“Doravante
todas as gerações me chamarão bem-aventurada”
Domingo da Assunção de Maria ao céu. A
Igreja celebra uma das festas mais importantes e mais antiga da Virgem Maria
que é sua Assunção ao céu. No início do século IV esta festa era chamada de “DormitioVirginis”,
isto é Dormição da Virgem (passagem para outra vida). A Assunção de Maria, verdade
professada desde os primeiros séculos, tanto no Oriente como no Ocidente, foi
proclamada dogma pelo papa Pio XII como verdade de fé no dia 1 de novembro de
1950 com a bula Manificentissimus Deus.
No Brasil, a piedade popular venera
Maria assunta ao céu como Nossa Senhora da Glória, Nossa Senhora da Boa Viagem,
Nossa Senhora da Abadia, Nossa Senhora do Pilar...
Celebramos esta festa da Páscoa de
Maria dando graças ao Pai que eleva a humilde mulher, Maria de Nazaré, e nela,
“primeira da fila”, nos oferece o sinal da vitória definitiva de toda a
humanidade, pela força da ressurreição de Jesus Cristo, nosso Salvador.
Somos chamados a participar desta
gloriosa vitória, vivendo o projeto de Jesus que vence, pelo poder da entrega
da vida, a força enganosa e aparente do dragão que devora e destrói todas as
possibilidades de uma vida humana digna e feliz.
Hoje, cantamos com Maria a esperança
dos pobres e pequenos, a quem Deus, em sua infinita misericórdia, liberta e
exalta.
“Grande sinal apareceu no céu: uma mulher
que tem o sol por manto, a lua sob os pés e coroa de doze estrelas na cabeça.”
(Apocalipse 12,1)
Reflexão
bíblico, Exegética e Litúrgica
Primeira
leitura – Apocalipse 11,19a; 12,1-6a.10ab.
Esta leitura reagrupa elementos que não
pertencem ao mesmo conjunto. O versículo 19 do capítulo 11 se liga aos
versículos 1-3 do mesmo capítulo: o Templo de Deus é a Igreja (por oposição ao
Templo de Jerusalém) e, conforme a tradição judaica (2Macabeus2,5-8), a arca da
Aliança reaparece por ocasião da chegada do Reino de Deus.
A mulher ornada com o esplendor – o
sol, a lua e 12 estrelas, imagens tradicionais – simboliza o povo de Deus:
primeiramente o antigo Israel de que Jesus nasceu segundo a carne, em seguida o
Israel novo, a Igreja, corpo de Cristo. A criança do sexo masculino posta no
mundo pela Mulher é evidentemente o Messias, encarado tanto em sua realidade
histórica quanto misticamente nos cristãos. Faz-se referencia à Ascensão e ao
Cristo sentado á direita do Pai (versículo 6), que anuncia a queda definitiva
do Dragão, ao passo que a mulher foge para o deserto onde Deus lhe preparou um
refúgio. Desde o Primeiro Testamento o deserto é considerado como refúgio
tradicional dos perseguidos (cf. 1 Reis 17,3-6; 1Macabeus 2,29).
O versículo 10 exprime a vitória de Deus
e a dominação de seu Cristo, depois que o arcanjo Miguel e seus anjos tiverem
vencido o Dragão (versículos 7-9).
A leitura do Apocalipse nos apresenta a
mulher símbolo da comunidade. Ela está adornada de todo o seu esplendor: veste
de sol, sinal da glória do Senhor, isto é, é protegida por Deus; tem aos pés a
lua, símbolo de alguém que não será vencido pelo passar do tempo, isto é, já
possui a eternidade de Deus; usa uma coroa de doze estrelas, simbolizando o
povo de Deus, o antigo Israel, com suas doze tribos, do qual nasceu, e depois o
novo Israel, a Comunidade-Igreja, Corpo de Cristo, Povo de Deus perseguido pelo
dragão. Está grávida, na hora de dar à luz, como Maria e a Igreja, que fazem
Jesus nascer na história e na vida das pessoas.
Não se trata, digamos logo, de uma
reflexão em torno da figura de Maria e sim de um chamado endereçado a
comunidades cristãs, sofredoras e desanimadas, para que descubram melhor tanto
o significado do compromisso de sua fé no Ressuscitado como o sentido do
desafio ao qual esta fé as mede no cotidiano de sua existência presente.
O autor do Apocalipse abre bem o
horizonte de sua mensagem à Igreja inteira. Uma Igreja que, logo depois dos
anos 70, defronta-se com uma série de problemas concretos: o atraso da volta do
Senhor, as perseguições do Império Romano, as suas próprias divisões interna.
Uma Igreja que, sem dúvida nenhuma, sofre, mas cujo primeiro impulso religioso
parece também ter-se congelado.
Essa incompatibilidade entre a Mulher e
o dragão remete diretamente ao Gênesis 3,15, e se fica claro que essa criança é
o Messias esperado (Apocalipse 12,5) que já veio, andou no meio dos homens,
morreu e ressuscitou, esse Messias assim como o Reino que inaugurou permanecem
realidades que o próprio povo de Deus (a mulher-Igreja) tem ainda hoje que
produzir.
A aplicação desse texto à Virgem Maria
tem um fundamento tradicional. Santo Agostinho e São Bernardo viram na Mulher
do Apocalipse o símbolo de Maria, embora um tal sentido seja estranho ao autor
do Apocalipse. No entanto todos os textos da Escritura Sagrada que traz
presente o mistério da Igreja podem ser aplicados à Virgem Maria, na medida em
que o seu verdadeiro mistério se inscreve no mistério da Igreja e o ilumina ao
mesmo tempo, conforme lembrou o Concílio Vaticano II. A “Mãe do Messias”
representa assim muito mais que uma pessoa individual.
Quanto à imagem da arca da Aliança
aplicada à Virgem Maria (Apocalipse 11,19), lembra o tema focalizado pela
primeira leitura da Missa da Vigília.
Salmo responsorial44/45,10 bc. 11.12ab.16.
Conforme alguns especialistas, este Salmo poderia ter sido canto profano para
as núpcias do rei israelita, Salomão, Jeroboão II ou Acab (que desposou uma
princesa da região pagã de Tiro, 1 Reis 16,31). Mas a tradição judaica e cristã
o interpretam com referência às núpcias do Rei-Messias com Israel (figura da
Igreja; cf. Cântico dos Cânticos 3,11; Isaias 62,5; Ezequiel 16,8-13 etc.), a
liturgia por sua vez estende a alegoria, aplicando-a a Maria. O poeta dirige
primeiramente ao Rei-Messias, aplicando-lhe os atributos de Deus (Salmo
145/144,4-7.12-13 etc.) e do Emanuel (Isaias 9,5-6), depois à rainha (vs.
11-17).
O Salmo de hoje, portanto, celebra a
festa de casamento de um rei e uma princesa; mas para nós é a celebração da
Aliança que Deus faz com seu povo. Costumamos rezá-lo pensando em Maria de
Nazaré como lindíssima esposa e primeira da lista dos ressuscitados com Cristo.
Cantando este Salmo na celebração deste
domingo, nós bendizemos a Deus que ficou do lado da Igreja perseguida pelo
dragão e pedimos que Ele venha em socorro do seu povo em luta contra o
sofrimento e a morte.
R: À vossa direita se encontra a
rainha, com veste esplendente de ouro de ofir.
Segunda
leitura – 1 Coríntios 15,20-27a.
A razão da escolha desta leitura para a
liturgia de hoje é a idéia da ressurreição e da vitória sobre a morte, pela
qual termina a perícope litúrgica (versículo 26), truncada de uma maneira que
fere um pouco a sensibilidade do especialista em Bíblia que é o exegeta.
No contexto de 1 Coríntios, a idéia
principal do texto em questão é a ressurreição. O capítulo inteiro é consagrado
a esse tema. Uma das mais complexas passagens do capítulo 15 da primeira carta
aos coríntios, em que Paulo elabora sua doutrina da ressurreição dos mortos. O
apóstolo se dirige a correspondentes que crêem na imortalidade da alma e
consideram a morte como uma libertação, para a alma, do corpo material e
corruptível. Os gregos acreditavam na imortalidade da alma, por isso tinham
dificuldade de acreditar na ressurreição da pessoa como um todo. Paulo defende
a concepção judaica da unidade da pessoa: o homem não é composto de uma alma e
de um corpo; é um ser pessoal, único, que, desde a ressurreição de Cristo, sabe
que Deus lhe concederá a vida eterna.
O versículo 19 serve, de fato, de
transição para os versículos 20ss. Não se trata somente da ressurreição de
Cristo (que os coríntios parecem aceitar como querigma: vs. 11 e 13-14) e sim
da nossa própria ressurreição.
Ora, aqui se situa o versículo que
justificou a escolha deste trecho para a liturgia de hoje: o último inimigo a
ser destruído é a morte (v. 26).
Paulo apresenta um conceito “não
físico” da ressurreição: o corpo da ressurreição não é “animal”
(biológico-psíquico, mundano), mas um “corpo espiritual”, isto é, pertencendo à
esfera divina; já não é o corpo do homem terrestre (Adão), mas do homem celeste
(Cristo) (vs. 42-50).
Desta transformação gloriosa em imagem
do Novo Adão, Maria é a antecipação: este é o sentido da sua Assunção ao Céu,
ou seja, da sua glorificação.
Evangelho
– Lucas 1,39-56
Naqueles dias, 39Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judeia. 40Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel. 41Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. 42Com um grande grito, exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! 43Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? 44Logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança pulou de alegria no meu ventre. 45Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu”
O Evangelho desse domingo inicia com o
relato da visita de Maria a Isabel (vs. 39-45) e o Magnificat que a ele se
vincula (versículos 46-55) convêm perfeitamente à festa da Assunção, pois os
temas que trazem presente são, antes de tudo, temas de vitória.
1) O relato da visitação traz presente
a transferência da arca da aliança para Jerusalém (2 Samuel 6,2-11). Como a
arca, Maria vai para o país de Judá, em direção a Jerusalém (v. 39; cf. 2
Samuel 6,2), e sua viagem suscita as mesmas manifestações de alegria
(versículos 42 e 44; cf. 2 Samuel 6,2), isto é, “danças” sagradas (versículo
44, em que a criança “salta” no seio de sua mãe; cf. 2 Samuel 6,12). Ela
repousa na casa de Zacarias (v. 40) assim como a arca na casa de Obed-Edom (2
Samuel 6,10), e é, assim como ela, fonte de bênçãos (v. 41; 2 Samuel 6,11-12).
O “grito” de acolhida de Isabel (versículo 43) reproduz quase textualmente as
palavras de Davi diante da arca (2Samul 6,9). Enfim, Maria, assim como a arca,
permanece três meses na casa de seus hóspedes (v. 56; cf. 2 Samuel 6,11).
Na verdade, esse simbolismo vai ao
encontro da idéia-mestra de São Lucas: para o evangelista, os fatos que cercam
o nascimento de Jesus realizam ao mesmo tempo a profecia de Malaquias 3 (sobre
a vinda de Javé em seu Templo) e a de Daniel 9 (a profecia das setenta semanas
antes da aparição de Deus). Deus já enviou seu anjo ao templo na figura de
Gabriel (Malaquias 3,1 e Lucas 1,5-25; cabe-lhe, agora, fazer sua aparição no
Templo (Malaquias 3,2). A partida de Maria para a casa de Isabel e Zacarias é a
primeira etapa que realiza as profecias; a segunda, a subida propriamente dita
a Jerusalém (Lucas 2,22-38), se completará pela apresentação oficial do Menino
no Templo de Jerusalém ao velho Simão.
A arca da Aliança simboliza
principalmente a presença de Deus no meio de seu povo, mas igualmente levava o
povo ao combate. Quando trazemos presente a arca da Aliança, portanto, nos
situa num contexto guerreiro, e Maria se apresenta como mulher vitoriosa. O v.
42, em que Isabel abençoa sua prima e a criança que ela traz em si, lembra,
certamente, as aclamações dirigidas a Iael (Juízes 5,2-31) e a Judite (Judite
13,17-18; 15,9-10 após suas respectivas vitórias sobre o inimigo. Maria,
portanto, aparece aqui como a mulher que garante a seu povo a vitória
definitiva sobre o mal e que inaugura a era messiânica em que o pecado e a
desgraça serão abolidos.
2) Quanto ao Magnificat, faz de Maria a
personificação do Israel escatológico, isto é, realidade nova e definitiva dos
pobres, a verdadeira raça de Abraão tomando posse das promessas. Nesse sentido,
Maria aparece como a imagem e o porta-voz da própria Igreja. Aliás, muitas
expressões do Magnificat se encontram no vocabulário da comunidade primitiva,
cantando seu próprio mistério (cf. o vocabulário “exaltar” em Lucas 1,46.48 e
Atos 5,13; o vocabulário “salvador” em Lucas 1,47.69.71.77 e Atos 4,12; 5,31;
13,47; o salmo 88/89,11 em Lucas 1,51 e Atos 2,30; Lucas 1,52 e Atos 2,22-38;
3,13). A assembléia eucarística, célula do Israel escatológico e objeto das
promessas feitas a Abraão, está, pois, autorizada a retomar o Magnificat por
sua própria conta.
No encontro das duas mães faz
sobressair o contraste entre as duas crianças: João Batista é o “profeta do
Altíssimo” (Lucas 1,76); Jesus é o “Filho do Altíssimo” (Lucas 1,32). Ambos,
contudo abrem os últimos tempos da história da salvação: o primeiro enquanto
precursor e pregador de um caminho (Lucas 1,76 que seguirá o outro, o próprio
Cristo Senhor (Lucas 2,11).
Nessa dinâmica geral, entende-se que o
encontro das duas crianças “na região montanhosa da Judéia” (Lucas 1,39) não se
limita a uma mera e piedosa cena de cortesia. Trata-se, na apresentação
teológica da historia da salvação feita por Lucas, de um instante decisivo, um
ponto central para o qual convergem João Batista “o maior dos profetas” (...
entretanto, “o menor no Reino de Deus de Deus é maior do que ele” (Lucas 7,28)
e Jesus, o próprio Salvador.
A bem-aventurança de Maria a si mesma
no versículo 48b não é orgulho, mas maneira normal de expressar sua gratidão de
pessoas que não sofrem de falsa humildade (cf. Gênesis 30,13; 29,32).
“Todas as gerações” (versículo 50)
anuncia uma visão universal. No versículo 51, esta universalidade é projetada
não só no sentido temporal, mas no sentido de salvação: todos, sem
discriminação. Devemos entender aqui a “misericórdia” de Deus, não como piedade
paternalista. É a hesed bíblica, a amizade leal do Deus da Aliança para com seu
povo, estendendo a nova Aliança a todos.
Uma salvação do tipo que iniciou
(depois de Ana) em Maria, é uma salvação dirigida e a realizada pelos que não
confiam nas falsas riquezas, no sucesso, na violência etc. (cf. Lucas 6,17ss).
Podemos notar que Maria já não fala do “meu” salvador. A salvação estende-se a
todos os pobres de Deus. Ele dispensa os orgulhosos (Salmo 89/90,11, derruba os
poderosos (Eclesiástico 10,14; Jó 12,19), mas sobretudo eleva os “humildes”: já
sabemos quais são: Ana (cf. 1Samuel 2,8), Maria, todos os que colocam sua
confiança no Senhor e se tornam seus “servos” (cf. Salmo 147/146,6). Ele sacia
os famintos (versículo 53, cf. Salmo 113/112,7; 1Samuel 2,5)e rejeita os que já
estão fartos (1Samuel 2,5). Podemos notar claramente de que temos aqui uma
prefiguração das Bem-Aventuranças de Jesus (Lucas 6,17-26). O Magnificat
anuncia a realização das promessas do Primeiro Testamento – por isso tinha que
ser um amontoado de citações bíblicas – mas anuncia também a realidade nova e
definitiva (escatológica) que começa em Jesus Cristo, não só a partir da sua
primeira pregação (Lucas 4,16), mas a partir da concepção virginal. É supérfluo
mostrar que esta salvação universal se realiza primeiro em Maria: ela apenas
proclama a todos a salvação que ela sente em si mesma, isto é, partilha com
todas as gerações.
O hino conclui com uma lembrança das
promessas que agora se realizam. É o encerramento do Primeiro Testamento, pelo
menos na boca de Maria (versículos 54-55). Maria era a “serva” em que cumpriram
as promessas feitas ao antigo povo de Deus que o Dêutero-Isaias gosta de chamar
de “servo” (Isaias 41,8). Deus não esquece a amizade (= misericórdia, hesed;
Salmo 98/97,3, que tem com o povo e seus “pais” “desde os tempos antigos”
(Miquéias 7,20).
Em Maria começa a realização “para
sempre”. Ela é a obra prima na ordem da salvação eterna. Por isso, o
Magnificat, entendido como inauguração do tempo novo e último, é o melhor
comentário da festa de Maria glorificada, “garantida” na ordem definitiva de
Deus.
O Evangelho de hoje é muito familiar.
Maria, grávida, visita Isabel, também grávida. Encontram-se as duas mulheres do
povo num lugarejo sem recursos e sem importância. Maria é aclamada pela prima
como bendita entre as mulheres e recita uma oração de louvor pelas maravilhas
que o Senhor realizará nela, as quais seriam plenificadas na vida da criança
que estava no seu ventre.
Há uma explosão de alegria dessas
mulheres, que reuniam duas impossibilidades humanas de ser mãe: Isabel era
idosa e estéril; Maria, jovem e virgem.
Maria é aclamada como uma
bem-aventurada: “Feliz és tu que acreditou, porque se cumprirá o que o Senhor
te anunciou”.Seu coração trasborda em “canto-oração”. Sua resposta é ação de
graças, é celebração profética e jubilosa, resumo de toda a história da
salvação. Ela é filha de Abraão e pertence a seu povo. Em Maria, neste encontro
entre o Primeiro Testamento e o Novo Testamento, se unem a promessa e a
realização e, ao mesmo tempo, se manifesta a predileção histórica do Senhor
pelos pobres e pequenos.
Maria fala de um Deus aliado dos
pequenos: sacia de bens os famintos, derruba os poderosos e eleva os humildes.
Esta é uma característica marcante do rosto de Deus que perpassa toda a Bíblia.
O Deus de Israel, o Deus de Maria, é quem tira da humilhação as mulheres
estéreis e escolhe justamente seus filhos para grandes tarefas. Envia profetas
para defender os que não têm defesa; é o Deus que rejeita sacrifícios e ofertas
no Templo se houver injustiça contra os pobres.
O cântico de Maria (Magnificat)
apresenta um projeto, que é o mesmo de Jesus: transformar o mundo antigo e
opressor de viver, onde a prepotência e a auto-afirmação humanas saem sempre
ganhando, em uma ordem nova em que triunfa a justiça para os ofendidos, os
desprezados e excluídos. O Filho de Maria veio para inaugurar o novo
relacionamento entre todas as coisas.
A
palavra celebrada vivida no cotidiano da vida
O Salmo de Maria, tradicionalmente
chamado de Magnificat, por causa da primeira palavra na tradução latina, é um
mosaico de citações de referencias do Primeiro Testamento.
Ela proclama que Deus cumpriu uma
tríplice derrubada de situações opressoras e falsas para restaurar o projeto de
Deus na humanidade: “No campo religioso”, Deus subjuga a auto-suficiência
humana, a soberba. “No campo político”, Deus destituiu do trono os poderosos e
enaltece os humildes, destrói as desigualdades humanas. “No campo social”, Deus
elimina os privilégios estabelecidos pelo dinheiro e poder. Cumula de bens os
famintos e despede os ricos de mãos vazias, para instaurar uma verdadeira
fraternidade na sociedade e entre os povos, porque todos somos filhos e filhas
de Deus.
Nossa ligação com Maria existe
justamente por ser ela uma entre os pequenos que Deus escolhe. Se houver muita
homenagem a ela e pouco compromisso com os famintos e desamparados, estaremos
fora da obra que Deus realiza em Maria.
Será que temos devoção verdadeira à
Maria do Apocalipse e do Magnificat, profeticamente do lado dos que nada têm?
Ao dizer: “Porque olhou para a
humilhação de sua serva...”, Maria faz um paralelo entre o Espírito Criador de
Deus e a situação sofrida da mulher oprimida. De um lado o desmando dos
soberbos, ricos e poderosos deste mundo e, de outro, a misericórdia de Deus que
envia seu Filho e revoluciona as relações desumanas e iníquas, elevando os
humildes e dando comida farta aos famintos. Ele olha a condição oprimida do
pobre, o estado de desgraça, de aflição e humilhação em que vivem milhões de
pessoas e envia Jesus para propor um jeito novo de viver que seja bom para
todos. O que alegra Maria é ser parte integrante do projeto de Deus para a
humanidade – salvação das opressões pessoais, mas também salvação nacional e de
toda a humanidade.
Celebramos esta festa da Páscoa de
Maria dando graças ao Pai que eleva a humilde mulher, Maria de Nazaré, e nela,
nos oferece o sinal da vitória definitiva de toda a humanidade, pela força da
ressurreição de Jesus Cristo.
A bula de definição dogmática não fala
de argumentos bíblicos, pois a Sagrada Escritura não afirma a Assunção de
Maria; mas sim do “último fundamento escriturístico” em que se baseiam os
Santos Padres e teólogos, além do comum sentir do povo cristão. Ou seja, a
Sagrada Escritura apresenta Maria intimamente vinculada à pessoa e obra do
Redentor; então, desta união plena deriva a sua participação no triunfo
glorioso do seu Filho.
Por sua vida e morte Jesus nos
libertou. Por sua vida e morte Maria participou desta obra universal. A morte
propicia ao ser humano um ato de absoluta entrega e amor a Deus. Por isso a
morte permite uma extrema realização humana. A morte liberta a semente de
ressurreição que se esconde dentro da vida mortal. Por isso no momento de sua
morte, Maria ressuscitou.
Não se trata, como em Jesus, de Ascensão
ao céu. Jesus, por própria força, em razão de sua divindade subiu ao céu, vale
dizer, penetrou no Mistério insondável da vida eterna. Maria porque é criatura
foi arrebatada por seu Filho e introduzida na glória celeste. A Assunção não é
obra de Maria, mas obra de seu Filho em favor de sua Mãe.
Acentuamos, especialmente, a
glorificação corporal de Maria. O corpo é mortal, frágil, opaco, pesado,
sujeito a limitações, doenças; este corpo, assim estigmatizado, é
transfigurado. O corpo de Maria só foi instrumento de graça e de bondade. Por
isso ele não ficou entregue à corrupção como o nosso. Foi reassumido e
entronizado no mistério do Deus Uno e Trino
A Assunção significa o definitivo
reencontro entre a Mãe e o Filho. Maria contempla a divindade de seu Filho
Jesus e desfruta de maneira sublime sua “maternidade divina e humana”. Ela se
descobre inserida no mistério da Santíssima Trindade mediante o Espírito Santo
que a fecundou e do Filho Eterno que ela, no tempo, gerou. Embora Mãe terrena
do Filho encarnado, vê-se filha no Filho Eterno e Unigênito do Pai. Agora na
glória dá-se plenamente conta de sua ligação com toda a humanidade e de sua
vinculação com a salvação da humanidade.
Maria vive agora no corpo e na alma
aquilo que nós iremos também viver quando morrermos e formos para o céu. Todos
os que estão no Senhor (2Cor. 5,6) participam de sua ressurreição. Por isso
ressuscitamos no Ressuscitado por ocasião de nossa morte.
A festa da Assunção de Maria diz
respeito à vocação definitiva de toda a humanidade, que é um dia morar com
Deus.
A exemplo de Maria e motivados por sua
Assunção, respondemos imediatamente às necessidades dos irmãos e irmãs? Que
espaço ocupam os pobres, as pessoas com deficiência, os idosos, os abandonados
em nossa vida pessoal e comunitária?
A
palavra se faz celebração
Embora o dogma da Assunção de Maria
tenha sido definido no Ocidente pelo ano de 1950, o mistério a que ele se
refere é mais antigo.
Há muito tempo, tanto no Oriente quanto
no Ocidente, celebra-se a “Dormição da Virgem” ou o TransitumMariae,
como também é conhecida esta festa. Os estudiosos a situam entre os séculos V e
VI, com origem provavelmente oriental. O enfoque teológico está no fato de
Maria ter sido santificada pela Encarnação do Verbo. Os cristãos enxergam a sua
morte como dormição e passagem: melhor ainda, entrada na glória de Deus, como
ensina São João Danasceno.
A Nova Eva
Se, temos um novo Adão, há também uma
Nova Eva. O ícone da Dormição, com o qual a Igreja desde sempre celebrou a
páscoa da Virgem, traz no centro não a Mãe, mas o Filho, para onde o olhar do
fiel converge. À base do Cristo, está deitada (dormindo! = imagem da morte) a
Virgem Maria. São dois movimentos que se cruzam: um vertical (o Cristo,
simbolizando a amizade do Céu com a terra) e outro horizontal (a Virgem
deitada, simbolizando a humanidade como terra fértil para receber a semente da
Vida.
Morte e Ressurreição, portanto, são
dois aspectos da Páscoa de Cristo que Maria, imagem do mundo remido,
experimenta. Nesse sentido é que podemos denominá-la de Nova Eva, porque é Mãe
da Nova Humanidade nascida da Páscoa de Cristo, Senhor.
O
batismo da Virgem
No mesmo ícone ao qual fazemos
referência, há três imagens da Virgem: uma deitada (a morte), outra no alto (o
trânsito ou passagem para o céu) e uma terceira: uma criança envolta em faixas
(recém-nascida!) é uma alusão à nova condição da Virgem e de todos aqueles que
nascem da Páscoa de Jesus, os cristãos e cristãs. Estão no colo de Cristo (uma
alusão do significado do Kyrie eleison ou Senhor, piedade) e portam uma nova
identidade, a alma iluminada pelo batismo.
A celebração da Páscoa de Maria,
portanto, toca-nos agora a todos, pois revela nosso destino como homens e
mulheres nascidos em gérmem pascal, pois “Maria, a Mãe de Deus, primícia, do
gênero humano, era terrena e corruptível, como filha de Adão. Porém, sendo
incorporada a Cristo, também seu corpo devia ser glorificado e tornar-se
imortal, mediante a ressurreição de seu Filho.
Ligando
a palavra com a ação eucarística
Como comunidade peregrina, grávida da
salvação de Deus, nos reunimos para celebrar. Vivemos a experiência de Maria,
que, vestida de sol e adornada de jóias bonitas, canta a esperança oferecida
aos pobres e humildes.
Com ela entoamos, alegres, nossa ação
de graças pela salvação realizada em Jesus Cristo, após termos ouvido e
acolhido a Palavra, guardando-a em nosso coração para vivê-la, como Maria
sempre fez.
Sentamos com ela à mesa do Pai e
participamos do banquete do Reino, com seu Filho Jesus, saboreando
antecipadamente a alegria de nossa elevação definitiva.
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