciamentos que fez sobre pontos capitais e controvertidos da doutrina.
No dia 12 de abril, por exemplo, falando para a Pontifícia Comissão Bíblica, o papa Francisco insistiu que “a interpretação das Sagradas Escrituras
não pode ser apenas um esforço científico individual, mas deve ser
sempre confrontada, integrada e autenticada pela tradição viva da Igreja”.
E, portanto, “isto comporta a insuficiência de toda interpretação
subjetiva ou simplesmente limitada a uma análise incapaz de acolher em
si o sentido global que, ao longo dos séculos, constituiu a Tradição de todo o Povo de Deus”.
Praticamente ninguém se deu conta, no silêncio geral dos meios de comunicação, deste açoite do Papa contra as formas de exegese também prevalentes no campo católico.
No dia 19 de abril, na homilia matutina, investiu contra os “grandes ideólogos” que querem interpretar Jesus
a partir de uma ótica meramente humana. Definindo-os como “intelectuais
sem talento, defensores da ética sem bondade. E de beleza não vamos
falar, porque não entendem nada”. Também neste caso, o silêncio.
No dia 22 de abril, em outra homilia matutina, disse com força que Jesus é a “única porta” para entrar no Reino de Deus e que “todos os outros caminhos são enganosos, não são verdadeiros, são falsos”.
Com isso, confirmou, portanto, essa verdade irrenunciável da fé católica, que reconhece em Jesus Cristo o único Salvador de todos. Entretanto, em agosto do ano 2000, quando João Paulo II e o cardeal Joseph Ratzinger publicaram, precisamente sobre este tema, a declaração “Dominus Iesus”, eles foram contestados com dureza dentro e fora da Igreja. Agora, ao contrário, embora o papa Francisco tenha dito a mesma coisa, todos permaneceram calados.
No dia 23 de abril, Festividade de São Jorge, na homilia da missa com os cardeais, na Capela Paulina, disse que “a identidade cristã é uma pertença à Igreja,… porque não é possível encontrar Jesus fora da Igreja”.
E também desta vez, o silêncio. Embora a tese segundo a qual “extra
Ecclesiam nulla salus”, por ele reafirmada, quase sempre seja causa de
polêmica…
Esta benevolência dos meios de comunicação, a respeito do papa Francisco, é um dos traços que caracterizam este início de pontificado. A doçura na forma como ele sabe dizer as verdades, embora sejam incômodas, facilita esta benevolência. No entanto, é fácil prever que, uma hora ou outra, esta benevolência se esfriará e dará lugar às críticas.
Um primeiro aviso aconteceu no dia 15 de abril, depois que o papa Bergoglio teria confirmado a linha severa daCongregação para a Doutrina da Fé no tratamento que é preciso dar ao caso das religiosas dos Estados Unidos, reunidas na Conferência de Liderança de Mulheres Religiosas.
Os protestos por parte destas religiosas e das correntes “liberais” do
catolicismo, não apenas americano, tem soado como o início da ruptura de
um encantamento.
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