Trata-se de um comportamento interior de acolhimento da misericórdia de Deus?
Em um seminário de oração e catequese do qual participei recentemente, falou-se da importância do perdão
e do ato de perdoar os outros. Isso depende inicialmente de uma atitude
por vontade da pessoa, que com a ajuda da graça, pode nos consentir
chegar a um perdão “completo” das pessoas que ferimos e nos feriram.
No curso desse seminário foi citada a necessidade de perdoar não apenas
os outros, mas a também a si mesmo. Todavia Pedro (Mt 18,21), na famosa
pergunta, refere-se ao “irmão” que peca contra ele, não a si mesmo.
Pergunto se encontra fundamento na Escritura o perdão
a si mesmo, muitas vezes usado também em âmbito psicológico. É possível
perdoar a si mesmo? Trata-se de um comportamento interior de
acolhimento da misericórdia de Deus?
Resposta do sacerdote
O perdão
diante do comportamento humano é um ato interessante. Mas é uma ação
que se volta ao outro. Na Bíblia não se encontra o perdão a si mesmo,
mas antes, o perdão é um ato de Deus: “Ao Senhor, que é nosso Deus,
pertence a misericórdia e o perdão…” (Dn 9,9), e como
Deus é o modelo supremo, também o homem deve perdoar. No Novo Testamento
o conceito de perdão está presente mais de 140 vezes e sempre indica o
perdão de alguma ofensa recebida do outro.
A citação de Daniel
sugere a junção de duas palavras: misericórdia e perdão. De maneira
similar, o perdão humano segue um ato de misericórdia. Tendo unido os
dois conceitos, o perdão deriva sempre de uma participação no estado
miserável do outro, resultado da culpa cometida. O erro, o pecado, a
ofensa, ou como queira chamar, torna quem o comete um mesquinho, um
miserável, portanto, passivel de culpa e julgamento. Mas é preciso
cuidado com julgar os outros. O próprio Jesus diz: não vim para julgar,
mas para salvar (cf. Jo 3,16.21). E a própria compaixão ou misericórdia
suspende o juízo sobre o outro e adentra no seu pobre
compartilhamento do pecado. Este ato tem uma força enorme porque invoca a
solidariedade entre os homens, enquanto Deus
primeiramente é solidário com as misérias humanas. Deus se deixa comover
pela situação humana e suspende o seu absoluto e legítimo juízo de
condenação para dar o perdão. Se refletimos sobre estas coisas,
compreendemos a grandeza moral, espiritual, humana que habita o homem
quando perdoa o seu ofensor. Em outros termos: quando sou ofendido,
tenho direito de julgar o outro, mas com a força do coração comovido,
reconheço a sua deplorável situação, entro no seu problema e o perdoo.
A misericórdia
é ver no irmão que o bem que ele é como ser humano é maior do que suas
más ações. Parece este ser verdadeiramente o gesto de Deus.
Agora, não teria sentido “perdoar a si mesmo”. Mas com isso queremos
dizer que, apesar do mal que fizemos, dentro de nós permanece uma larga
parte de bem. Contra o desespero interior, não se pode deixar morrer
dentro de nós o anseio pelo bem e a esperança de um retorno à vida de
graça em Deus.
Novena.it
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