A obediência jurídica aos mandamentos de Deus não é suficiente para atingir a perfeição ensinada por Jesus.
O início da vida espiritual é marcado por um forte entusiasmo no
relacionamento com Deus e a Igreja. O indivíduo sente-se atropelado pela
nova descoberta, algo que o leva a querer aprofundar-se cada vez mais
como também a compartilhar esse sentimento com os outros à sua volta,
seja pai, mãe, irmão ou amigo. Entra em confrarias, reza novenas, faz
consagrações e vigílias. Todos os que já percorrem há algum tempo o
caminho da perfeição — na linguagem de Santa Teresa — conhecem bem esse período da fé. É quase como em um namoro.
É neste período também que as pessoas geralmente progridem na luta
contra os pecados mais grosseiros, isto é, os pecados mortais, que
impedem o acesso à Santíssima Eucaristia. Como um bebê a aprender os
primeiros passos, o neófito começa a caminhar pela estrada da santidade
de maneira bastante determinada, apesar das muitas quedas. A criança,
quando decide levantar-se do chão e retomar seu percurso, conta com a
ajuda dos pais. Isso lhe dá confiança para seguir em frente, pois
sozinha, a lição tornar-se-ia demasiado difícil. Assim ocorre com o
recém convertido. Ele conta com o auxílio de Deus, dos anjos e dos
santos para vencer suas primeiras batalhas.
Neste sentido, o que chamamos de empolgação inicial seria, na verdade,
mais um sopro do Espírito Santo a incentivar-nos ao combate contra o
gigante Golias. Sem o auxílio da graça, bem sabemos disso, a luta contra
as seduções do mundo, da carne e do diabo é muitíssimo dura — ainda
mais para aqueles que viveram chafurdados na lama dos vícios por um
longo tempo. É o que lemos, por exemplo, nas
Confissões de Santo Agostinho. O grande doutor da Igreja
precisou de muita oração antes de, finalmente, dar adeus àquelas suas
companheiras perniciosas, as quais lhe diziam em tom de lamentação:
"Você vai nos deixar?" [1].
Bento XVI resume esse processo de conversão em brevíssimas palavras:
"Quem quer dar amor, deve ele mesmo recebê-lo em dom" [2]. Deus nos
chama à grande missão da caridade: amar sem medida. Mas, para que isso
aconteça, o homem necessita de ser purificado e preenchido pelo amor
divino, uma vez que a ferida do pecado danificou sua capacidade de olhar
as demais pessoas como criaturas amadas por Deus. Pelo contrário, o
homem escravo do pecado trata seus irmãos como objetos de satisfação
pessoal.
O ser humano precisa aprender novamente a amar. E esse aprendizado só é
possível dentro de um ambiente de virtudes, ou seja, "o sujeito moral
deve estar dotado de um certo número de disposições interiores" se
quiser encontrar a justa medida das coisas [3]. É por isso que Deus o
cumula de graças. Somente assim ele pode, diante da tentação, triunfar
sobre os pecados mortais, como explica o profeta: "Eu lhes darei um só
coração e os animarei com um espírito novo: extrairei do seu corpo o
coração de pedra, para substituí-lo por um coração de carne" (
Ez 11, 19). De outro modo, o ser humano fica insensível aos apelos da lei natural.
A conversão, contudo, não é todo o projeto de Deus. Atenção! O homem
não é chamado apenas à obediência aos Dez Mandamentos. Para isso,
bastariam Moisés e as exortações do Antigo Testamento.
O projeto de Deus consiste na perfeição. Jesus veio para convidar o ser humano a tornar-se perfeitamente santo, como o Pai é santo (cf.
Mt 5, 48). De fato, para alcançar o Céu — e vemos isso na
resposta de Cristo ao jovem rico —, basta o cumprimento das leis eternas
(cf. Mt 19, 17). O chamado de Jesus, por outro lado, desafia o homem a uma jornada muito maior.
Essa afirmação pode nos assustar, a princípio, mas constatamos sua
veracidade em nossas próprias vidas. Após certo tempo daquele primeiro
encontro, daquele início de namoro, percebemos o começo de outra fase,
frequentemente caracterizada por um sentimento de aridez e insatisfação.
Assim como o jovem rico, cumprimos os mandamentos, rezamos e dedicamos
tempo às tarefas da Igreja. No entanto, permanece em nosso íntimo uma
sensação de vazio, a qual, sem o discernimento de um bom diretor
espiritual, pode levar à tibieza e à desesperança. A concessão
deliberada aos pecados veniais é a marca mais evidente desse tempo.
Por que motivo isso acontece? Vários autores espirituais já explicaram
as causas desse "deserto" em que alma mergulha, por assim dizer, após a
chamada
primeira conversão. Em um primeiro momento, pode se tratar apenas de uma frouxidão espiritual.
A alma cansou-se de lutar por sua conversão. Na maioria dos casos, é o
mais comum. Para os mais progredidos na fé, todavia, há a possibilidade
de uma noite escura dos sentidos,
isto é, a purificação passiva que Deus opera na alma do fiel, a fim de
que seja capaz de desapegar-se totalmente do mundo material. Em resumo,
Deus oculta-se para que o busquemos; "e para que continuemos a indagar,
mesmo depois de encontrá-lo, é inesgotável: sacia os desejos conforme a
capacidade de quem investiga" [4].
Esse segundo passo na conversão é necessário para que não nos tornemos
anões espirituais. Conforme explica o padre Garrigou-Lagrange, "um
principiante que não entra na via dos avançados quando deveria, não
permanece principiante mas se torna uma alma retardada" [5]. Foi o que
aconteceu com o jovem rico. Diante do convite de Jesus a uma
segunda decolagem
em seu voo espiritual, o jovem rico acabou optando pelo pouso. "Ouvindo
estas palavras, o jovem foi embora muito triste, porque possuía muitos
bens" (Mt 19, 22). Na vida espiritual, quem não progride, recua.
Jesus chama-nos à perfeição. Quer que entremos no Céu pela porta da
frente. E isso requer uma entrega generosa de nossa parte. O purgatório
existe justamente para aqueles que não foram generosos e preferiram
entrar no Céu pela porta dos fundos. Por isso, com razão pode-se chamar o
purgatório de um estado de lamentação e ranger de dentes.
A alma chorará pelas oportunidades que Deus lhe deu para amar, mas não foram aproveitadas devido ao apego às ninharias do mundo.
O indivíduo que "cresce perante os obstáculos", por sua vez, realiza na
sua vida as palavras de São Josemaría Escrivá aos seus filhos
espirituais: "Que importa que de momento tenhas de restringir a tua
atividade, se em breve, como mola que foi comprimida, chegarás
incomparavelmente mais longe do que nunca sonhaste?" [6]. Deus, embora
aparentemente oculto, não deixa de acompanhar-nos com a Sua graça.
Peçamos a Deus e à Virgem Santíssima a força necessária para caminharmos resolutamente na estrada da perfeição!
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Referências
- Cf. Santo Agostinho, Confissões, VIII, 11 (PL 32, 760-761).
- Bento XVI, Carta Encíclica Deus Caritas Est (25 de dezembro de 2005), n. 7.
- Comissão Teológica Internacional, Em busca de uma ética universal: novo olhar sobre a lei natural (6 de dezembro de 2008), n. 55.
- FERNANDEZ-CARVAJAL, Francisco. Falar com Deus: meditações para cada dia do ano (VII). São Paulo: Quadrante, 2005, p. 107.
- GARRIGOU-LAGRANGE, Reginald. As três vias e as três conversões. Rio de Janeiro: Permanência, 2011, p. 48.
- Caminho, n. 714.
Nenhum comentário:
Postar um comentário