A
polêmica dos cristãos com a “ideologia de gênero” reacendeu o debate
sobre o preconceito. As recentes notícias sobre a legalização do aborto
em caso de microcefalia evidenciam, porém, que há algo pior que o
preconceito: a obstinação pelo mal.
As manifestações contra a "ideologia de gênero" nos planos municipais de educação fizeram ressurgir uma velha rusga entre os laicistas e a Igreja. Aqui e ali, autoridades civis, jornalistas, professores e líderes sociais acusaram os cristãos de serem preconceituosos, por supostamente se negarem a aceitar os direitos civis e humanos dos homossexuais.
A palavra preconceito, originalmente, diz respeito àqueles juízos fundados no senso comum, isto é, num estilo de pensamento vulgar, que nem sempre converge para a verdade. Neste sentido, uma pessoa é preconceituosa quando assume uma determinada posição política, ideológica ou religiosa, previamente e sem a devida reflexão, levada tão somente pelo que está habituada a ouvir no noticiário local, na pregação do sacerdote ou nas cátedras universitárias. Dada a autoridade de que gozam essas fontes de informação, as mentes mais simples logo dão crédito a elas, ainda que estejam equivocadas.
Preconceito está ligado à ignorância. Uma pessoa que ignora a Biologia pode achar que a "Amazônia é o pulmão do mundo". Uma pessoa que ignora a Astronomia pode simplesmente negar as evidências de que o homem pisou na Lua. Uma pessoa que não compreende a Medicina pode acreditar nas "bênçãos para arca caída". Assim como uma pessoa que nada entende de Igreja Católica, cristianismo e matrimônio pode rotular os cristãos de preconceituosos apenas porque viu na mídia que eles lotaram as câmaras municipais do país para barrar uma fantasiosa "ideologia de gênero", como pintaram muitos jornais e educadores por aí.
De fato, uma parte considerável dos que se dispuseram a lutar contra a inclusão da palavra "gênero" nos currículos escolares mal sabe quem é Judith Butler e o que significa a sua teoria dos queers. Melhor seria, é verdade, que, antes de se exporem ao confronto com um pensamento tão complexo, tivessem estudado a fundo a questão. Alicerçada na máxima fides quaerens intellectum, a Igreja sempre defendeu a importância da razão sobre o fideísmo das seitas, cujas doutrinas negam essa faculdade humana que mais nos assemelha a Deus. Até para excomungar o Código do Direito Canônico exige que o fiel tenha conhecimento pleno do delito que cometeu.
O senso comum, porém, nem sempre está errado. Ao contrário, todo conhecimento, dizia Aristóteles, tem origem nos sentidos. No caso da "ideologia de gênero", se é verdade que muitos cristãos não entendiam plenamente do que se estava tratando, muito mais verdade é que a Igreja, guiada pela sabedoria da filosofia perene, tinha justas razões para motivar-nos a protestar contra uma ideologia que está longe de ser um consenso entre a comunidade científica. Mesmo vozes ateias têm suas dúvidas acerca do assunto:
Ademais, é de se questionar se os próprios homossexuais entendem a teoria de gênero, a julgar pelas respostas totalmente ambíguas que representantes da pauta deram todas as vezes em que foram questionados e pela agressividade com que tantos militantes atacaram os que deles discordavam. Quem está convencido da verdade não precisa recorrer à violência para defendê-la. E isso ficou bem claro no comportamento exemplar dos muitos cristãos que, em resposta aos ataques sofridos, apenas rezavam preces e cantavam bênçãos.
Com tantas evidências, é difícil não entender a "ideologia de gênero", conforme pensada pela mentalidade LGBT, como um ataque aos direitos humanos e civis, que se fundamenta em uma visão banal da sexualidade, reduzida a um mero produto dos desejos e da arbitrariedade. Para lembrar uma brincadeira de G. K. Chesterton, "um elefante ter uma tromba era esquisito; mas todos os elefantes terem tromba parecia uma trama". Uma coisa é lutar contra a violência doméstica, contra a desigualdade no trabalho, contra a exploração sexual etc.; outra bem diferente é a estupidez que leva pais, aconselhados por professores militantes do "gênero", a darem hormônios que inibem a puberdade a seus filhos. Na verdade, essa ideologia é um verdadeiro atentado aos direitos humanos. Qualquer pessoa é capaz de percebê-lo.
Pior do que o preconceito, contudo, é aquela mentalidade já bem formada, que sabe distinguir perfeitamente o certo do errado, mas ainda assim prefere guiar-se pelos seus próprios interesses e benefícios. O preconceito se resolve com esclarecimento, a obstinação pelo erro não se resolve nem com exorcismo. Essa obstinação é a que está por trás, por exemplo, da pressão ao STF pela legalização do aborto em caso de microcefalia. Os mesmos que acusam a Igreja de obscurantismo no caso da "ideologia de gênero" advogam a matança de bebês "sub-humanos" — para citar os comentários de alguns —, sob o pretexto de um direito à dignidade. Mas que dignidade é essa que para se sustentar precisa negar o direito mais fundamental ao mais indefeso dos indefesos?
Não podemos dizer que essas pessoas são ignorantes e "não sabem o que fazem", porque isso significaria eximi-las de suas responsabilidades. Essas pessoas são políticos, doutores, filósofos, juízes, antropólogos, que têm plena consciência de seus propósitos. Obcecadas pelo fetiche do materialismo, apenas enxergam valor numa vida que possa aproveitar ao máximo dos bens terrenos, dos prazeres da carne e das ofertas do mundo, pelo que tudo aquilo que representa dor e sofrimento deve ser extirpado como um câncer. É assim que, ao mesmo tempo, condenam a Igreja por considerar um escândalo a inibição da puberdade induzida por remédios e defendem a matança de crianças deficientes pelo prejuízo financeiro e psicológico que elas poderiam causar aos pais.
No fundo, trata-se do velho egoísmo e do horror à cruz: a errônea utopia de uma sociedade só de prazeres.
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
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