LITURGIA DA PALAVRA
Primeira Leitura
Monição: Jeremias tinha motivos graves para se queixar da ingratidão dos homens, mas continuava a confiar no Senhor.
Jeremias 20, 10-13
Disse Jeremias: 10«Eu ouvia as invectivas da
multidão: ’Terror por toda a parte! Denunciai-o,
vamos denunciá-lo!’ Todos os meus amigos esperavam que eu desse um passo
em falso: ’Talvez ele se deixe enganar e assim o poderemos dominar e
nos vingaremos dele’. 11Mas o Senhor está comigo como herói
poderoso e os meus perseguidores cairão vencidos. Ficarão cheios de
vergonha pelo seu fracasso, ignomínia eterna que não será esquecida. 12Senhor
do Universo, que sondais o justo e perscrutais os rins e o coração,
possa eu ver o castigo que dareis a essa gente, pois a Vós confiei a
minha causa. 13Cantai ao Senhor, louvai o Senhor, que salvou a vida do pobre das mãos dos perversos».
Este texto é uma parte duma das chamadas «confissões de Jeremias», as
dolorosas lamentações do Profeta numa situação tremendamente dramática,
após a morte do rei Josias; prisioneiro da paixão por Deus, que o leva
ao cumprimento fiel da sua espinhosa missão profética, ele sente a
repugnância instintiva do sofrimento que este desempenho lhe causa, pois
isto era o pretexto para os seus adversários o acusarem de ser ele o
culpado de todas as desgraças que desabavam sobre o povo, desgraças que
haviam de culminar na conquista e destruição de Jerusalém por
Nabucodonosor em 587 a. C. e no exílio de Babilónia. Jeremias chega ao
ponto de, em dolorosos desabafos, amaldiçoar a sua vida, mas, ao mesmo
tempo, mostrando uma inquebrantável confiança em Deus. Deixou-nos os
mais belos textos literários que exprimem o drama da dor humana de um
homem de fé. A sua notável obra encontra-se muito desordenada, sem uma
sequência natural, em parte por ter sido mandada queimar pelo rei
Joaquim; os seus oráculos, postos por escrito pelo seu secretário Baruc,
foram recolhidos de modo muito disperso, como é fácil de verificar. As confissões de Jeremias encontram-se em: Jer 11, 18 – 12, 6; 15, 10-21; 17, 14-18; 18, 18-23; 20, 7-18.
12 «Experimentais o justo»: Deus, ao permitir que caiam males
sobre os seus amigos, não quer o mal deles e nunca os abandona; mas
prova-os, a fim de os purificar ainda mais, de os encher de méritos e de
os tornar mais santos.
Salmo Responsorial
Sl 68 (69), 8-10.14.17. 33-35 (R. 14c)
Monição: O Senhor atende quem confia na Sua misericórdia.
Refrão: PELA VOSSA GRANDE MISERICÓRDIA, ATENDEI-ME, SENHOR.
Por Vós tenho suportado afrontas,
cobrindo-se meu rosto de confusão.
Tornei-me um estranho para os meus irmãos,
um desconhecido para a minha família.
Devorou-me o zelo pela vossa casa
e recaíram sobre mim os insultos contra Vós.
A Vós, Senhor, elevo a minha súplica,
no momento propício, meu Deus.
Pela vossa grande bondade, respondei-me,
em prova da vossa salvação.
Tirai-me do lamaçal, para que não me afunde,
livrai-me dos que me odeiam e do abismo das águas.
Vós, humildes, olhai e alegrai-vos,
buscai o Senhor e o vosso coração se reanimará.
O Senhor ouve os pobres e não despreza os cativos.
Louvem-n’O o céu e a terra,
os mares e quanto neles se move.
Segunda Leitura
Monição: Em Adão herdamos as consequências do pecado. Por Cristo fomos salvos.
Romanos 5, 12-15
Irmãos: 12Assim como por um só homem entrou o
pecado no mundo e pelo pecado a morte, assim também a morte atingiu
todos os homens, porque todos pecaram. 13De facto, até à Lei, existia o pecado no mundo. Mas o pecado não é levado em conta, se não houver lei. 14Entretanto,
a morte reinou desde Adão até Moisés, mesmo para aqueles que não tinham
pecado por uma transgressão à semelhança de Adão, que é
figura d’Aquele que havia de vir. 15Mas o dom gratuito não é
como a falta. Se pelo pecado de um só pereceram muitos, com muito mais
razão a graça de Deus, dom contido na graça de um só homem, Jesus
Cristo, se concedeu com abundância a muitos homens.
Estamos diante dum texto da máxima importância para a Teologia e para
a vida cristã. As controvérsias doutrinais contribuíram para que o
ponto central das afirmações de Paulo se tenha feito deslocar da
justificação pela graça para o pecado, e da obra salvadora de Cristo
para a obra demolidora de Adão. É certo que não faria sentido falar da
libertação por Cristo do pecado, da condenação e da morte, sem que estes
males tivessem entrado de forma poderosa no mundo. Mas Adão não passa
duma figura, por antítese, de Cristo, em virtude duma argumentação a fortiori de tipo rabínico (o chamado qal wa-hómer). Mas,
ainda que, como pensam muitos exegetas, Paulo não trate directa e
expressamente do tema do pecado original (só indirectamente), este texto
não deixa de oferecer uma base legítima e sólida para a doutrina
proposta pelo Magistério da Igreja, assim resumida no Catecismo da
Igreja Católica, nº 403: «Depois de S. Paulo, a Igreja sempre ensinou
que a imensa miséria que oprime os homens, e a sua inclinação para o mal
e para a morte não se compreendem sem a ligação com o pecado de Adão e o
facto de ele nos transmitir um pecado de que todos nascemos infectados e
que é a ‘morte da alma’. A partir desta certeza de fé, a Igreja concede
o Baptismo para a remissão dos pecados, mesmo às crianças que não
cometeram qualquer pecado pessoal».
Aclamação ao Evangelho
ALELUIA
O Espírito da verdade dará testemunho de Mim, diz o Senhor, e vós também dareis testemunho de Mim.
Evangelho
São Mateus 10, 26-33
Naquele tempo, disse Jesus aos seus apóstolos: 26«Não tenhais medo dos homens, pois nada há encoberto que não venha a descobrir-se, nada há oculto que não venha a conhecer-se. 27O que vos digo às escuras, dizei-o à luz do dia; e o que escutais ao ouvido proclamai-o sobre os telhados. 28Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Temei antes Aquele que pode lançar na geena a alma e o corpo. 29Não se vendem dois passarinhos por uma moeda? E nem um deles cairá por terra sem consentimento do vosso Pai. 30Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. 31Portanto, não temais: valeis muito mais do que os passarinhos. 32A
todo aquele que se tiver declarado por Mim diante dos homens também Eu
Me declararei por ele diante do meu Pai que está nos Céus. 33Mas àquele que Me negar diante dos homens, também Eu o negarei diante do meu Pai que está nos Céus».
Continuamos hoje a ter uma série de instruções e advertências de
Jesus aos Apóstolos para a sua missão, que se aplicam a todos os
discípulos de Cristo. As exortações desta secção (vv. 26-33) aparecem
condensadas logo na frase inicial: «Não tenhais medo!», que era um lema proposto pelo inesquecível Papa João Paulo II.
26 «Não tenhais receio dos homens». Jesus
ensina-nos que não devemos temer o que os homens digam de nós,
murmuração ou calúnia (cf. v. 25), pois chegará um dia em que tudo vem a
descobrir-se.
27 «Dizei-o em plena luz». Se o Senhor falava
aos seus particularmente, isso era para vir a ser anunciado. Por sábia
pedagogia divina assim actuava o Senhor, especialmente para evitar
agitações populares. Mas Jesus manda que os seus Apóstolos preguem a
verdade do Evangelho abertamente e a todos, com clareza e sem
ambiguidades, pondo de parte uma falsa prudência humana.
28 «A perdição da alma e do corpo no Inferno». O Inferno é uma verdade de fé claramente ensinada por Jesus Cristo (cf. Mt 5, 22-29; 18, 9; Mc 9, 43.45.47; Lc 15,
5; etc.), uma verdade que a doutrina da Igreja sempre tem lembrado. O
Inferno existe, um castigo eterno para os que morrem em estado de pecado
mortal, de deliberada rejeição de Deus. E não é isto um sinal de menos
misericórdia de Deus, pois os condenados não são capazes de
arrependimento para pedir o perdão e a misericórdia divina. O Inferno é
uma realidade misteriosa e é a prova da liberdade humana e de como Deus a
respeita e a toma a sério.
Presbiteros
O Evangelho que
escutamos neste Domingo é parte do capítulo décimo do Evangelho de São
Mateus, que traz o Discurso Apostólico de Jesus: aí, ele chama os Doze –
como ouvimos no Domingo passado, previne seus discípulos para as
incompreensões e perseguições que sofrerão, exorta-os a não terem medo
de falar, afirma claramente que ele mesmo, Cristo, é causa de divisão e,
finalmente, renova o convite para segui-lo. Então, estejamos atentos,
pois o Senhor nos está falando dos desafios próprios da missão de ser
cristão, ontem como hoje!
Claramente, ele nos previne sobre as dificuldades e perseguições: “Não
existe discípulo superior ao mestre, nem servo superior ao seu Senhor.
Se chamaram Beelzebu ao chefe da casa, quanto mais chamarão assim seus
familiares” (Mt 10,24s). Estamos vivendo hoje, neste início de
terceiro milênio, a verdade dessas palavras de Jesus. Basta que
recordemos as terríveis censuras à Igreja por suas posições o campo da
moral sexual e da bioética. Num mundo que não aceita mais Deus e a
religião – a não ser no âmbito da vida privada, sem nenhuma importância
para a sociedade, anunciar o Cristo e suas exigências virou um crime
insuportável para a sociedade neo-pagã! E, no entanto, a ordem que o
Senhor nos dá é clara: “O que vos digo na escuridão, dizei-o à luz do dia; o que escutais ao pé do ouvido, proclamai-o sobre os telhados!” A
Igreja e cada cristão não podemos calar a novidade e a vida que
encontramos em Cristo, não podemos passar por alto as exigências do amor
ao Senhor! E o sofrimento? E as incompreensões? Fazem parte do anúncio
do Evangelho. São Paulo claramente afirmava aos Gálatas: “Se eu quisesse agradar agradar aos homens não seria servo de Cristo” (1,10).
Seria trair o nosso Senhor esconder, mascarar as exigências do
Evangelho em nome de um falso diálogo com o mundo, de uma falsa
misericórdia e de uma falsa compreensão do homem de hoje. Somente Cristo
liberta de verdade o ser humano – o Cristo inteiro, pregado
integralmente, com todas as conseqüências do seu Evangelho! Qualquer um
que deseje fiel a Deus experimentará a incompreensão e a solidão.
Recordemos, na primeira leitura, a queixa do Profeta Jeremias, as
calúnias por ele sofridas. Ora, a Igreja não pode fugir desse destino; o
cristão – eu, você – não podemos fugir desse compromisso com Cristo!
Aliás, o século XX, apenas terminado, foi o século que mais matou
cristãos, que mais os perseguiu e exterminou. Só que os meios de
comunicação e os governos politicamente corretos mudam e disfarçam a
expressão “perseguição religiosa” com a mentira açucarada chamada
“choque de culturas”. Não! É perseguição por causa do Evangelho,
perseguição por amor a Cristo, perseguição que gera mártires! Também
nós, estejamos prontos e nos acostumemos aos ataques contra a Igreja,
que visam desmoralizar o cristianismo: na imprensa, muitas vezes, nas
universidades, na opinião pública em geral…
Como responder a essa
dolorosa realidade? Certamente, com uma atitude de fé, colocando-se nas
mãos do Senhor, como Jesus colocou-se nas mãos do Pai: “Ó Senhor, que provas o homem justo e vês os sentimentos do coração… eu te declarei a minha causa!” Não
irá se sustentar na fé quem não cravar os olhos e o coração no Senhor
crucificado por nós, quem não estiver disposto a participar do mistério
de sua cruz! As perseguições de hoje dão-nos a chance de testemunhar
nosso amor ao Senhor e escutar aquelas comoventes palavras suas aos
discípulos: “Fostes vós que permanecestes comigo em todas as minhas tentações” (Lc 22,31). O que não podemos, caríssimos, é nos acovardar, negociar com um mundo que refuta Jesus: “Todo aquele que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante do meu Pai que está nos céus!” Também
não podemos pagar o mal com o mal, violência com violência, calúnia com
calúnia, mentira com mentira! Não devemos nunca nos deixar vencer pelo
mal: “Cristo sofreu por vós, deixando-vos um exemplo, a fim de que
sigais seus passos. Quando injuriado, não revidava; ao sofrer, não
ameaçava; antes, punha a sua causa nas mãos daquele que julga com
justiça” (1Pd 1,21.23). A Igreja – e nós somos Igreja – não deve se
calar ante os inimigos do Evangelho. Com paciência, firmeza, coragem e
amor à verdade deve fazer ouvir sua voz, quer agrada quer desagrade,
quer aceitem quer não!
Mas – pode alguém
perguntar -, por que essas dificuldades? Por que a rejeição ao anúncio
do Evangelho? Todos ouvimos São Paulo falar hoje, na segunda leitura, do
mistério do pecado: “O pecado entrou no mundo por um só homem. Através do pecado, entrou a morte”.
O Apóstolo quer dizer que toda a humanidade encontra-se numa situação
de fechamento em relação ao Deus da vida, encontra-se, portanto, numa
situação de morte! “Todos pecaram!” – quão triste é a condição do
coração humano; quão triste, a situação do mundo! Pecaram os judeus,
desobedecendo os preceitos da Lei; pecaram os pagãos, mesmo sem terem
conhecido um preceito como aquele dado a Adão ou os preceitos da Lei de
Moisés! Pecamos e embotou-se o nosso entendimento, a nossa sensibilidade
para as coisas de Deus! O Senhor, tanta vez, parece-nos pesado demais;
as exigências do seu amor, às vezes parecem nos oprimir. É que somos
egoístas, somos fechados sobre nós mesmos! Por isso, a primeira palavra
de Jesus é “convertei-vos”!
E, no entanto, ainda
que dirigido a um mundo fechado no seu pecado e na sua prepotência, o
anúncio de Cristo é anúncio de uma maravilhosa novidade para a
humanidade: se nos primeiros homens, iniciou-se uma corrente maldita,
uma cadeia de pecado, em Cristo, o novo Adão, iniciou-se a possibilidade
de uma humanidade nova: “A transgressão de um só levou a multidão
humana à morte, mas foi de modo bem superior que a graça de Deus, ou
seja, o dom gratuito concedido através de um só homem, Jesus Cristo, se
derramou em abundância sobre todos”. Eis! Ainda que incompreendida,
o anúncio que a Igreja faz é de vida e salvação para toda a humanidade!
O cristianismo não é negativo, nunca dirá que o mundo está perdido, que
as coisas não têm jeito! É verdade que o mundo crucificou o Senhor
Jesus – e nos crucifica com ele; mas também é verdade que o Senhor
ressuscitou, venceu para a vida do mundo e estará sempre presente
conosco!
Caríssimos, vivamos
com coerência, com coragem, com amor a nossa fé! Não tenhamos medo, não
desanimemos, não vivamos como os que não conhecem a Cristo! Não nos
fechemos em nós mesmos! De esperança em esperança, vivamos e anunciemos o
Senhor, certos de sua presença e de seu amor. Ele jamais nos deixará! A
ele a glória para sempre. Amém.
D. Henrique Soares da Costa
Nenhum comentário:
Postar um comentário