sábado, 2 de agosto de 2014

A LIBERDADE SEM A AUTORIDADE.


É ilusão demoníaca pensar que a obediência a Deus aprisiona o ser humano, quando é só nos conformando à Sua vontade que seremos realmente livres.
Prossegue o Papa Pio XII, em sua reflexão, dizendo que o inimigo também propugnou “a liberdade sem a autoridade” [1].
Sem dúvida, uma das manifestações magisteriais mais importantes sobre a liberdade humana está contida na encíclica Libertas praestantissimum, do Papa Leão XIII. Nela, o Santo Padre recorda que, mais importante que a liberdade, é o modo como ela é exercida:
“O homem pode, com efeito, obedecer à razão, perseguir o bem moral, dirigir-se pelo caminho reto até o fim. Mas o homem pode também seguir uma direção totalmente oposta e, perseguindo enganosas ilusões de bens, perturbar a devida ordem e correr à sua voluntária perdição.” [2]
Trata-se de uma constante na história da humanidade: o homem pensa poder ser livre prescindindo de Deus. Ao cair em tentação, Adão e Eva foram seduzidos pela ideia de ser como deuses, sobrepondo sua liberdade à autoridade de Deus, como alguém que procura fazer-se a medida de si próprio.
A sedução do mundo é de que, obedecendo à Palavra de Deus e a mandamentos tidos como difíceis de suportar, estaríamos nos privando da própria liberdade. Assim, a submissão a Deus é comparada, erroneamente, a um sistema de escravidão, no qual a nossa liberdade seria diminuída, quando não totalmente aniquilada.
É verdade que o salmista levanta os seus olhos ao Senhor “como os olhos dos escravos estão fitos nas mãos do seu senhor, como os olhos das escravas estão fitos nas mãos de sua senhora” [3]. E também é verdade que São Luís Maria Grignion de Montfort propõe, para melhor servir a Deus, o método de escravidão a Nossa Senhora. Porém, isso não significa extinguir a nossa própria vontade. É justamente o contrário! Geralmente, as ilusões que chamamos de “a nossa vontade” não são nada mais que as nossas paixões desordenadas, tentando levar-nos... rumo a lugar nenhum. Aponta o Papa Pio XII que “as faculdades inferiores da natureza humana, em consequência da queda do nosso primeiro pai, resistem à reta razão” [4]. E ainda: “Infelizmente, depois do pecado de Adão, as faculdades e as paixões do corpo, estando alteradas, não só procuram dominar os sentidos mas até o espírito, obscurecendo a razão e enfraquecendo a vontade” [5].
Uma pessoa que, por exemplo, contrai determinado vício – que é, mais que um pecado, a “disposição má da alma (...), causada pela frequente repetição dos atos maus” [6] –, ao olhar para dentro de si, percebe que a prática daquele ato, ao invés de libertá-la – como a tenta enganar o demônio –, só a escraviza mais e mais. Então, no fundo do poço do pecado, ela se vê incapaz de deixar determinada conduta, como um dependente químico que não consegue mais viver sem a droga.
Se a sua consciência, no entanto, parece “relaxada” e ela sequer sente remorso pelos atos que comete, resta lembrar que, mais que simplesmente submeter as paixões à razão, é preciso que elas sejam submetidas à reta razão, isto é, à consciência retamente formada, em conformidade com a lei de Deus. Assim como alguém que bebe veneno inevitavelmente faz mal a si mesmo, uma pessoa que usasse o argumento da consciência para fazer algo objetivamente errado, ainda assim se destruiria. Muito se fala hoje sobre não invadir o território “sagrado” da consciência humana. Está certo, mas o terreno da consciência só é sagrado se bem formado; se já foi vilipendiado, deve, por assim dizer, ser consagrado de novo. Assim como uma imagem sacra, se se quebra, precisa ser novamente abençoada.
Por isso, “a liberdade não consiste em cada um fazer o que bem entende” [7]. Isso significaria verdadeiramente a confusão e destruição da sociedade. Remata o Papa Leão XIII:
“Por sua natureza, pois, (...) a liberdade humana supõe a necessidade de obedecer a uma regra suprema e eterna; e esta regra não é outra senão a autoridade de Deus impondo-nos as suas ordenações ou as suas proibições, autoridade soberanamente justa que, longe de destruir ou de diminuir, de qualquer modo, a liberdade dos homens, a protege e a leva à sua perfeição; porque a verdadeira perfeição de todo o ser é tender e atingir o seu fim: ora, o fim supremo, para o qual deve tender a liberdade humana, é Deus.” [8]
“O fim supremo, para o qual deve tender a liberdade humana, é Deus”. Louvemos a Ele pelo dom do livre-arbítrio. Como preleciona Santo Agostinho, “embora nem toda criatura possa ser feliz (pois não alcançam nem são capazes de tal graça as feras, as plantas, as pedras e coisas assim), a que pode sê-lo não o pode por si mesma, mas por Aquele que a criou” [9]. É ilusão demoníaca pensar que a obediência a Deus aprisiona o ser humano, quando só nos conformando à Sua vontade seremos plenamente felizes, como diz Nosso Senhor no Evangelho: “Conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres” [10].









Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Referências
  1. Pio XII, Discorso agli uomini di Azione Cattolica, 12 ottobre 1952
  2. Libertas, 20 de junho de 1888, n. 1: DS 3245
  3. Sl 122, 2
  4. Sacra Virginitas, 20
  5. Ibidem, 34
  6. Catecismo de São Pio X, 956
  7. Libertas, 20 de junho de 1888, n. 12: DS 3249
  8. Ibidem, n. 13
  9. De Civitate Dei, XII, 1
  10. Jo 8, 32

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