O encontro que o Vaticano tentou, em vão, organizar há décadas na Europa, foi cercado de grande segredo.
O papa Francisco e o patriarca ortodoxo russo Kirill defenderam nesta
sexta-feira o restabelecimento da unidade do Cristianismo, fraturado
por um cisma milenar, e pediram a proteção de todos os cristãos
perseguidos no Oriente Médio, ao final de um encontro histórico em
Havana.
“Lamentamos a perda da unidade” e “conscientes dos muitos obstáculos
que é preciso superar, esperamos que nosso encontro contribua para o
restabelecimento desta unidade desejada por Deus”, destacaram em uma
declaração conjunta com trinta pontos, divulgada ao final de uma reunião
histórica de duas horas.
No encontro, também pediram “à comunidade internacional para tomar
medidas imediatas para evitar um maior deslocamento dos cristãos no
Oriente Médio”.
“Erguendo nossas vozes em defesa dos cristãos perseguidos, também nos
solidarizamos com sofrimentos de seguidores de outras tradições
religiosas, que se tornaram vítimas da guerra civil, do caos e da
violência terrorista”, acrescentaram Francisco e Kirill, cujo encontro
foi o primeiro entre dois líderes das Igrejas desde o cisma entre
cristãos do Ocidente e do Oriente, em 1054.
Na declaração, que os dois assinaram na presença do presidente
cubano, Raúl Castro, que atuou como anfitrião e facilitador do encontro,
os líderes religiosos também condenaram a violência que tem custado
“milhares de vidas” no Iraque e na Síria, “deixando sem lar e meios de
vida milhões de pessoas”.
Os líderes religiosos se mostraram muito cordiais e trocaram beijos e
abraços antes de se sentarem para conversar em meio a flashes e ruídos
das câmeras.
“Finalmente nos encontramos. Somos irmãos”, disse Francisco, ao
encontrar o patriarca russo. “Está claro que este encontro é a vontade
de Deus”, acrescentou.
A reunião teve início às 14h25 locais (17h25 de Brasília).
O papa, de 79 anos, desembarcou na capital cubana por volta das 14h
locais (17h de Brasília) para o encontro com Kirill, dez anos mais
jovem. O patriarca russo chegou na véspera para sua visita oficial a
Cuba.
O pontífice argentino ficará em Havana por três horas e, depois,
segue para o México, um país castigado pela violência do narcotráfico,
onde fará sua 12ª viagem apostólica. Já Kirill permanece em Cuba até o
domingo, quando partirá para um giro de 11 dias por países da região.
Entre eles, Brasil e Paraguai.
“Esta é uma viagem repleta de compromissos, desejada por meu irmão,
Kirill, por mim e pelos mexicanos”, disse o papa aos jornalistas que
viajaram com ele no avião.
Francisco foi recebido pelo presidente Raúl Castro, um ateu comunista
de 84 anos, que atua como anfitrião e facilitador desta aproximação
histórica no mundo cristão.
Os líderes religiosos representam 1,33 bilhão de cristãos, entre
católicos (a grande maioria) e ortodoxos russos. Seu encontro tem
caráter único por ser o primeiro entre os representantes das duas
maiores vertentes do cristianismo desde o cisma de 1054.
Este encontro em Cuba, onde o Estado foi oficialmente ateu entre 1976
e 1992, antes de se proclamar laico, transcende o caráter religioso.
As duas grandes Igrejas cristãs veem com preocupação a violência do
radicalismo islâmico e a perseguição aos cristãos, tanto católicos
quanto ortodoxos, no Oriente Médio e no centro da África.
Putin nos bastidores
O encontro que o Vaticano tentou, em vão, organizar há décadas na
Europa, foi cercado de grande segredo, em parte devido às resistências
de alguns setores do patriarcado da Igreja ortodoxa russa, que
representa 130 milhões de fiéis de um total de 250 milhões de ortodoxos.
Para muitos analistas, os vínculos estreitos entre o patriarcado e o
presidente russo, Vladimir Putin, dão à reunião uma dimensão política e
estratégica.
“Nos bastidores, há um terceiro protagonista, o presidente Putin”,
afirma em seu blog o vaticanista Marco Politi, lembrando que Francisco
recebeu o líder russo no Vaticano, duas vezes no ano passado.
“Seria uma ingenuidade pensar em que a repetida disponibilidade do
patriarca não está relacionada com o papel da Rússia neste momento
geopolítico”, escreveu Politi.
Na quinta-feira, Rússia e Estados Unidos acordaram uma “suspensão das
hostilidades” na Síria no prazo de uma semana, com o objetivo de
reativar o processo de paz e deter o deslocamento maciço de civis.
A estabilização da Síria e o freio ao terrorismo extremista são dois temas que Moscou analisa com os Estados Unidos.
Acusada durante décadas de proselitismo por parte dos ortodoxos
russos, a Igreja católica tenta superar a desconfiança e evitou condenar
a política intervencionista de Putin na Ucrânia. O gesto foi apreciado
pela Igreja russa, mas acabou sendo criticado pelos católicos ucranianos
de rito grego, que apoiam o governo de Kiev.
No México, a chaga da violência
O papa argentino prosseguiu sua viagem a bordo do avião AZ330 da
Alitalia, rumo à Cidade do México, aonde chegou às 19h30 locais, após
duas horas de voo.
Francisco foi recebido por milhares de pessoas com lanternas e celulares acesos.
Esta é a sétima visita de um pontífice ao México, o segundo país mais
católico do mundo depois do Brasil, com 100 milhões de batizados.
O papa latino-americano, que conhece os grandes males e sofrimentos
de seu continente, chega a um país sacudido pela violência. Na véspera,
por exemplo, cerca de 50 detentos morreram em um motim na prisão de
Monterrey.
Com sua visita de cinco dias, Francisco quer dar voz e esperança aos
imigrantes, às vítimas dos bandos criminosos do narcotráfico, do tráfico
ilegal, da corrupção, dos abusos e da pobreza.
(AFP)
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