Contudo, o que garante que
Deus ouvirá
propício as suas súplicas, sendo o homem demasiadamente insuficiente?
Quais as condições necessárias para tornar nossa oração infalível e até
mesmo onipotente?
Assim como a santidade só é alcançada
mediante a prática heroica de todas as virtudes, da mesma forma, a
oração possui diversos graus até atingir o esplendor perfeitíssimo da
união com Deus. Pois, "na oração as delícias das almas são como as que
no céu devem ter os eleitos".[2]
Os mestres de vida espiritual dividem os graus da oração em nove.
O primeiro, por ordem ascendente,
corresponde à oração vocal, a qual está ao alcance de todos. Ela se
manifesta com palavras e, por isso, é a única forma de oração pública ou
litúrgica. Para que seja eficaz possui duas condições: deve ser feita
com atenção e profunda piedade.
É ainda de se saber que há três atenções
sem as quais a oração vocal não será possível. A primeira é estar
atento às palavras, para que nela não cometa erro; a segunda é prestar
atenção no sentido das palavras; a terceira, que é a máxima necessária,
considerar o fim da oração, isto é, a Deus e ao objeto da oração.[3]
A esse respeito escreveu Santa Teresa:
Para ser oração é necessário reflexão.
Não chamo oração mexer com os lábios sem pensar no que dizemos, nem no
que pedimos, nem quem somos nós, nem quem é Aquele ao qual nos
dirigimos. Algumas vezes poderá acontecer isso a pessoas que se esforçam
por rezar bem,mas será por motivos que se justificam, e será boa a
oração. (Nao entendi) Porém, o costume de falar à Majestade de Deus como
quem fala a um estranho, dizendo o que lhe vem à cabeça, sem reparar se
está certo, por ter decorado ou repetido muitas vezes, - a isso não
tenho em conta de oração. Não permita Deus que cristão algum reze desse
modo![4]
Comete verdadeiro pecado de
irreverência, aquele que realiza a oração com distrações voluntárias,
além de impedir seus frutos.[5]
Sobre a segunda condição, nos ensina o Pe. Royo Marín:
Com a atenção, aplicamos nossa
inteligência em Deus. Com a piedade colocamos a vontade e o coração em
contato com Ele. Essa piedade profunda envolve e supõe um conjunto de
virtudes cristãs de primeira categoria: a caridade, a fé viva, a
confiança, a humildade, a devoção e reverência frente à Majestade divina
e a perseverança.[6]
Essa oração não é uma prática
facultativa, sendo de suma importância na vida espiritual exercitá-la
com fervor. Estando com saúde ou agonizante, na consolação ou na aridez,
mesmo nos mais altos patamares da santidade, jamais poderá o homem
abandonar essa prática diária, pois do contrário poderia comprometer a
sua salvação eterna.
A meditação constitui o segundo grau da
oração, e é onde as almas "percebem melhor os chamamentos e convites
diversos que faz o Senhor".[7] Ensina-nos a teologia que a meditação
"consiste na aplicação racional da mente a uma verdade sobrenatural a
fim de nos convencermos dela e nos mover a amá-la e praticá-la com a
ajuda da graça".[8] Neste grau será essencialmente utilizada a razão,
sem a qual a meditação não poderá efetivar-se. Por isso, proclamava o
Apóstolo: "orarei com o espírito, mas orarei também com o entendimento;
cantarei com o espírito, mas cantarei também com o entendimento" (I Cor
14, 15).
A meditação tem duas finalidades: uma
intelectual e outra afetiva. A primeira é comparável a uma muralha
inexpugnável que nos concede convicções firmes e enérgicas contra os
inimigos da alma. Em outras palavras, é ela que, ao desaparecer a
felicidade sensível e momentânea, cria raízes na alma e não deixa que,
sem resistência, nos entreguemos ao menor sopro das paixões. "Não se
pode construir uma casa sólida sobre a areia movediça do sentimento; é
preciso um fundamento pétreo e inamovível das convicções profundamente
arraigadas na inteligência".[9]
Com efeito, é preciso que a meditação esteja acompanhada de nossos afetos, que é a parte principal da meditação:
Esta começa propriamente quando a alma
inflamada com a verdade sobrenatural que o entendimento convencido lhe
apresenta, prorrompe em afetos e atos de amor a Deus, com quem
estabelece um contato íntimo e profundo [...].[10]
Esta oração é um dom particularíssimo de
Deus no qual as almas são introduzidas e inebriadas no amor divino. Ela
é incompatível com o pecado, e os homens que não meditam, facilmente se
deixam levar pelo ímpeto das paixões desordenadas. "Com os demais
exercícios de piedade, a alma pode continuar vivendo no pecado, mas, com
a oração mental bem feita, não poderá permanecer nele muito tempo: ou
deixará a oração ou deixará o pecado".[11] À alma absorta e embevecida
não resta ocasião para pensar em si mesma, pois só se ocupa do que diz
respeito ao Amado, como afirma São Bernardo: "rara é essa hora, e o
tempo que nela se gasta é sempre breve, pois, por mais dilatado que
seja, parece um sopro".[12]
"O amor é fruto da oração fundada na
humildade".[13] Por ser esta forma de oração tão sublime, devemos
pedi-la com verdadeira submissão, restituindo a Deus todos os benefícios
que por meio dela recebemos.
Esse método de oração deve ser assíduo e
perseverante. A alma que procura levar uma vida rumo à perfeição,
entregando-se inteiramente ao apostolado, mas desprezando a oração
mental, longe está da brisa da santidade, afirmam os teólogos. Continua o
Doutor Melífluo:
Eu, por minhas forças, não posso chegar a
esse amor, a essa união e contemplação tão levantada; só peço que Ele
ma conceda a mim. Só o Senhor por sua bondade e gratuita liberalidade
nos há-de levantar a este ósculo de seus divinos lábios, a esta altíssima oração e contemplação.[14]
A oração afetiva ocupa o terceiro grau
da oração. Ela é uma espécie de meditação simplificada e orientada ao
coração, na qual predominam os afetos da vontade sobre o discurso do
entendimento. Ela representa um profundo descanso para a alma, uma vez
que diminui o rude labor da meditação discursiva. Em relação a esse
pormenor, incomparáveis são as vantagens espirituais concedidas neste
terceiro grau: uma união mais íntima e profunda com Deus, pela qual nos
aproximamos cada vez mais do objeto amado; um desenvolvimento especial
das virtudes infusas em conexão com a caridade, além de consolos e
suavidades sensíveis que servem de estímulo e alento para a prática das
virtudes cristãs.
Esses preciosos auxílios, entretanto,
poderão ver-se comprometidos, caso não se faça bom uso deles. O
verdadeiro fervor reside na vontade, não na sensibilidade. Desta forma, a
alma poderá usar das consolações, mas não viver somente delas. Do
contrário, passará a ter uma gula espiritual, como explica São João da
Cruz, que impulsiona a buscar na oração afetiva a suavidade dos consolos
sensíveis ao invés do estímulo para a prática austera das virtudes.[15]
Os frutos da oração afetiva não são medidos pela quantidade de
consolações sensíveis, mas pelas manifestações cada vez mais intensas
das virtudes. "Ó Jesus, haverá quem não queira tão grande bem,
especialmente se já passou pelo mais trabalhoso? Não, nenhum de
nós!".[16]
Simples visão, olhar amoroso a Deus ou
às coisas divinas que acende na alma o fogo do amor: eis o quarto grau
da oração, conhecido como oração de simplicidade. Os três primeiros
graus pertencem à ascética na qual se sobressai o esforço. Já o quarto
representa a transição progressiva e gradual da ascética à mística, que é
ação direta da graça. Nesse estágio a alma é levada por um ardente
desejo de glorificar a Deus e de buscá-Lo em pequenos afazeres,
unindo-se a Ele com um olhar carregado de amor, como afirma Santa
Teresa:
Só quero que vos compenetreis bem do
seguinte: para aproveitar neste caminho e subir às moradas desejadas, o
essencial não é pensar muito - é amar muito. Escolhei de preferência o
que mais vos conduzir ao amor. Talvez nem saibamos o que é amar, o que
me espanta. Não consiste o amor em ser favorecido de consolações.
Consiste, sim, numa total determinação e desejo de contentar a Deus em
tudo, em procurar, o quanto pudermos, não ofendê-Lo e em rogar-Lhe pelo
aumento contínuo da honra e glória de seu Filho e pela prosperidade da
Santa Igreja Católica.[17]
Nessas circunstâncias, a alma é
convidada a mergulhar em seu interior, baseando-se na grande verdade de
que "Deus está dentro de nós mesmos",[18] o que prepara a alma para
saber escutar a voz do Altíssimo. Cada grau da oração significa um novo
avanço rumo ao Reino dos Céus; na oração de simplicidade, com menos
trabalho e esforço, a alma consegue resultados mais intensos.[19]
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Notas: -
1] SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q. 39, a. 5.
[2] SANTA TERESA DE JESUS. Livro da vida. Trad. Maria José de Jesus. 9. ed. São Paulo: Paulus, 2005, p. 72.
[3] Ibid. II-II, q.83, a. 13.
[4] SANTA TERESA DE JESUS. Castelo interior ou Moradas. 11. ed. São Paulo: Paulus, 2003, p. 23.
[5] Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, q. 83, a. 13.
[6] ROYO MARÍN, Antonio. Teología de la perfección cristiana. 5. ed. Madrid: BAC, 1968, p. 655. (Tradução da autora).
[7] SANTA TERESA DE JESUS. Castelo interior ou Moradas. Op.cit. p.42.
[8] ROYO MARÍN. La oración del cristiano. Op. cit. p. 26. (Tradução da autora).
[9] Id. Teología de la perfección cristiana. Op. cit. p. 662.(Tradução da autora).
[10] Loc. cit. (Tradução da autora).
[11] Ibid. p.663. (Tradução da autora).
[12] SÃO BERNARDO, apud RODRIGUES, Afonso. Op. cit. p. 19.
[13] SANTA TERESA DE JESUS. Livro da vida. Op. cit. p. 73.
[14] SÃO BERNARDO, apud RODRIGUES, Afonso. Op. cit. p. 23.
[15] Cf. ROYO MARÍN. Teología de la perfección cristiana. Op. cit. p. 674-677.
[16] SANTA TERESA DE JESUS. Castelo interior ou Moradas. Op. cit. p. 56.
[17] Ibid. p. 75.
[18] Ibid. p. 87.
[19] Cf. ROYO MARÍN. Teología de la perfección cristiana. Op. cit. p. 681.
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