No
ano 2000 o Papa São João Paulo II convocou a Igreja a viver “a Nova
Evangelização”, “com novo ardor, novos métodos e nova expressão”. E
convidou a Igreja a “buscar águas mais profundas” (Lc 5,4), onde
evidentemente estão os peixes maiores. Penso que o Papa pensava na
importância de trazer de volta para a Igreja os formadores de opinião da
sociedade, os que moldam a cultura do povo, sobretudo os que estão na
mídia, os profissionais liberais, os magistrados, os políticos, os
professores, os filósofos, os cientistas, etc.
O povo simples vem com facilidade para Deus e para a Igreja, estão em
águas rasas, mas a elite se esconde em águas profundas. É preciso com
coragem ir atrás dela.
Um dia, no mar de Galileia, depois de pregar ao povo na barca de
Pedro, Jesus mandou que fossem para “águas mais profundas” e lançassem
as redes. Mas, eles já tinham passado a noite toda pescando, e nada! Os
pescadores já haviam desembarcado e lavavam as redes, certamente
cansados, sedentos de um descanso. Simão respondeu: “Mestre, nós
trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua
palavra, vou lançar as redes” (Lc 5,4).
Certamente Pedro e seus colegas estavam muito desanimados, não
pegaram nada a noite toda; mas, Pedro confiou na Palavra de Jesus e o
obedeceu; com sacrifício lançou as redes de novo, contra tudo e contra
todos; e pegou tantos peixes! Se acreditarmos na Palavra de Jesus, se
obedecermos Jesus e Seus ensinamentos, a pesca de homens será grande. A
obediência vem acompanhada da graça.
“Assim fizeram, e apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes
se rompiam. Então fizeram sinal aos companheiros da outra barca, para
que viessem ajudá-los. Eles vieram, e encheram as duas barcas, a ponto
de quase afundarem” (v.7).
Diante do milagre explicito, Pedro ficou atordoado: “Simão Pedro
atirou-se aos pés de Jesus, dizendo: “Senhor, afasta-te de mim, porque
sou um pecador! Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram sócios de
Simão, também ficaram espantados. Jesus, porém, disse a Simão: “Não
tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens” (v.8-9). O
choque espiritual dos pescadores foi tão forte que, diz São Lucas:
“Então levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram a
Jesus” (v.11).
Jesus estava preparando esses discípulos para uma grande missão:
levar o Evangelho da salvação ao mundo todo, mas isso só poderia
acontecer no poder Dele, se acreditassem em Sua Palavra e o obedecessem.
Então, Jesus deu-lhes essa lição. Não tenham medo de águas profundas,
não tenham medo das turbulências do mar da vida, Eu estou convosco.
Creiam na minha Palavra e façam o que Eu mando, e as redes da Igreja se
encherão de grandes peixes.
E isso aconteceu na história da Igreja. Quantos imperadores, reis,
rainhas, príncipes, magistrados, médicos, filósofos, etc., foram
apanhados nas redes da Igreja. Santo Agostinho, São Luiz Rei da França
(sec. XIII), o imperador Carlos Magno (séc IX), Santo Estevão rei da
Hungria (†1038), São Ricardo rei da Inglaterra, Santo Henrique II
imperador (973-1024), Santa Matilde (895-968) rainha da Alemanha, São
Canuto rei da Dinamarca, mártir (1040-1086); Santo Eduardo rei inglês
(1003-1066)… Em todos os vinte séculos as redes da Igreja se encheram de
grandes peixes porque os evangelizadores, monges, apóstolos, bispos,
sacerdotes, etc., foram para águas mais profundas, sem medo, por amor a
Jesus, pela salvação das almas, edificação da Igreja e do Reino de Deus.
Pedro e os seus sócios deixaram as redes, deixaram o pequeno barco
que pescavam no pequeno mar da Galileia, para assumirem o comando da
grande barca da Igreja que haveria de navegar em todos os mares do
mundo. Será que Deus não está nos pedindo também para deixar o barquinho
da nossa vida cômoda, para avançar em alto mar em busca de uma pesca
maior?
No Brasil, há cinquenta anos, tínhamos grandes líderes católicos na
política, nas universidades, nas rádios, nas magistraturas, nos poderes
executivos… e por isso o Brasil só tinha leis cristãs; mas hoje isto se
torna raro, e por isso, as leis de Cristo vão desaparecendo da sociedade
e das leis dos homens. É uma triste constatação que os mais velhos
conhecem. Será que faltaram pescadores arrojados nesses últimos decênios
que fossem buscar peixes grandes nas águas profundas do mar da
sociedade?
O que fazer? Obedecer novamente a Jesus, ter a coragem de se lançar
em águas mais profundas e trazer novamente lideres para a fé de Cristo e
da Igreja. Mas para isso é preciso de pescadores preparados, homens e
mulheres santos e destemidos.
Na vida do profeta Isaías, que teve uma missão importantíssima diante
do povo judeu, que vivia no pecado, há uma passagem singular. Vamos
ler:
“No ano da morte do rei Ozias, vi o Senhor sentado num trono de
grande altura; o seu manto estendia-se pelo templo. Havia serafins de pé
a seu lado; cada um tinha seis asas. Eles exclamavam uns para os
outros: “Santo, santo, santo é o Senhor dos exércitos; toda a terra está
repleta de sua glória”. Ao clamor dessas vozes, começaram a tremer as
portas em seus gonzos e o templo encheu-se de fumaça. Disse eu então:
“Ai de mim, estou perdido! Sou apenas um homem de lábios impuros, mas eu
vi com meus olhos o rei, o Senhor dos exércitos”. Nisto, um dos
serafins voou para mim, tendo na mão uma brasa, que retirara do altar
com uma tenaz, e tocou a minha boca, dizendo: “Assim que isto tocou teus
lábios, desapareceu tua culpa, e teu pecado está perdoado”. Ouvi a voz
do Senhor, que dizia: “Quem enviarei? Quem irá por nós?” Eu respondi:
“Aqui estou! Envia-me”. (Is 6,1-8)
Antes do Senhor enviar Isaias para uma missão muito difícil:
denunciar o pecado do seu povo, inclusive dos reis de Israel; Deus o fez
ver a Sua glória e se encantar por Ele: “ toda a terra está repleta de
sua glória”. Depois purificou o profeta dos seus pecados com uma brasa
do altar do Altíssimo. Então, Isaias aceitou o pedido de Deus: “Aqui
estou! Envia-me”.
A primeira lição que precisam aprender quem quiser ser enviado do
Senhor, é “se encantar por Ele e por Suas obras”. Sem isso não somos
conquistados por Deus. Sem observar a beleza do Criador em Suas obras,
desde as mais pequeninas, não se entregará o coração a Ele, e não irá
por Ele. Quem não enxergar o Rosto do Senhor no espelho da Criação, será
difícil enxergá-lo de outra forma. “Santo, santo, santo é o Senhor dos
exércitos; toda a terra está repleta de sua glória”. A beleza dos seres
criados revela a santidade do Senhor e nos conquista para Ele. Só alguém
conquistado por Jesus, se entrega a seu serviço, de coração. É como um
jovem apaixonado por uma donzela; faz tudo que ela quer, com alegria,
satisfação, sem mesmo sentir o peso dos sacrifícios. É a força do amor.
Em seguida Deus purifica Isaias de seus pecados, “queima-lhe os
lábios” com uma brasa do altar. É Deus mesmo quem purifica, no cadinho
da humilhação, aqueles que Ele separa para o seu serviço (cf. Eclo 2).
Só pode ver Deus quem tem o coração limpo. “Bem aventurados os que têm o
coração puro, porque verão a Deus” (Mt 5,8). É preciso que nosso
coração seja limpo do pecado: a soberba e o amor próprio, o
exibicionismo, o apego ao mundo e às consolações humanas, a luxúria do
sexo e da gula, a inveja, o ciúme, o ódio… tudo isso cega os olhos da
alma e não nos deixa ver Deus nem nas suas obras mais lindas.
Mas é o próprio Senhor quem deve nos purificar; com uma brasa ardente
do Seu altar, com o fogo do Seu Espírito, no Seu Sangue derramado sobre
nossas almas na Confissão. Deixemos que o Senhor então nos purifique,
nos prepare, como preparou Isaías e Pedro, para grandes missões. De
nossa parte temos apenas que fazer a Deus o dom de nossa vida,
tranquilamente, deixando-nos conduzir por seu amor. Ele fará o resto.
Prof. Felipe Aquino
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